terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Ovelhas insanas...

Rolezinhos: “Eu não quero ir no seu shopping”

A ideia de que os rolezinhos são “protestos” e de que seus integrantes querem invadir os “shoppings dos ricos” é de quem não conhece a periferia. Os rolezeiros querem é se divertir, namorar e comprar roupas de marca. Tudo bem longe da “playboyzada”.

Retrato do "famosinho" Evandro Farias de Almeida, 20, na sala de sua casa em São Miguel Paulista. Evandro reúne fãs de sua página no facebook em "rolezinhos" nos shopping center da zona leste de São Paulo - Jefferson Coppola
Evandro Farias de Almeida é a Lala Rudge da periferia paulistana. Assim como a blogueira de moda cujo nome faz estremecer certo público — no caso dela, qualquer adolescente de classe média iniciada no tema —, Evandro é autoridade no assunto. Qual? Bem, nenhum.

Ele não canta, não dança, não aparece na televisão e é um ilustre desconhecido para a maioria dos brasileiros. Mesmo assim, Evandro não dá dez passos no Shopping Metrô Itaquera nem no Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo, sem ser abordado por dezenas de meninos e meninas. São seus ardorosos fãs. 

A notoriedade de blogueiras famosas como Lala vem de posts em que elas mostram como se vestem, se maquiam e o que acabaram de comprar. Já a de Evandro e de outros ídolos da internet na Zona Leste vem dos vídeos que eles postam na rede — piadinhas ingênuas e bizarrices como aspirar uma camisinha pelo nariz e retirá-la pela boca, raspar uma das sobrancelhas e tirar fotos fingindo-se de morto, com algodão no nariz. 

Façanhas como essas lhe renderam 13 000 seguidores no Facebook, além de regalias como ter o crédito de seus celulares pré-pagos permanentemente recarregado por cortesia das admiradoras. Foi para conhecê-las pessoalmente — e dar a elas a oportunidade de pedir autógrafos e tirar fotos com ele — que Evandro e seus colegas de fama passaram a marcar em shoppings da região as reuniões que, até o ano passado, chegavam a juntar milhares de adolescentes. Foram esses “encontros de fãs” que deram origem aos hoje mal compreendidos, distorcidos e manipulados rolezinhos.

Eles continuam significando encontros-em-shoppings-marcados-pela internet, aos quais continuam comparecendo centenas e até milhares de adolescentes — a diferença é que esses adolescentes agora deram para correr em bandos pelos corredores, berrando refrões de funk ostentação, assustando lojistas, frequentadores e, ocasionalmente, cometendo furtos. 

De tudo o que se falou na semana passada sobre os rolezinhos, o maior equívoco diz respeito à crença de que eles foram inventados por pobres jovens revoltados por sua exclusão da sociedade de consumo. Para começar, famosinhos e fãs de famosinhos — os participantes originais dos rolezinhos — são, para usar o termo tão em voga, a elite da periferia. O único problema que têm em relação ao consumo é não o praticarem tanto quanto gostariam. Conectados e obcecados por marcas e acessórios de grife, têm o hábito de gastar com eles boa parte do salário (o próprio ou o dos pais).

Evandro, por exemplo, gosta de comprar camisetas Abercrombie & Fitch e John John. O boné laranja que usava na última quinta-feira é o preferido entre os sete que possui — das marcas Puma, Mizuno e Nike. Ele compra as peças em outlets, que vendem coleções passadas e têm preços mais em conta. Mas poderia adquiri-las também em shoppings luxuosos como o JK Iguatemi e o Cidade Jardim. Evandro, no entanto, nunca pôs os pés nesses lugares — nem pretende fazê-lo. 

Essa afirmação coincide com a de praticamente todos os adolescentes da periferia paulistana entrevistados por VEJA na semana passada. E contraria o que foi amplamente disseminado por neoespecialistas em rolezinho: os adolescentes da periferia, conscientizados do fosso de impossibilidades que os separa dos seus equivalentes mais ricos, estariam prontos a promover invasões nos shoppings chiques — manifestações simbólicas contra os templos de consumo dos quais estariam apartados. Sobre essa possibilidade, diz Evandro: “Por que eu iria ficar duas horas dentro de um ônibus para fazer compras num lugar em que tudo é mais caro e ninguém me conhece?”.


