sábado, 23 de novembro de 2013

Silêncio...

Lula revela: a imprensa faz mal à democracia
As palavras de Lula põem gasolina no fogo dos vândalos que atacam carros da imprensa nas ruas

Discursando no Senado, em comemoração aos 25 anos de promulgação da Constituição, Lula disse que a imprensa “avacalha a política”. E explicou que quem agride a política propõe a ditadura. Parem as máquinas: para o ex-presidente Luiz Inácio da Silva, a imprensa brasileira atenta contra a democracia. É uma acusação grave.

O Brasil não tinha se dado conta de que os jornais, as rádios, a internet e as televisões punham em risco sua vida democrática. Felizmente o país tem um líder atento como Lula, capaz de perceber que os jornalistas brasileiros estão tramando uma ditadura. Espera-se que a denúncia do filho do Brasil e pai do PT tenha acontecido a tempo de evitar o pior.

No mesmo discurso, Lula cobriu José Sarney de elogios. Disse que o senador maranhense, então presidente da República, foi tão importante na Constituinte quanto Ulysses Guimarães. Para Lula, Sarney sim é, ao contrário da imprensa, um herói da democracia. 

É compreensível essa afinidade entre os dois ex-presidentes. Sarney e seu filho Fernando armaram a mordaça contra O Estado de S. Paulo. Proibiram o jornal de publicar notícias sobre a investigação da família Sarney por tráfico de influência no Senado, durante o governo do PT. Isso é que é democracia.

A imprensa é mesmo um perigo para a política nacional. Ela acaba de espalhar mais uma coisa horrenda sobre o governo popular – divulgou um relatório do FMI que denuncia a “contabilidade criativa” na tesouraria de Dilma. 

Contabilidade criativa é uma expressão macia para roubo, já que se trata de fraudar números para esconder dívidas e gastar mais o dinheiro do contribuinte. Assim, a imprensa avacalha a política petista, cassando-lhe o direito democrático de avacalhar as contas públicas.

Lula faz essa declaração no momento em que manifestantes em São Paulo e no Rio de Janeiro, numa epidemia fascista, depredam e incendeiam carros da imprensa, além de agredir jornalistas. 

Luiz Inácio sabe o que faz. Sabe que suas palavras são gasolina nesse fogo. E não há nada mais democrático do que insuflar vândalos contra a imprensa – já que o método Sarney de mordaça é muito trabalhoso, além de caro.

Do fundo do mar, onde desapareceu há 21 anos, Ulysses Guimarães deve estar quase vindo à tona para tentar entender como Lula conseguiu exaltar a Constituição cidadã e condenar a imprensa num mesmo discurso. 

Ulysses morreu vendo a imprensa expor os podres de um presidente que seria posto na rua. Ulysses viu a imprensa ressurgir depois do massacre militar contra a liberdade de expressão. Ele mesmo doou parte de sua vida nessa batalha contra o silêncio de chumbo. Ao promulgar a Constituição cidadã, jamais imaginaria que, um quarto de século depois, um ex-oprimido descobriria que o mal da democracia é a imprensa. E estimularia jovens boçais a fazer o que os tanques faziam contra essa praga do jornalismo.

Lula saiu de seu discurso no Senado e foi almoçar com Collor – cujo governo democraticamente conduzido pelo esquema PC também foi avacalhado pelos jornalistas. 

A união entre Lula e Collor é uma das garantias do Brasil contra a ditadura da imprensa, essa entidade truculenta e abelhuda. E o país se tranquiliza ainda mais ao saber que Lula e Collor estão unidos a Sarney. Com esse trio, a democracia brasileira está a salvo.

Chegará o dia em que a televisão e o rádio servirão apenas aos pronunciamentos de Dilma Rousseff em nome de seus padrinhos, poupando os brasileiros de assuntos ditatoriais como mensalão, contabilidade criativa, tráfico de influência, Rosemary Noronha e outras avacalhações.

Infelizmente Collor se atrasou e não pôde comparecer ao almoço. Lula pôde celebrar seu discurso com outros democratas, como o seu anfitrião, o senador Gim Argello (PTB-DF) – a quem a imprensa golpista também vive avacalhando, só porque ele responde a vários processos e a inquérito no STF por apropriação indébita, peculato, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Com a mídia avacalhando a política desse jeito, não dá nem para almoçar em paz com um amigo do peito.

A Argentina e a Venezuela, que Lula e o PT exaltam como exemplos de democracia, já conseguiram domesticar boa parte da imprensa. Com a reeleição de Dilma, o Brasil chega lá. 
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/guilherme-fiuza/noticia/2013/11/lula-revela-bimprensa-faz-malb-democracia.html

Alerta aos incautos...

Vendedores e seus truques
Calço 38, mas vendedores já me convenceram a levar até sapato 40. Fica uma lancha no meu pé!

Entro numa livraria. Uma jovem se aproxima, desfilando os dentes, tal o tamanho do sorriso.

– Parabéns. Hoje quem vier de preto, como o senhor, ganha um prêmio. É a cor da elegância.

