A faculdade de julgar em
Kant
Segundo Kant, o
gosto é sim universal.
A Estética kantiana é pensada não mais como
uma dimensão objetiva do mundo e sim como uma dimensão mental, subjetiva. Isto
quer dizer que a reflexão sobre a estética está voltada para as condições de
receptibilidade a prazer do sujeito, também chamada de estado mental ou de
conhecimento em geral.
Conhecimento em geral porque, muito embora
na sua Estética Transcendental (Crítica da Razão Pura), que determina as formas
de receptibilidade das sensações (espaço e tempo), essa se refira somente a um
conhecimento específico ou particular, relacionado ao modo como o sujeito é
afetado subjetivamente, não consegue esgotar o problema do prazer (sentimento)
que acompanha a intuição.
Este prazer, para Kant, não tem nada a ver
com o conhecimento que aquela faculdade (de conhecer) determina e por isso foi
tratado separadamente. Este prazer se refere ao sujeito, à sua sensibilidade ou
receptibilidade ao experimentá-lo e é expresso no predicado Beleza. Por
exemplo, ao observar o céu estrelado acima de nós, temos a sensação objetiva
(vemos algo), estudada na faculdade de conhecer (ciência) e também temos um
sentimento de prazer (subjetivo) ao ver a Beleza do céu (objetivo),
contemplando sua harmonia, sua ordem, como se tivesse sido feito por Deus, o
artista da natureza, estudada na faculdade de julgar estética.
Entretanto, a partir do dado empírico, esta
sensação é desinteressada do objeto (ou seja, não se refere a ele, mas ao
sentimento do sujeito vinculado a essa experiência), numa tentativa de
contemplação pura (isto porque Kant é o filósofo da possibilidade e postula tal
concepção), de prazer puro. E Kant vai ainda mais longe: pressupõe que tal
estado mental é relacionado à comunicabilidade, pretendendo o caráter de
universalidade. Se os homens se colocarem em um mesmo estado de receptibilidade
(ou seja, se colocarem no lugar do outro), sentirão o mesmo prazer. Porém, em
uma universalidade subjetiva, porque não há uma intuição aplicada a um
conceito.
Percebe-se, dessa forma, a construção do
sistema kantiano de uma unidade da razão, unidade harmônica, pois a faculdade
de julgar estética fornece princípios a priori para as faculdades de
conhecer e de apetecer, mantendo-se como ordenadora do embate entre essas duas
faculdades (o famoso livre jogo das faculdades). Assim, conhecer e agir,
objetivamente, depende do modo como fomos afetados e concebemos a beleza do
mundo subjetivamente, proporcionando um estado de consciência sempre em
conflito entre as faculdades, mas com a possibilidade do equilíbrio entre elas.
O livre jogo entre as faculdades, por si só, é prazeroso, isto é, o sentimento
informa a harmonia e o equilíbrio entre essas funções cognitivas e isso pode ser
pressuposto em todos os homens.
Portanto, segundo Kant, o gosto é sim
universal, e o homem (ser entre o animal e Deus) deve, através da educação dos
instintos, aprimorar a sua receptibilidade ao verdadeiro prazer, intelectual,
entendido como o saber e a ação cada vez mais universais. Aprimorar os
sentimentos significa o aprimoramento da razão e, portanto, do próprio homem.