Em junho do ano passado, o até então obscuro Movimento Passe Livre conseguiu levar às ruas uma multidão de indignados que, em manifestações multitemáticas e apartidárias, se espalharam por todo o país. O que aconteceu em seguida todos se lembram. 

O PT, por meio de seu presidente, Rui Falcão, tentou surrupiar para si o movimento, no que foi prontamente rechaçado pelos manifestantes. Em seguida, com intuito semelhante e abrindo alas para os famigerados e violentos black blocs, vieram os sem-teto, os sem-terra, os sem-causa. A partir daí, fim da história, os bem-intencionados acharam que era hora de voltar para casa.

O rolezinho segue caminho parecido. Na quinta-feira, sem nenhum pudor pelo oportunismo explícito, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto convocou o que chamou de “rolezão” diante de um shopping de São Paulo. O estabelecimento cerrou as portas antes que as coisas piorassem. Na quarta, foi a vez de a até agora silenciosa e irrelevante ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros (PT), tentar tirar sua casquinha. 

“As manifestações são pacíficas. Os problemas são derivados da reação de pessoas brancas que frequentam esses lugares e se assustam com a presença dos jovens”. A ministra — certamente não por falta de tirocínio — desprezou em sua frase duas obviedades: que não é obrigatório ser branco para assustar-se diante da visão de centenas de jovens correndo e gritando pelos corredores de um shopping e que os shoppings que foram alvo dos rolezinhos não são frequentados apenas por brancos — subentenda-se na fala da ministra, ricos —, mas pelos próprios adolescentes da periferia, suas famílias e seus vizinhos.

No shopping de Itaquera, onde o fenômeno primeiro chamou atenção, apenas 8% dos frequentadores têm renda mensal acima de 780 reais — 33% são das classes C e D, nas quais o ganho não ultrapassa 1 120 reais por mês. Até agora, todos os rolezinhos que ocorreram em São Paulo tiveram como palco shoppings da periferia: os de Itaquera, Guarulhos, Interlagos e Campo Limpo. Fora desse eixo, o que houve foram tentativas malsucedidas de emular o fenômeno, organizadas pelos suspeitos de sempre — representantes de movimentos sociais em baixa e apropriadores profissionais de causas alheias. 

A convocação para um rolezinho no Shopping JK, por exemplo, não partiu de nenhum adolescente da periferia, mas de um professor de piano, morador de um bairro paulistano de classe média e apoiador do ex-ministro e hoje presidiário José Dirceu (“Condenada foi a democracia brasileira”, postou ele no FB ao lado de uma foto do petista com o punho erguido). Da mesma forma, o chamado para uma invasão do Shopping Iguatemi de Brasília, marcada para o próximo dia 25, não teve o dedo de famosinhos da Zona Leste nem de seus fãs: está sendo organizado por um estudante da UnB que participou da invasão do Congresso em junho passado.

“Rolezinho é para ver os parça (parceiros), curtir, comer lanche e beijar na boca”, define Vinicius Andrade, 17 anos, morador do Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo. Filho de uma assistente de cozinha, ele trabalha como assistente de dentista, diz que chega a ganhar até 1  000 reais por mês e usa mais da metade do salário para comprar as roupas de grife que ostenta, como a camiseta Tommy Hilfiger e o par de óculos Oakley — tudo legítimo, já que a regra de ouro da ostentação na periferia é que nada pode ser falsificado (“A gente vê de longe quando uma camiseta da Hollister é colada e não costurada”, diz a rolezeira Barbara Machado, 17 anos). 

Na condição de famoso da internet (tem 83 000 seguidores), Vinicius já convocou dois bem-sucedidos rolês, ambos no Shopping Campo Limpo — o terceiro, marcado para acontecer no dia 21 de dezembro, foi abortado pela Polícia Militar. Além dos rolezinhos e dos passeios no shopping, ele e seus amigos são frequentadores dos “fluxos”, como são chamados os bailes funk organizados no meio da rua em torno de carrões com som potente e ambulantes que vendem bebidas. 

Uísque e rum são o combustível para a dança, assim como maconha e lança-perfume, consumidos por uma parcela menor do público. Uma lei municipal, sancionada em 2013, proibiu carros estacionados em ruas públicas de emitir som alto, especialmente à noite — e a Polícia Militar passou a agir com bombas de efeito moral e balas de borracha para dispersar a multidão. Na opinião de alguns jovens, isso ajudou a aumentar a popularidade dos rolezinhos.