Estou de preto porque emagrece. Mas, se vou ganhar um prêmio, ótimo! Sorrio e mostro meus dentes, também quase pretos, porque estou com provisórios, até ficarem prontos os definitivos. A jovem continua, insinuante:

– Diga, que revista o senhor prefere?

Minha vaidade sofre um golpe. A abordagem não tinha a ver com meu charme. Era para vender assinatura! Mas não faço assinaturas de revistas. Até gosto de recebê-las em casa. Só que vivo entre Rio e São Paulo. Prefiro usar meu iPad. Respondi com a sinceridade rude que me caracteriza:

– Sinto muito, não vou comprar assinatura.
– Mas não estou vendendo, vou oferecer todos os benefícios sem o senhor ter de pagar.

Continuo com o mantra: “Não vou comprar. Não vou comprar”. É malho de vendas, eu sei. Ela insiste. Corro para fora da loja. É o único jeito de me livrar de vendedores insistentes. Em loja de grife, é um susto. Boto um paletó. Não fecha. Peço um número maior. Não tem. O vendedor começa:

– Você faz questão de fechar o paletó?
– Para que comprar um paletó que não consigo fechar?
– Muita gente hoje em dia usa assim, aberto. É fashion.

Observo minha barriga se projetando para fora. Fashion?

– E você fica muito bem de paletó aberto – diz o vendedor.

Minha vontade é atirar o paletó na sua cara. 

Respondo:
– É muito ruim comprar com vendedor que não é sincero.

Ele age como se não fosse com ele. No momento, está interessado em me mostrar a loja toda, queira eu ou não.

– Tenho também umas camisetas.

Experimento. Ele diz:

– Está ótima! Salienta os ombros.
– De tão justa, parece que engoli uma melancia.

Vou fugindo, mas ele me acompanha.

– Precisa de carteira? Relógio? Chapéu?

Em restaurantes, a gente é muito enganado. Sempre desconfio quando o maître aconselha:

– A sugestão do chef hoje é linguado.

Se é um domingo, isso significa que o linguado chegou na sexta-feira. É um peixe delicado, que estraga depressa. Obviamente, as geladeiras e os freezers estão abarrotados de linguados. 

O maître tem de empurrar o peixe. Experimente observar a expressão quando você diz que prefere um espaguete à bolonhesa. 

O maître tem vontade de atirar o linguado na sua cara. Mas se vira para a acompanhante e pergunta, gentilmente:

– E a senhora, já escolheu? O linguado está ótimo!

Da mesma forma, os vinhos. Enólogos em restaurantes são, na prática, vendedores especializados. Claro, sabem o que combina com quê. Mas também há estoques a desovar, como aquele vinho que ninguém pede e mofa na adega. 

Ele sugere: “Tem um tinto que combina muito bem com carne e peixe ao mesmo tempo”. Até com jiló, se eu perguntar!

Vendedores de feirinhas de antiguidades mostram um prato rachado e pedem uma fortuna:

– É Companhia das Índias, raríssimo.
– Mas está rachado.
– São as marcas do tempo que acentuam a beleza do objeto!

Com essa conversa de “marcas do tempo”, no passado forrei minha casa com quinquilharias inúteis. Hoje, pratos, taças e toda uma parafernália estão escondidos numa prateleira do alto. Motivo: a empregada pode quebrar. Então, para não quebrar, não uso. Se não uso, para que preciso deles? – eu me pergunto. Tente vender um prato rachado a sua vizinha. Você vai ouvir!

Se entro numa joalheria, sempre há uma bela dama para me atender, oferece café e champanhe. Mostra brincos delicados, se pretendo presentear uma jovem. Quando me interesso, elogia minha sofisticação: “Você tem muito bom gosto, é nosso último lançamento internacional”. 

Eu me sinto gratificado. Sem lembrar que a regra de quem vende é elogiar o cliente. E se você precisa vender uma joia? Um amigo ganhou várias da mãe para comprar um carro. O comprador só pagava pelas pedras e pelo peso em ouro. Design, grife não tinham valor nenhum.

Um truque nunca falha comigo: sapatos. Calço 38. Quase nunca encontro a numeração do modelo que quero. O vendedor me convence: “Nossa fôrma é diferente, experimente o 39”. Papo! Fica uma lancha nos meus pés, mas ele me convence de que tudo bem. Já comprei até o 40. E depois, para usar? Se eu estiver andando torto, você já sabe. Mais uma vez, caí em conversa de vendedor. Como todos nós, algum dia.  
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/walcyr-carrasco/noticia/2013/11/vendedores-e-bseus-truques-b.html

Vai encarar?


