As
relações humanas - Sêneca
Sêneca escreveu As Relações Humanas
em sua velhice quando já se tinha retirado da Corte para sua casa de campo. É
uma série de cartas que ele dirige a Lucílio, não apenas um discípulo à
distância, mas um amigo com quem ele partilha conhecimentos. A amizade é
concebida como uma relação em que as parte se doam em envolvimento profundo,
tal como ele diz inicialmente: "tu não poderás ler-me, não poderás lucrar
com as minhas cartas se não souberes o que devemos ser um para o outro, se não
compreenderes que essa troca de cartas deve também ser uma troca de
almas". Assim, as cartas consagradas à amizade é um prelúdio que exorta o
discípulo a cultivar com o mestre uma amizade virtuosa e inteira, para em
seguida propiciar o desenvolvimento de temas mais aprofundados, aqueles que
levarão o amigo à sabedoria. É assim que na seqüência vem os temas da
eloqüência e dos livros, da atitude do sábio diante da morte, e, por último, a
filosofia. Procura-se conduzir uma alma de qualidade à sabedoria, a discernir
os verdadeiros valores, a viver segundo a Razão, a guiá-la para a contemplação
da Natureza, portanto do Divino. O verdadeiro conhecimento é aquele que permite
descobrir a Natureza e viver em harmonia com ela. Sobretudo, ele nos liberta do
medo da morte. É missão do filósofo levar o homem a superar essa angústia.
Meditações aprofundadas sobre a morte, sobre a amizade, sobre a filosofia, são
encaminhadas a seu destinatário. O professor-amigo é uma chama viva, sempre à
procura, dando de si ao outro para dar-se a si mesmo.
Nas relações humanas o perigo é coisa de todos os dias, escreve a Lucílio.
Orientava o filósofo que precaver-se bem contra este perigo, estando sempre de
olhos bem abertos: não há nenhum outro tão frequente, tão constante, tão
enganador! A tempestade ameaça antes de rebentar, os edifícios estalam antes de
cair por terra, o fumo anuncia o incêndio próximo: o mal causado pelo homem é
súbito e disfarça-se com tanto mais cuidado quanto mais próximo está. Faz-se
mal em confiar na aparência das pessoas que a nós nos dirigem: têm rosto
humano, mas instintos de feras. Só que nestas apenas o ataque direto é
perigoso; se nos passam adiante não voltam atrás à nossa procura. Aliás,
orienta Sêneca, somente a necessidade as instiga a fazer mal; a fome ou o medo
é que as forçam a lutar. O homem, esse, destrói o seu semelhante por prazer.
Tu, contudo, pensando embora nos perigos que te podem vir do homem, pensa
também nos teus deveres enquanto homem. Evita, por um lado, que te façam mal,
evita, por outro, que faças tu mal a alguém. Alegra-te com a satisfação dos
outros, comove-te com os seus dissabores, nunca te esqueças dos serviços que
deves prestar, nem dos perigos a evitar. Que ganharás tu vivendo segundo esta
norma? Se não evitas que te façam mal, pelo menos consegues que te não tomem
por tolo. Acima de tudo, porém, refugia-te na filosofia: ela te protegerá no
seu seio, neste templo sagrado viverás seguro ou, pelo menos, mais seguro.
A sabedoria de Sêneca não se limitava a teoria. Sua prática voltava-se para si
mesmo, numa passagem ele pergunta: Que progresso já consegui? Comecei a ser
amigo de mim mesmo.