Olhados como são, os adolescentes dos rolezinhos decepcionam os que tentam ajustá-los aos seus moldes ideológicos. Suas bandeiras são os bonés de marca, seu interesse é se divertir e, se querem manifestar alguma coisa com as badernas nos shoppings, é apenas o pior do comportamento adolescente: irritante, egoísta, inconsequente e que inclui, obrigatoriamente, o desafio a algum tipo de autoridade.

Os black blocs já estão espalhando nas redes que vão aderir aos rolezinhos. Movimentos sociais, como os capitaneados pela ministra Luiza Bairros, também não parecem querer largar o osso. Assim, diante da aterrissagem de oportunistas na cena e dos previsíveis excessos da polícia na hora de reprimir todo mundo, o resultado pode ser o que nem os rolezinhos até agora conseguiram produzir: tirar da classe média o espaço que ela enxerga como um oásis de tranquilidade e segurança e acabar com a diversão dos pobres de verdade, que nem bem chegaram à festa e já terão de levar a família para tomar sorvete em outro lugar.
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/rolezinho-eu-nao-quero-ir-no-seu-shopping

Grito social...

Rolezinho, a profecia do presente
Por Carlos Castilho em 18/01/2014

      
Há 18 anos, o sociólogo italiano Alberto Melucci já dizia em seu livro Challenging Codes (Desafiando os Códigos, sem tradução para o português): “Os movimentos sociais contemporâneos são símbolos de mudanças que ainda não aconteceram... eles [os movimentos] falam antes do seu conteúdo, direção e organização serem conhecidos... são profetas de algo que já está acontecendo mas que não conseguimos identificar” (Challeging Codes, Introduction).

As ideias de Melucci, o primeiro grande teórico das ações coletivas na era digital, tornaram-se palpáveis quase duas décadas depois de terem sido publicadas e são uma evidência chocante de como a nossa imprensa e os nossos governantes foram incapazes de “ler” as mudanças em curso na sociedade. Pedir que os políticos leiam Melucci talvez seja demais, levando em conta a dimensão da cultura da maioria deles, mas os formadores de opinião na mídia não podem ficar reféns da agenda imediatista dos governantes.

O fenômeno do “rolezinho”, que tanta celeuma está provocando na imprensa, é algo previsível há tempos por quem observa o surgimento de ações coletivas sem líderes e nem heróis. Há quase 20 anos já está mais ou menos claro, desde a queda do Muro de Berlim, que o divisor de águas deixou de ser polÍtico/partidário para se tornar cultural. Além disso, a era digital acabou com as fronteiras físicas e reduziu as econômicas, pelo menos no segmento urbano. Por isso, quando os jovens da periferia das cidades invadem os shoppings, eles estão simplesmente seguindo a tendência da nova sociedade sem fronteiras, como prega o anúncio da operadora de telefonia celular Tim. Para quem procura entender as mudanças pelas quais estamos passando, o rolé é algo absolutamente natural e até inevitável.

Quem se assusta e alimenta, na imprensa, a teoria do medo, somos nós que não entendemos ou não queremos entender o que está acontecendo entre os jovens, um segmento social que só agora está rompendo fronteiras como as dos shoppings, descritos pela publicidade como templos de consumo. A classe média se apropriou dos shoppings e os transformou em bunkers da sociedade afluente, achando que as fronteiras econômicas e sociais seriam eternas.

Agora os jovens, que já nasceram na era digital, portanto não têm o mesmo respeito por barreiras como a geração anterior, entram nos shoppings não para comprar, mas para compartilhar o templo do consumo, alegando ter os mesmos direitos ao ar condicionado, praça de alimentação, cinemas e lan houses. O imaginário da classe média os associa a vândalos e aciona imediatamente o gatilho da repressão, o que não resolve o problema, mas aumenta ainda mais o desejo adolescente de derrubar fronteiras.

A imprensa está perdida no meio da polêmica, que na verdade tem um lado só: o da classe média, porque os adeptos do rolezinho não estão nem aí. O território deles é o das redes sociais e da internet. Como a maioria das pessoas que compram e leem os jornais e revistas é da classe média assustada, é inevitável que a mídia se preocupe mais com este segmento social, mas isso leva ao beco sem saída de olhar para trás, ignorando as profecias do presente.