Vale a pena morrer por uma onda?
Maya Gabeira quase morreu, derrubada por uma onda gigante. As emoções valem mais que a vida

Por pouco, uma onda de 20 metros de altura não matou a surfista carioca Maya Gabeira. Foi no mar de Portugal, em Nazaré, no fim de outubro. A imprensa noticiou tudo em profusão, aos borbotões. Num dos sólidos solavancos líquidos do oceano bravio, Maya quebrou o tornozelo, caiu n’água, perdeu o fôlego, perdeu o ar dos pulmões, perdeu a consciência e quase perdeu a vida. Só sobreviveu porque o amigo Carlos Burle saltou do jet ski, conseguiu puxá-la para fora da espuma e levou-a até a praia, onde fez com que ela respirasse de novo graças a uma massagem cardíaca. Logo depois do susto, a maior estrela dos sete mares em matéria de ondas gigantes sorria: “Morri... mas voltei”.

Que bom. Que ótimo. Ufa! Maya, na crista de seus 26 anos, só espera o tornozelo ficar em forma para retomar sua rotina de “viver a vida sobre as ondas”, como na velha canção de Lulu Santos e Nelson Motta. Aí, voltará a deslizar sobre riscos tão altos quanto os vagalhões que desafia.

A pergunta é: vale a pena?

A resposta é: mas é lógico que sim.

Mas dizer isso é dizer pouco. Vamos mais fundo: vale a pena por quê? Sabemos, até aqui, que parece existir mais plenitude numa aventura emocionante e incerta do que numa existência segura e modorrenta. Mas por quê? Por que as emoções sublimes podem valer mais que a vida?

Se pensarmos sobre quem são e o que fazem os heróis da nossa era, talvez possamos começar a entender um pouco mais sobre isso. Os heróis de agora parecem querer morrer de overdose de adrenalina. Não precisam de drogas artificiais. Comem frutas e fazem meditação. Não falam mais de revoluções armadas. Estão dispostos a sacrificar a própria vida, é claro, mas não por uma causa política, não por uma palavra de ordem ou por uma bandeira universal – basta-lhes uma intensa carga de prazer.

Além dos surfistas, os alpinistas, os velejadores e os pilotos de Fórmula 1 são nossos heróis. São caçadores de fortes emoções. Enfrentam dragões invencíveis, como furiosas ondas gigantescas ou montanhas hostis, geladas e íngremes. Cavalgam automóveis que zunem sobre o asfalto ou pranchas que trepidam a 80 quilômetros por hora sobre uma pedreira de água salgada. Não querem salvar princesa alguma. A princesa, eles deixam de gorjeta para o dragão nocauteado. O fragor da batalha vale mais que a administração da vitória.

Os heróis de agora não fazem longos discursos. São protagonistas de guerras sem conteúdo, guerras belas simplesmente porque são belas, muito embora sejam perfeitamente vazias. Qual o significado de uma onda gigante? Nenhum. Ela simplesmente é uma onda gigante, e esse é seu significado. Qual o sentido político de morrer com o crânio espatifado dentro de um carro de corrida? Nenhum, mas ali está a marca de alguém que se superou e que merece ser idolatrado. Os heróis de agora não são portadores de ideias. São apenas exemplos de destemor e determinação. São heróis da atitude, não da finalidade.

O sentido do heroísmo não foi sempre assim, vazio. Há poucas décadas, as coisas eram diferentes. Antes, os heróis não eram famosos pelas proezas físicas, mas pelas causas que defendiam. Che Guevara, por exemplo. É certo que ele gostava de viajar de motocicleta e tinha predileção por enveredar-se nas matas e dar tiro de espingarda, mas sua aura vinha da mística revolucionária. Ele era bom porque, aos olhos dos pais dos que hoje são jovens, dera a vida pelos pobres, mais ou menos como Jesus Cristo – o suprassumo do modelo do herói que dá a vida pelo irmão.

Sabemos que Che é idolatrado ainda hoje, mas é bem possível que as novas gerações vejam nele um herói por outros motivos. Che não é um ídolo por ter professado o credo socialista, mas pela trilha aventurosa que seguiu. Aos olhos da juventude presente, a guerrilha não é bem uma tática, mas um esporte radical. O que faz de Che Guevara um ídolo contemporâneo, portanto, é menos a teoria da luta de classes e mais, muito mais, o gosto por embrenhar-se nas montanhas e fazer trekking, a boina surrada, o cabelo comprido, a aversão ao escritório, aos fichários e à gravata.

Nos anos 1970, os pais dos jovens de hoje idolatraram Che pelo que viam nele de conteúdo marxista. Hoje, os filhos dos jovens dos anos 1970 idolatram o mesmo personagem pelo que veem nele de performático (o socialismo não passou de um pretexto para a aventura). Num tempo em que as ideias foram esquecidas, o gesto radical sobrevive.

Maya Gabeira continuará no vigor do gesto. E nós continuaremos a amá-la por isso, porque nossa vida sem ideias ficou chata demais.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/eugenio-bucci/noticia/2013/11/bvale-pena-bmorrer-por-uma-onda.html

Instintos selvagens...

Carlota e Elisabeth (Foto: Ivan Martins)
O que as gatas me ensinam
Uma é tímida, a outra, impetuosa. Ambas são adoráveis e, à sua maneira, imprescindíveis

Carlota e Elisabeth.

