OS MÉTODOS
O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
Edgar Morin filósofo, sociólogo, epistemólogo, é um pensador contemporâneo
transdisciplinar, diz: Não sou daqueles que têm uma carreira, mas dos que têm
uma vida (...) Passei ao largo dos amores, ainda que não tenha podido viver sem
amor: diria até que, sem alta combustão amorosa, eu não teria jamais tido
coragem de escrever O Método. O Prof. Morin não escrevia de uma torre que o
separa da vida, mas de um redemoinho que o joga em sua vida e na vida. A
aventura do Método preenche sua vida durante três décadas e meia, de 1969 a
20000. Trata-se de um caleidoscópio, uma empreitada epistemológica, uma obra
estendida em seis Tomos, em que o Prof. Morin constrói a partir da derrocada do
modelo iluminista do fracionamento da realidade para entendê-la, um método que
procura elucidar a profundidade do pensamento complexo, a possibilidade de um
conhecimento polissêmico, um feixe, inter, multi e transdiciplinar.
Então, vejamos um quadro de cada Tomo do Método. No conjunto da obra O Método,
o Prof. Morin aborda a partir do paradigma da complexidade a teoria e o método
na construção do saber, do desenvolvimento da ciência. Apresenta-nos como no
antigo paradigma a ciência está fechada e manipulada pela tecnologia. Segundo o
Prof. Morin a teoria não é conhecimento, ela permite o conhecimento, estando
assim a teoria à beira da degradação, achatada e simplificada. Isto decorre por
três motivos, constata o Professor a teoria torna-se utilitarista, conservando
aquilo que é operacional, desta maneira passa de logos a técnica; a teoria
torna-se doutrina e fecha-se cada vez mais à contestação; e ainda a teoria se
vulgariza e ?difunde-se à custa desta simplificação de consumo. Aqui mora o
perigo que consiste em esvaziar a complexidade.
Assim, o Prof. Morin deixa claro que não há teoria sem método,a teoria quase se
confunde com o método ou, melhor, teoria e método são os dois componentes
indispensáveis do conhecimento complexo. O método torna-se fundamental pelo
fato de organizar a teoria, desta maneira ela pode evitar a retroação, ou seja,
a simplificação da teoria, o método guia a razão. Notamos assim, que é
impossível desvencilhar o método da teoria, pois toda teoria é teoria na medida
em que apresenta um norteador que organize o pensamento, no caso o método, daí
quanto mais claro e objetivo apresentar-se o método maior a possibilidade de
não banalização da construção teórica. Existe na complexidade uma racionalidade
aberta, que reconhece que não há ciência pura, no entanto, esta possibilita uma
teoria do sujeito no cerne da ciência, o que abre as portas para uma crítica
construtiva do sujeito pela epistemologia complexa, trazendo assim o esclarecimento
pela ética.
A obra, o Método se distancia do que Descartes propôs como método. Enquanto
este o cerne da questão é a certeza indubitável, o Prof. Morin coloca as
possibilidades no horizonte da incerteza, da diversidade, da complexidade que é
o homem. Assim o homem e o mundo não transcendem um ao outro, porém se
multiplicam se modificam, se transformam, desaparecem e aparecem.
Então, em síntese, O método se apresenta em seis temas, são seis entradas
abordando a complexidade humana. O primeiro, a natureza da natureza:
formalmente, apresenta uma epistemologia de complexidade. Trabalha a relação
entre ciência do homem e ciência da natureza, num contexto de complexidade.
"A complexidade é um progresso de conhecimento que traz o desconhecido e o
mistério. O mistério não é somente privativo; ele nos libera de toda
racionalização delirante que pretende reduzir o real à idéia. Ele nos traz, sob
forma de poesia, a mensagem do inconcebível". O segundo, a vida da vida:
Centrado na questão do homem, destrona o antropocentrismo: discute a vida
existente antes do homem e o próprio homem como produtor e produto de sua
espécie. "Ninguém pode basear-se, hoje, na sua pretensão ao conhecimento,
numa evidência indubitável ou num saber definitivamente verificado. Ninguém
pode construir seu conhecimento sobre uma rocha de certeza. A minha pesquisa de
Método parte, não da terra firme, mas do solo que desmorona, adverte o Prof.