Se a imprensa estivesse consciente de seu papel, ela estaria hoje tentando ajudar seus leitores, ouvintes e telespectadores a entender o que está acontecendo não com base na intensificação do medo e consequentemente da repressão, mas na análise das consequências das mudanças sociais geradas pela era digital. É urgente que a mídia perceba que estamos no meio de uma transição de modelos tão radical quanto a que ocorreu após a invenção da imprensa, seis séculos atrás. Adaptando o famoso bordão da campanha presidencial de Bill Clinton nos Estados Unidos, em 1992, (“It’s the economy, stupid”) para os tempos de rolezinho, teríamos: “É a história, estúpidos”.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/posts/view/rolezinho_a_profecia_do_presente

Encontro na praça moderna...

Rolezinhos são realidade há anos em shoppings dos EUA

Debate sobre 'flashmobs' que resultaram em violência tem pontos em comum com casos que acontecem no Brasil

Um encontro de adolescentes convocado pelas redes sociais para ser realizado dentro de um shopping center - e que acabou em confusão e confrontos com a polícia. A descrição, que poderia servir para um rolezinho em São Paulo, refere-se na verdade a um "flashmob" em 26 de dezembro no Brooklyn, em Nova York.


Nos EUA, grupos têm organizado "flash mobs" em shopping centers; episódios muitas vezes terminam em confrontos.

Assim como no Brasil, esses episódios têm despertado debates sobre o papel dos shopping centers, o direito de se reunir no local e as motivações desses jovens.

No Brooklyn, o Kings Plaza Shopping Center foi palco de um encontro de ao menos 300 jovens, convocados pelas redes sociais. Testemunhas disseram à imprensa local que eles gritavam, empurravam transeuntes e roubaram lojas. O shopping acabou fechando as portas por uma hora, informa o New York Post.

No dia seguinte, menores de idade não acompanhados de adultos foram barrados do local, despertando críticas dos que se sentiram tolhidos pela medida - e que queriam apenas fazer compras - e elogios dos que temiam novas cenas de confusão.

Dezenas de incidentes parecidos aconteceram em outras cidades americanas nos últimos anos. Em Chicago, centenas de jovens se juntaram em abril no centro da cidade, convocados pelas redes sociais, e o episódio acabou em briga; a imprensa americana traz relatos parecidos de "flashmobs" realizados no mesmo mês no centro da Filadélfia e, em 2012, em uma loja do Walmart em Jacksonville, na Flórida.

Em 2011, também na Filadélfia, a prefeitura estabeleceu um toque de recolher para adolescentes, impedidos de ficar nas ruas após as 20h ou 22h (dependendo da idade dos jovens), na tentativa de evitar os encontros.

Não está claro se esses "flashmobs" em questão foram organizados com fins violentos, mas a maioria das reuniões - assim como no Brasil - ocorreu pacificamente.

'Formas de se expressar'

Um episódio do tipo que aconteceu em agosto de 2011 em Kansas City - e que resultou em três jovens feridos a tiros - levou um grupo de acadêmicos do Consórcio Educacional da cidade a pesquisar o fenômeno.

Após entrevistar 50 dos adolescentes que participaram do episódio, em 2012, uma das conclusões foi a de que os jovens "estão buscando formas de se expressar enquanto se conectam com outros (pela internet)" - e que qualquer ação oficial para lidar com o fenômeno deve levar isso em conta.

Ao menos 11 jovens foram detidos e levados para delegacia neste sábado (11), após rolezinho no shopping Itaquera. Foto: Wanderley Preite Sobrinho/iG São Paulo1/12
"Os jovens se envolveram em 'flashmobs' para se expressar, chamar atenção, serem vistos e lembrados e se expressarem", diz a pesquisa.

Além disso, afirmam os pesquisadores, esses jovens estão "entediados" - e sua interação no mundo digital, onde os "flashmobs" são organizados, é uma importante forma de diminuir o tédio.

Por isso, toques de recolher como os implementados nos EUA terão pouca eficácia se não forem combinados "com atividades alternativas, acessíveis e divertidas" e incentivos a "flashmobs do bem", sem atitudes violentas.

Ao mesmo tempo, muitos desses jovens também lidam com limitações econômicas, moram em bairros violentos ou negligenciados e se queixaram que só foram parar no noticiário quando ocuparam espaços centrais de Kansas City.