Há dois meses ando apaixonado por um par de gatas. Carlota e Elisabeth. Elas entraram em casa por insistência da minha mulher e viraram parte da rotina. E da vida. Miam quando eu chego, sobem na cama e cheiram a minha cara quando acordo, sentam no meu colo quando estou lendo ou quando escrevo no computador. Eu falo com elas, brinco com elas, ralho com elas, dou comida e troco a areia da caixinha. Elas me fazem agradável companhia quando estou sozinho. Em troca, compro religiosamente a ração cheirosa que elas tanto apreciam. 

O fato de ter um par de gatas não me torna um ser humano melhor, não me faz sentir uma espécie de ativista e nem desconta a minha culpa – enorme - por não fazer o que é preciso para melhorar a vida das pessoas desprotegidas do meu país. Não acho, evidentemente, que minhas gatas são tão importantes quanto as criaturas humanas que me cercam. Mas tê-las em casa me deixa contente. Cuidar delas e conviver com elas são atos de prazer egoísta que me fazem bem, e que talvez façam bem a elas.

Também aprendo coisas com as gatas.

A primeira, óbvia, é que é bom cuidar delas. Pequenos rituais, como o de alimentar e tratar os bichos, são imensamente gratificantes. Não tomam tempo demais e nos fazem sentir necessários e úteis. Talvez algo em nós precise dessa responsabilidade sobre outra vida. Seres humanos necessitam de nós, claro, mas eles são complicados e imprevisíveis. Podem nos criticar, podem exigir demais de nós ou (infinitamente pior) podem virar as costas e ir embora. Gatos jamais. Eles não nos abandonam e não nos desapontam. À maneira deles, vivendo uma vidinha paralela em sua bolha felina, passam a vida conosco. É improvável que retribuam nossos ternos sentimentos, mas certamente precisam de nós. E isso basta.

Observando os gatos, sou tentado a fazer comparações e analogias com os humanos. 

Minhas gatas têm personalidades opostas entre si. Elisabeth, de oito meses, é uma dama elegante e delicada. Minha mulher a chama de bailarina. Ela se move com leveza pela casa e mantém distância emocional e física dos humanos. Gosta de tomar banho de sol na janela sem ser importunada. 

Quando se aproxima, é nos termos dela. Elisabeth canta. Ou melhor, mia desconsoladamente e sem razão aparente. De início, achei que era o intestino. Agora eu percebi que Elisabeth é melancólica. A veterinária disse que ela tem todos os ossos do rabo quebrado e uma calcificação óssea na espinha. Parece ter sido maltratada antes de chegar ao abrigo onde a recolhemos. Isso explica o jeito esquivo e desconfiado, assim como a tristeza dela. Elisabeth tem medo. Ou teve. 

Carlota, dois meses mais nova, é um turbilhão. Sobe em todas as mesas, entra no guarda-roupa, brinca com as plantas do vaso até destruí-las. É impertinente e destemida, assim como curiosa. 

Quando se tenta tirá-la à força de algum lugar, ela reage com arranhões. Nasceu na obra do novo estádio do Corinthians, eu imagino. Se eu grito com ela, ou tento fazer gestos para assustá-la, me encara com total indiferença. Como não teme as pessoas, se aproxima com facilidade. Permite que a gente a pegue no colo e brinque com ela. Outro dia, meio bebum, eu a segurei no chão pelas patinhas da frente e fiz barulho com a boca na barriga dela, como se faz com as crianças. Ela ficou perplexa. 

Carlota me faz pensar como são felizes as pessoas destemidas. Elas estão mais relaxadas. Desfrutam melhor do mundo ao redor delas. Se alguém tentar incomodá-las ou feri-las, reagem e vão embora. É mais simples, não é? Elisabeth, que tem medo de tudo, sugere que a vida deixa marcas. 

Não sei se o tempo fará com que ela se sinta segura na companhia de gente. Talvez não. Talvez ela seja naturalmente tímida. Mas isso faz que seja mais gostoso quando ela, num rompante, escala o sofá, supera suas reservas e decide, autonomamente, que vai dormir na minha barriga. Nestas horas, minha gata delicada faz com que eu me sinta alguém especial. 

Fico tentado a imaginar que a mulher ideal seria a mistura das duas. A meiguice de uma com a impetuosidade da outra. A melancolia da Elisabeth com a vivacidade da Carlota. Mas isso não existe, certo? A personalidade das pessoas não é construída para nos agradar ou para fazê-las mais desejáveis. Elas são como são. Imprescindíveis, adoráveis ou detestáveis à sua maneira. E alternadamente. 
Neste exato instante, escrevendo com Carlota no colo, enquanto Elisabeth nos observa deitada na estante do escritório, eu não sei de qual delas gosto mais. À sua maneira, as duas enchem a minha manhã. Uma mia, anda pela casa e observa. A outra escala a mesa, deita no teclado e termina por se ajeitar no meu colo. Se fossem duas mulheres, eu não saberia qual escolher. Estaria apaixonado pelas duas. Na verdade, pelas três gatas aqui de casa.  
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2013/11/o-que-bgatasb-me-ensinam.html

Gesto insosso...