Morin. O terceiro, o conhecimento do conhecimento: A grande questão é o
reducionismo, a fragmentação do saber. Para entender e ser num mundo
globalizado, de culturas e interesses tão díspares, o autor evidencia a
necessidade de religar as ciências biológicas, físicas e humanas. Os progressos
do conhecimento aumentam o paradoxo da separação/comunicação e do
fechamento/abertura: quanto mais a organização cognitiva torna-se original,
singular, individual, fechada sobre si mesma, separada do mundo, mais está apta
a tornar-se objetiva, coletiva, universal, aberta e em comunicação com o mundo.
Em paralelo, quanto mais o homem acentua a sua diferença e a sua marginalidade
em relação à natureza, mais aumenta as possibilidades de conhecimento da
natureza, reflete o filósofo. O quarto, as idéias: habitat, vida, costumes,
organização: serve de introdução ao problema da reflexão no mundo contemporâneo
- o livro é denso nos aspectos com que aborda as idéias: a ecologia das idéias
o equilíbrio entre as idéias que o sujeito desenvolve e as que a cultura, a
sociedade, lhe oferece, das quais se apropria e é apropriado por elas; a
noosfera vem a se constituir na relação dicotômica e conjunta de autonomia e
dependência da vida no pensamento; a noologia estabelece as relações entre a
linguagem e a lógica, sua complexidade.. O quinto, a humanidade da humanidade:
a identidade humana: é a síntese de uma vida. Todos os temas das obras
anteriores de Edgar Morin aparecem reunidos e aprofundados neste quinto e
decisivo volume, com uma configuração e um arranjo inteiramente novos. Este
livro aborda o destino da identidade humana, em jogo na crise planetária em
curso. O Prof. Morin trabalha as condições em que a identidade humana é
construída; suas interrelações social, cultural e política, o contexto
histórico e planetário. Quem é o homem na relação com o outro e consigo. A
indagação quem somos é inseparável de onde estamos, de onde viemos, para onde
vamos. Conhecer o humano não é expulsa-lo do universo, mas situa-lo. Como
sempre, este trabalho rompe com a fragmentação do conhecimento nas ciências
humanas e propõe uma verdadeira reforma do pensamento. O Professor convida-nos
a pensar a vida na vida. O sexto Tomo traz o tema da ética: Este sexto e último
volume de O Método constituem o ponto culminante da grande obra do Prof. Edgar
Morin, aqui faz da complexidade um problema fundamental a ser abordado e
elucidado. Neste sexto tomo, o mais concreto e talvez mais acessível, o Prof.
Morin parte da crise contemporânea, ocidental, da ética para voltar a ela, ao
final, depois de uma análise antropológica, histórica e filosófica do problema.
A ética permanece ligada a uma filosofia do espírito. Para a construção de sua
teoria ética, o filósofo e sociólogo parte de um conceito de inspiração
kantiana, definindo a ética como exigência moral auto-imposta. Mas, em lugar
dos imperativos provindos da razão prática (Kant), na Ética da complexidade, o
imperativo provém de três fontes, uma fonte interna, análogo à consciência do
sujeito; uma fonte externa, simulada pela cultura, pelas crenças e pelas normas
pré-estabelecidas na comunidade; e de uma fonte anterior própria à organização
dos seres vivos e transmitida geneticamente. A complexidade apresentada por
essa ética nos exige uma reflexão sobre quão concernente são as escolhas morais
que temos de fazer em nosso cotidiano.
A leitura do Método, do paradigma da complexidade, é um excelente meio para
fazer diminuir miopias e cegueiras e abrir a esperança a novos horizontes. A
busca do esforço cósmico desesperado que, no ser humano, toma a forma de uma
resistência à crueldade do mundo é o que eu chamaria de esperança.