Segundo o pensamento Ocidental, a religião praticada
maioritariamente pelos cristãos é de tipo racional. Isto é, os ocidentais
separam facilmente a fé do fundamentalismo (redução da vida à religião). Para
os cristãos, uma coisa é a fé, a sua crença em Deus; outra coisa, bem
diferente, é a vida quotidiana. E a Política insere-se nesta categoria. Desta
forma, facilmente o homem religioso separa, em cada momento da sua prática, o
espaço sagrado do espaço profano. Aliás, o sagrado e o profano são duas
categorias bem definidas no espírito discursivo. É esta capacidade de
discernimento que, por exemplo, marca a diferença entre cristãos e islâmicos.
Aprendemos, desde cedo, a não misturar as águas, porque, já o
sabemos, quando se misturam ficam turvas. Aliás, também aprendemos com os
erros do passado. E o que nos diz o passado? Diz-nos que sempre que
misturamos religião com política, as coisas da vida não correm muito bem.
Para ilustrar esta ideia basta que recordemos a chamada «Santa Inquisição»,
misto de política e religião. E o que aconteceu com esta mistura imprudente?
Perseguições político-religiosas, deportações, assassinatos. Este é o
corolário inevitável da não separação da vida religiosa da vida política.
Outra razão, de entre muitas outras, que aconselham a que
estas práticas ocorram separadas, é o facto de existirem múltiplas ideologias
políticas que, não raro, são antagónicas. Numa linguagem mais corrente,
diremos que existem as ideologias neo-liberal, liberal, social-democrata,
socialista e comunista. Ou, menos correctamente, existem as ideologias de
direita e de esquerda. Ora, em cada uma destas ideologias encontramos homens
e mulheres que professam religiões comuns. Esta realidade é mais do que
suficiente para que defendamos que religião e política não são misturáveis.
Não sendo incompatíveis revelam incompatibilidades.
Vem a nossa reflexão a propósito do que se passa no Iraque pós
Saddam, e que nos leva a questionar: Terminou a guerra no Iraque? Não.
Calaram-se as grandes máquinas de guerra, terminou o aparato bélico
americano, terminou o horror que se abateu sobre aquele povo martirizado por
Saddam e pelas armas da «Coligação»; mas não terminou a guerra, ou seja,
agora começo outra guerra: a guerra da sucessão, que será, provavelmente, uma
guerra religiosa, a guerra da afirmação de um povo que se sente ocupado e
ofendido, que vê na religião a única forma de exorcizar o inimigo invasor que
ocupou a sua terra.
E é aqui que continua o dramatismo deste povo, talvez por
incapacidade imediata para racionalizar, a quente, as duas vertentes da
praxis humana: a política, a arte de bem governar a polis, e a vida
religiosa, o espaço de ligação entre os homens que comungam os
mesmos princípios religiosos e defendem os mesmos dogmas. É esta
circunstância que ainda trará muitos e profundos problemas àquele povo
sedento de paz, harmonia e subsistência.
Observe-se o que já está a acontecer: uma das poderosas forças
religiosas quer impor à outra os seus pontos de vista, querendo implantar um
estado islâmico, portanto, um estado religioso, teocêntrico, obediente e
temente. Esta emotividade religiosa, dogmática, fechada, irracional, ainda
não entendeu a gravidade da situação; ao invés de procurar consensos
alargados, que vá ao encontro dos ideais do maior número possível de líderes
e do povo iraquiano, que é «correr com a coligação», quer impor, aos outros o
que não quer que lhe imponham a si! Chama-se a isto irracionalismo puro,
cegueira religiosa, o fundamentalismo que não é capaz de entender que cada
pessoa desenvolve o seu ponto de vista político e o seu modo de estar na
religião ao longo da maturação do seu processo formativo, cultural e
psicológico.
É esta a grande diferença que notamos, no nosso tempo, entre
os povos cristãos e islâmicos. Aqueles sabem separar a vida sagrada da vida
profana, defendendo, por isso, estados laicos; estes não são capazes de
separar o que não é unificável e defendem estados religiosos, onde tudo se
confunde. É a cultura dos povos. (António Pinela, Reflexões, Abril de
2003).
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