A mística do punho cerrado

Ao serem presos, José Genoíno e José Dirceu usaram o gesto do movimento operário. Foi um ato simbólico ou de desespero?

José Dirceu (à esq.) e José Genoino ergueram o punho ao se entregar na sexta-feira, na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo. 

Ainda não sei se foi o espetáculo da democracia ou uma reles luta de poder. A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa de prender no dia 15 de novembro os condenados do Mensalão ajudou a não só a acirrar e polarizar os ânimos, como a trazer à tona o debate sobre tradições e símbolos. Barbosa fez virem à tona os emblemas da República que hibernavam até então. 

Dois condenados, o deputado federal José Genoíno e o ex-ministro José Dirceu, ergueram os punhos cerrados, revivendo o símbolo do movimento operário internacional contra os “exploradores capitalistas” e o poder constituído. Que impacto esses gestos têm sobre a recepção do público? 

Eu me interesso menos pela política do que pela simbologia. Não pretendo entrar no mérito jurídico do caso, até porque sou leigo no tema. Vou tentar somente demonstrar como a simbologia é chamada a intervir em situações extremas – e se desloca ele própria para o centro do picadeiro, ou da ágora, se quisermos ser mais otimistas com a democracia. 

Afirmar com Karl Marx do opúsculo O 18 Brumário de Luís Bonaparte que a história se repete como farsa seria reduzir a explicação, embora esta seja a primeira impressão que suscitam as atitudes descritas acima. 

Os símbolos são traiçoeiros. Refiro-me às imagens que servem para caracterizar movimentos políticos, religiosos ou mesmo clubísticos. Tais modalidades de representação mudam de dono, sentido e ideologia de acordo com as circunstâncias. 

E esses signos insidiosos retornam, infiltram-se e se apossam do imaginário popular, ainda que de forma inconsciente. Marx formulou a imagem da História que se repete como farsa ao refletir sobre como Napoleão reutilizou os distintivos, águias e lauréis do Império Romano para fortalecer sua simulação de César Redivivo, de líder supremo da Revolução da Europa moderna. Os governantes e políticos brasileiros também reprisam a história, à sua maneira.

Joaquim Barbosa quebrou com a tradição de cordialidade do Supremo, ao mandar prender os condenados no início de um feriado. Até então, o STF cumpria mandados de prisão após os feriados. Mas estamos no século XXI e a Justiça não tira férias. No entanto, o feriado em questão é a Proclamação da República. 

O ato do ministro reveste-se, portanto, de um caráter intencional. Indicaria que, com a prisão dos condenados, mesmo às pressas, ele teria replocamado a república, como um novo Deodoro da Fonseca. O evento ficará nos anais da nação e poderá servir para turbinar uma futura candidatura de Barbosa à Presidência da República. 

Com o ato rigoroso e as penas alternativas e atenuantes que ele magnaninamente distribui, apresenta-se com o manto severo de salvador da pátria – e isso poderá ser lembrado mesmo nas eleições de 2018. Ninguém é ingênuo para não pensar que Joaquim Barbosa combinou admiravelmente ato legal e símbolo pátrio para potencializar a sua já alta visibilidade. 

Mais intrigantes foram os gestos aparentemente revolucionários de Genoíno e Dirceu. Talvez tenham sido gestos de desespero e de súbita nostalgia no instante em que compareciam à sede da Polícia Federal de São Paulo. 

Os punhos erguidos e fechados se popularizaram a partir de 1917, com a Revolução Bolchevique. Expressam o desafio aos poderosos e a solidariedade entre os explorados do mundo inteiro. Evocaram a luta das esquerdas contra a exploração do trabalho operário. 

A imagem de Lênin em 1917, dos Panteras Negras nos Estados Unidos nos anos 60 e dos anarquistas de Maio de 1968 (para não citar o gesto de vitória do saudoso jogador de futebol e homem de esquerda Sócrates são suficientemente eloquentes para que o espectador associe Genoíno e Dirceu à legião dos oprimidos. 

Tudo isso faz crer que eles não ergueram o punho por impulso, mas com a intenção de comover os militantes, presentes ou que viram a imagem à distância. Quiseram figurar como Lênin e Sócrates ressurrectos. Desejaram reabilitar a luta de classes.

Seus inimigos, porém, não demoraram em lembrar que desde os tempos da saudação a Ishtar na Babilônia, o gesto serviu para outros fins, inclusive como parte da estatuária do comunismo totalitário e dos rituais nazista e da supremacia branca – há até uma foto de Hitler posando com o gesto. 

Infelizmente, Genoíno e Dirceu há muito tempo não podem ser qualificados como cidadãos oprimidos e explorados, se é que puderam sê-lo algum dia. Eles ainda são políticos influentes e poderosos e têm milhões de fiéis seguidores. Mas ostentaram os gestos para evocar um ideal que não se esforçaram por pregar como o faziam antes. Ergueram os punhos tarde demais. E assim enfraqueceram um símbolo que costumava ser eloquente. 

