Na seca, salários de
prefeitos e vereadores crescem até 272%
Em Carira (SE), prefeito ganhará R$ 24 mil por mês, após
aumento de 71% aprovado em agosto.
SÃO PAULO — Moradores chegam de jegue e carrinho de mão
carregados de vasilhames a um antigo chafariz no município de Alagoa Grande,
interior da Paraíba, em busca de água. Na cidade, o abastecimento na zona
urbana está sendo feito por rodízio e, em comunidades rurais, a água chega
somente por carros-pipa doados pelo governo estadual. A mais de 500 km de
distância, em Carira, Sergipe, além de a estiagem não dar trégua, a prefeitura
está sob intervenção da Justiça para garantir o pagamento do salário dos funcionários.
Apesar de arrasados pela seca, municípios como esses em todo o sertão
nordestino reajustaram em até 272%, nos últimos meses, os salários de prefeitos
e vereadores que tomarão posse em 1º de janeiro. Em alguns casos, a remuneração
será maior do que subsídios de prefeitos em capitais.
É o que vai acontecer na cidade sergipana, que pagará ao
próximo prefeito, Diogo Machado (PSD), R$ 24 mil por mês, após aumento de 71%
aprovado em agosto. Na Paraíba, o município de Pombal fixou em R$ 20 mil o
salário da prefeita reeleita, Polyana Feitosa (PT), para o próximo ano,
reajuste de 67%. Com 20 mil e 32 mil habitantes, respectivamente, Carira e
Pombal pagarão a seus administradores mais do que capitais como Salvador (R$ 18
mil), Florianópolis (R$ 19 mil) e Palmas (R$ 17 mil).
Os altos salários destoam em meio à pobreza dessas cidades.
Em Pombal, a prefeitura recorreu em novembro à ajuda do governo estadual para
pagar carros-pipa para comunidades rurais prejudicadas pela seca. O custo de
cada veículo, a ser quitado integralmente pelo estado, é de R$ 5 mil por mês.
Dois meses antes, o salário da prefeita foi reajustado em R$ 8 mil. Em Carira,
o reajuste de R$ 10 mil para o prefeito está sendo contestado pelo Ministério Público,
que também quer cancelar o aumento de 100% que os vereadores deram aos próprios
salários — de R$ 3 mil para R$ 6 mil. A promotoria alega que a prefeitura está
quebrada financeiramente, desrespeitando parâmetros da Lei de Responsabilidade
Fiscal e sob intervenção da Justiça para garantir o pagamento em dia dos
servidores.
— Creio que não seja a única cidade do país nessa situação.
Esses aumentos são desproporcionais e imorais diante da situação de pobreza da
população. E, no caso específico, o aumento é ilegal, porque a cidade está
descumprindo o limite da LRF para despesas com pessoal — disse o promotor Adson
Alberto Cardoso.
Na paraibana Alagoa Grande, enquanto os moradores recorrem ao
chafariz para ter água e a reforma do único hospital ficou para ser concluída
na próxima gestão, os vereadores aprovaram em setembro salário de R$ 18 mil
para o prefeito eleito, Bôda (PR) — aumento de 80%. Na cidade de 28 mil
habitantes, os parlamentares reajustaram o próprio salário em 62%, de R$ 3.700
a R$ 6.000. No Piauí, vereadores de Aroeiras do Itaim terão aumento de 79%.
O maior reajuste identificado pelo GLOBO em regiões atingidas
pela estiagem foi em Arneiroz, com 7.650 habitantes, no Ceará. Lá, vereadores
aprovaram, após a eleição, aumento de 272% para o prefeito reeleito, Monteiro
Filho (PMDB), que receberá em 2013 R$ 11.900. Na mesma época, a prefeitura,
alegando falta de recursos, suspendeu o pagamento de bolsa-auxílio de cerca de
R$ 250 para estudantes.
Por lei, vereadores e prefeitos somente podem reajustar os
próprios vencimentos de uma legislatura para a outra. Na gestão em vigor, são
permitidas correções inflacionárias. O estímulo aos reajustes veio de cima. Em
2010, os deputados federais aumentaram os próprios salários em 61% (R$ 26 mil)
e provocaram efeito cascata nos estados e municípios. Segundo a Constituição, a
adequação dos subsídios de prefeitos e vereadores aos parâmetros da Câmara dos
Deputados é opcional. No entanto, na prática, a maioria age como se fosse
obrigatória. O presidente da Associação Brasileira das Câmaras Municipais,
Rogério Rodrigues da Silva, estima que “99,9%” dos municípios tenham feito os
reajustes:
— Você já viu alguém recusar aumento de salário? Subsídios de
prefeitos e vereadores não podem ser responsabilizados por mazelas do país.
Para vereadores, o valor máximo do salário tem de ser de 20%
a 75% do que ganha um deputado estadual, conforme o tamanho da cidade. No caso
de prefeitos, o teto salarial é a remuneração dos ministros do Supremo (R$ 26
mil).
A pressão popular conseguiu impedir em algumas cidades o
aumento salarial. Com uma manifestação na porta da Câmara de Umuarama (PR), os
vereadores rejeitaram em setembro passado o reajuste que elevaria a R$ 7 mil o
subsídio dos parlamentares e a R$ 18 mil o do prefeito. Em Goiânia, a tentativa
de aumento foi parar nas redes sociais e a população impediu que os salários
aumentassem para R$ 26 mil no caso do prefeito e R$ 15 mil para os
parlamentares. Nos dois casos, o reajuste até 2016 será pelo índice da
inflação.
Em Sousa, na Paraíba, o prefeito Fabio Tyrone (PTB), que não
disputou a reeleição, vetou o reajuste dado de 50% para o cargo (de R$ 10 mil
para R$ 15 mil) e de 100% para os secretários estaduais (de R$ 3 mil para R$ 6
mil):
— Tenho muito respeito pelo Legislativo, mas não concordo que
salários sejam duplicados de uma hora para outra. Sou favorável a ter a
correção da inflação.
Em 2013, 5.072 novos vereadores chegarão às Câmaras
municipais. O Congresso aprovou em 2010 aumento de 10% do número de vereadores
no país.