Os símbolos se desgastam, perdem a capacidade de persuasão e até de inverterem os sinais. Certos poderosos gostam de subestimar a inteligência alheia. A História aqui não volta como farsa, porque farsa pelo menos faz as pessoas rirem. No Brasil, a História se repete como treta.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/luis-antonio-giron/noticia/2013/11/mistica-do-bpunho-cerradob.html

Realidade tupiniquim...



Perdão, Jéssica

Você foi ao forró para festejar o novo emprego. Aí tudo parou. O carro te pegou pelas costas e o motorista está solto.

Você não passava de uma jovem mulher comum. Uma beleza mestiça bem brasileira, com olhos amendoados pintados por delineador, cabelos pretos escorridos. Tinha 22 anos e uma filhinha de 4 anos. Morava no Piqueri, Zona Norte de São Paulo.

Jéssica, você estava feliz. No amor, as coisas andavam bem. Tinha marcado para o fim de 2014 o casamento com o namorado dois anos mais novo, Geyvyson, um nome cheio de ipsilones. Na vida profissional, depois de seis meses sem trabalho, você tinha passado nas entrevistas na última terça-feira, dia 19, e estava animada para começar no novo emprego de atendente de telemarketing, na quinta-feira, dia 21.

Havia um feriado no meio da semana, que bom. Jéssica, você escolhera um programa comum e bem brasileiro para comemorar o emprego. Um show de sertanejo e forró. Pegaria o ônibus numa avenida movimentada, Edgar Facó, em direção ao Centro de Tradições Nordestinas, no bairro do Limão. O cantor era Gusttavo Lima, assim mesmo, com dois ‘t’s, e as bandas eram Garota Safada e Forró Balancear.

Você tinha saído com o namorado e dois casais de amigos. O relógio marcava aproximadamente meia-noite. Foi aí que tudo parou. O semáforo estava vermelho para carros. Você acreditou que, pela faixa de pedestres, chegaria ao outro lado da avenida. Um carro já estava parado no sinal. Você começou a atravessar. Conseguiu evitar um primeiro carro em alta velocidade, num pulo. Foi atropelada pelo segundo, que vinha, segundo a polícia, a 120 quilômetros por hora, o dobro da velocidade máxima permitida no local, de 60 quilômetros por hora. Seria um pega, um racha entre dois carros assassinos?

O Fiat Stilo amarelo pegou você, Jéssica, pelas costas. Com o impacto, seu corpo atravessou o para-brisa e ficou preso ao carro, que ainda percorreu 200 metros até parar em cima da Ponte do Piqueri. Jéssica Bueno Rodrigues da Silva – Silva como o ex-presidente Lula e tantos de nós –, você morreu na hora com a violência do choque. Suas pernas ficaram encaixadas no teto solar do carro, uma imagem de horror. O motorista e seus dois amigos fugiram sem sequer pensar em socorro. Disseram ter sentido medo de linchamento.

O motorista, o pedreiro autônomo Vagner Fraga Ferreira, de 28 anos, não poderia estar na direção de um veículo. Sua carteira fora cassada por acúmulo de infrações e multas, havia alguns meses. Ele já fora apanhado nessa situação e não poderia mais dirigir até maio de 2015. Algumas de suas infrações: manobra perigosa, arrancada brusca; transitar em calçada com carro; lacre, chassi, selo ou placa violada ou falsificada; excesso de velocidade. Tudo isso é detalhe no Brasil, até o cara matar alguém. Tem um monte de Vagner solto por aí.

Ele continua solto, por ser réu primário. Apresentou-se à delegacia no dia seguinte e saiu livre, no carro de seu advogado. Foi indiciado por suspeita de homicídio com dolo eventual. Isso significa homicídio intencional, quando se conhece o risco de provocar a morte de alguém. Vagner alegou ter sido fechado por um carro. Disse que o sinal estava verde. Os depoimentos das testemunhas o desmentem. O delegado busca imagens de câmeras para chegar a uma versão final. Nunca saberemos se Vagner estava embriagado.

Jéssica, você foi enterrada no feriado mesmo, à tarde, no Cemitério Vila Nova Cachoeirinha. Seu noivo chorava. Ninguém sabia como dizer a sua filha que você saiu para o forró, mas não voltaria nunca mais. Nenhum de seus parentes acredita na Justiça. Jéssica, você não era rica nem famosa, nem filha de celebridade. Sua mãe, Solange, disse não ter esperança de que Vagner fique preso: “Ele se apresentará com um bom advogado. Vamos esperar ele matar outra pessoa, quem sabe aí ele pode ser preso”. Sua prima, Rose, afirmou: “Neste país, não existe o quê? Justiça. Ele (motorista) fugiu do flagrante e não vai acontecer nada, absolutamente nada, nada. É o país da gente”.

No “país da gente”, ninguém sairá nas ruas em protesto contra sua morte nem erguerá o punho cerrado contra seu atropelamento bárbaro. Você virou um número, entre os 45 mil mortos por ano em crimes de trânsito no Brasil. Desse total, 44% morrem atropelados, como você, Jéssica. Quase 20 mil. São dados oficiais e escandalosos do Portal do Trânsito Brasileiro.

Vários pedestres assumem riscos ao atravessar fora da faixa. Em países civilizados, pedestres não são exterminados como moscas. Países civilizados jamais deixariam em liberdade um atropelador como Vagner, com sua biografia pregressa de infrator compulsivo. As causas principais de atropelamento com morte são bem conhecidas: velocidade não compatível com a segurança, falta de atenção, desobediência à sinalização, uso de drogas e bebidas.

Perdão, Jéssica, mas, no “país da gente”, sua história não dá manchete.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2013/11/perdao-bjessicab.html

Premonição...



O HOMEM DOS SINISTROS Robert Bea, em 2010. Ele estuda a causa de desastres desde 1959 (Foto: Paul Chinn/Corbis/Latin Stock)
Robert Bea: "As maiores tragédias vêm da ganância".

Um dos maiores estudiosos de catástrofes do mundo afirma que quase todo desastre pode ser evitado. Para isso, é preciso que governos e empresas se preparem.

O HOMEM DOS SINISTROS Robert Bea, em 2010. Ele estuda a causa de desastres desde 1959.  

O americano Robert Bea, de 76 anos, é um dos maiores especialistas em desastres no mundo. Ele investiga a causa de catástrofes desde 1959, quando analisou o naufrágio de uma plataforma petrolífera próxima à costa de Nova York. 

Em mais de 50 anos, Bea, professor emérito da Universidade Berkeley, estudou casos como o desastre da nave espacial Columbia, em 2003, e a explosão da plataforma da British Petroleum (BP) no Golfo do México, em 2010. 

“Todo desastre é uma mistura de perigos naturais, a que sempre estamos sujeitos, arrogância e presunção humana.” Essa regra é aplicável, segundo ele, mesmo a tragédias causadas por eventos naturais, como o tufão nas Filipinas. Para Bea, os filipinos e seus governos se tornaram complacentes com os tufões.  

ÉPOCA – Já existe tecnologia suficiente para prevenir qualquer desastre, excluindo o natural?
Robert Bea – Não acredito que existam desastres naturais. Há muitos perigos naturais, como tempestades intensas, enchentes, terremotos e erupções vulcânicas, mas eles só se tornam desastres porque as pessoas não se preparam devidamente. 

Elas simplesmente não aprendem. Por isso, continuam a acontecer. Todo desastre, que acontece mais cedo ou mais tarde, é uma mistura de perigos naturais, arrogância e presunção humanas. Há outro fator importante nesses desastres: a complexidade dos sistemas criados. 

Eles se tornaram maiores, mais interconectados, complexos e interdependentes. Falhamos em compreendê-los. Quando uma parte do sistema falha, as outras são adversamente afetadas e também dão problemas. Temos conhecimento e experiência para prevenir esse tipo de desastre. Geralmente, não usamos.

ÉPOCA – Sua tese vale também para o caso do tufão nas Filipinas? É um país pobre e relativamente despreparado. A tragédia poderia ter sido evitada?
Bea – As Filipinas são ocupadas há milhares de anos. Seus primeiros habitantes, quando construíam nas áreas próximas ao mar, buscavam construir em regiões altas e fortes para evitar os efeitos de tufões. 

Construíam de maneira que as edificações, caso destruídas, pudessem ser reconstruídas facilmente. Também costumavam evacuar para locais mais elevados muito antes de a tempestade começar. Tinham reservas alternativas de água e outras coisas de que precisavam para sobreviver e recomeçar. Aprenderam a lidar com tufões. Recentemente, os filipinos passaram a construir cidades grandes demais e fragéis em áreas costeiras de baixa altitude. Os habitantes das Filipinas e seus governos se tornaram mais complacentes.

ÉPOCA – Esse conhecimento de como lidar com tufões foi perdido?
Bea – Exatamente. À medida que as grandes cidades filipinas foram construídas após o final da Segunda Guerra Mundial, a história e esse conhecimento foram esquecidos. É por isso que eles construíram em locais baixos, de maneira despreparada. O conhecimento de evacuação prévia também foi abandonado. Atualmente, eles só saem das regiões atingidas pelos tufões de maneira tardia e incompleta. A quantidade imensa de mortos e feridos é um testamento dos sistemas de emergência que caracterizam as cidades modernas das Filipinas. "Quando falhamos em nos preparar, nos preparamos para falhar"

ÉPOCA – Os Estados Unidos sofrem todos os anos com tornados destrutivos. Em março, a cidade de Moore, no Estado de Oklahoma, foi devastada por um deles e não tinha sequer um abrigo comunitário. Por que mesmo nações ricas têm dificuldades em se preparar contra desastres naturais?
Bea – Quando falhamos em nos preparar, nos preparamos para falhar. É possível projetar, construir, operar e manter instalações como abrigos subterrâneos como proteção contra tornados. Essa estratégia custa caro. Mas esse dinheiro pode ser poupado em gastos futuros associados a lesões e mortes, problemas em serviços e perdas em produtividade. 

A história mostra, no entanto, que costumamos seguir um roteiro a cada desastre. Superamos o luto. Reconstruímos o que foi destroçado. Ficamos esperançosos de que não aconteça novamente. E voltamos o mais rápido possível para nossa vida normal, sem que nada de substancial tenha sido feito em termos de prevenção.

ÉPOCA – As falhas humanas sempre são as principais responsáveis por desastres de grande escala?
Bea – Qualquer falha de engenharia é humana e organizacional. Entre os exemplos estão os acidentes dos ônibus espaciais Challenger e Columbia, da Nasa (a agência espacial americana). Essas falhas foram encorajadas e se desenvolveram por causa da gestão inadequada motivada por pressões econômicas, que induziram os engenheiros a reduzir as margens de segurança. 

Essa falta de proteção adequada é causada principalmente pela busca excessiva por eficiência, reduzindo gastos para aumentar os lucros. Todo desastre é uma mistura de perigos naturais, a que sempre estamos sujeitos, arrogância e cobiça.

ÉPOCA – Como sanar problemas derivados da cobiça? É natural que as empresas e organizações queiram poupar dinheiro.
Bea – Esse é o poder da imprensa responsável, que deve trazer isso à atenção do público, do governo, da indústria e dos representantes do meio ambiente. É preciso mostrar o que acontece e não acontece, para que ações corretivas possam ser executadas e se possa lidar com desastres que ainda estão em desenvolvimento.

ÉPOCA – É possível enxergar uma mudança de comportamento no horizonte?
Bea – Sim, mas ela acontece lentamente. Nosso progresso em desenvolver sistemas e estruturas mais complexos e mais perigosos evolui mais rapidamente que nossa habilidade em aprender a geri-los de maneira apropriada. Caso essas diferenças persistam, presenciaremos desastres bem dolorosos num futuro próximo.

ÉPOCA – O senhor foi uma das testemunhas do julgamento da British Petroleum no vazamento de petróleo no Golfo do México. O que achou do comportamento da empresa?
Bea – Não posso determinar se, com base na lei, a BP foi criminosa ou grosseiramente negligente. Disse o que eles deixaram de fazer e que aquilo foi trágico e escandaloso. A gestão da BP tinha conhecimento e experiência necessários para prevenir e mitigar o desastre, mas não o fez.

ÉPOCA – Que desastres mais o chocaram em sua carreira?
Bea – A explosão da plataforma Occidental Petroleum Piper Alpha em 1988, no Mar do Norte, seguida rapidamente pelo derramamento do petroleiro Exxon Valdez em 1989, no Alasca. Logo depois, colocaria o desastre do ônibus espacial Columbia e o derramamento da BP.

ÉPOCA – Por que o acidente da plataforma Occidental Petroleum Piper Alpha o marcou mais?
Bea – Foi a primeira investigação em que reconheci que a empresa responsável, a Occidental Petroleum, foi a principal culpada pela tragédia. Ela fora avisada por diversas vezes de que havia problemas de segurança no sistema da plataforma. Mesmo assim, não tomou nenhuma medida apropriada para remediar os problemas. Pelo contrário, aumentou a produção da plataforma. Isso continuou até a estrutura explodir, matando 167 pessoas. Estava lá quando o prédio do alojamento foi rebocado do fundo do mar, com 70 corpos ali dentro. Foi chocante. Infelizmente, as maiores tragédias vêm da ganância.

ÉPOCA – O senhor investigou o desastre da plataforma P36 da Petrobras, que afundou em 2001. O que causou o acidente?
Bea – A gestão da plataforma P36 repetiu muitos dos mesmos erros da Occidental Petroleum no desastre da Piper Alpha. A Petrobras recebeu muitos avisos sobre as condições deteriorantes da P36. Falhou em tomar as ações preventivas. O sistema continuou a deteriorar até começar um incêndio numa de suas colunas. Foi outro desastre que poderia ter sido evitado.

ÉPOCA – Muitos governos e companhias o procuram. Já houve caso em que seu trabalho foi desmerecido por criticá-los?
Bea – Nunca fui maltratado por agências governamentais. O tratamento ruim parte de representantes de companhias e grupos industriais que se dizem profissionais. Minhas críticas sobre os erros da BP foram consideradas severas. Em outras palavras, querem continuar a operar basicamente como operavam antes do desastre.

ÉPOCA – Por que fazem isso?
Bea – Muitas empresas não aceitam mudanças em sua gestão. Os problemas centrais desses grandes desastres são firmemente enraizados em falhas de gestão. 
http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2013/11/brobert-beab-maiores-tragedias-vem-da-ganancia.html

Mais uma etapa superada...