Questões sociais

O debate americano tem se estendido também para questões raciais e sociais.

O New York Times destacou que a maioria dos jovens que participaram de um "flashmob" na Filadélfia em 2010 eram negros, de bairros pobres, e agiram em bairros predominantemente brancos. Em contrapartida, críticos dizem que a polícia alvejou sobretudo jovens negros quando agiu para conter distúrbios.

A ONG Public Citizens for Children and Youth, de apoio à juventude da Filadélfia, levantou na época a possibilidade de episódios do tipo serem uma consequência no corte de verbas a programas sociais que mantinham os jovens ocupados após as aulas.

"Precisamos de mais empregos para os jovens, mas programas pós-aulas, mais apoio dos pais", disse a ONG ao New York Times.

Articulistas também debatem - assim como no Brasil - o papel dos shopping centers em subúrbios dos EUA, alegando que faltam espaços públicos comunitários, e citam a desilusão geral dos jovens com outros tipos de engajamento político ou social.

"É um grupo de jovens que sente raiva e impotência e tenta obter um senso de poder", disse à CNN o psicólogo Jeff Gardere.
http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2014-01-16/rolezinhos-sao-realidade-ha-anos-em-shoppings-dos-eua.html

Selvageria...


Douglas Martins: "É repugnante".
O juiz do Conselho Nacional de Justiça analisa a situação no Maranhão – e diz que os governantes permitem a barbárie nos presídios porque respeitar os direitos dos presos não dá voto


INSPEÇÃO
O juiz Douglas Martins. Ele foi ao Maranhão a mando de Joaquim Barbosa. 

Nascido há 45 anos em Presidente Dutra, cidade da região central do Maranhão, Douglas Martins, pai de sete filhos, ingressou na magistratura em 1997. Passou 13 anos em comarcas do interior do Maranhão antes de ser apresentado, em 2009, à selvageria das prisões em São Luís, quando se tornou titular da Vara de Execução Penal da capital. Nesse cargo, teve acesso privilegiado a um dos mais desumanos sistemas prisionais do Brasil. 

Em março do ano passado, o presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Joaquim Barbosa, o convidou para assumir a chefia das fiscalizações do CNJ nas prisões do país. Martins aceitou o desafio. No final de dezembro, produziu um relatório minucioso sobre a situação calamitosa em que vivem os presos do Complexo Presidiário de Pedrinhas, o maior do Maranhão. 

O presídio se tornou conhecido dos brasileiros nos últimos dias, em virtude da divulgação de imagens em que corpos de presos aparecem decapitados – vítimas, segundo as autoridades policiais, de brigas entre facções. Desde o começo de 2013, 62 presos foram assassinados nas dependências de Pedrinhas. 

O governo do Maranhão diz que partiram de Pedrinhas as ordens para atear fogo em cinco ônibus e numa delegacia de São Luís. Uma menina de 6 anos, que estava num dos ônibus, morreu queimada. As razões para os ataques ainda não estão claras. A crise é de tal ordem que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estuda seriamente pedir ao STF intervenção federal no Estado. 

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi a São Luís na semana passada oferecer ajuda para pôr fim à violência. Em meio à crise, a governadora Roseana Sarney, do PMDB, atacou nominalmente Martins, dizendo que o relatório do juiz tem como “único objetivo agravar ainda mais a situação nas unidades prisionais do Estado”. Apesar das críticas a seu trabalho, Martins disse a ÉPOCA que o relatório serviu para acordar o governo maranhense para um assunto de extrema gravidade. “A governadora saiu do  silêncio”, afirmou.


ÉPOCA – O senhor está acostumado a visitar presídios. Ainda assim os relatos dos presos de Pedrinhas o impressionaram?
Douglas Martins – Sim. O que me chocou mais foram os relatos de como as mortes aconteciam. Os presos negam que seja briga de facções. Não está ocorrendo invasão dos pavilhões por presos de outras facções. Os presos que estão morrendo são os que não cumprem as determinações da facção dominante. Os agentes penitenciários já não avaliam a periculosidade ou perfil etário do preso, como determina a Lei de Execuções Penais. Os agentes encaminham de acordo com a facção à qual o preso pertence. Se o preso não pertence a nenhuma das facções, escolhe na hora para onde quer ir. Assim que entra no presídio já recebe ordens para arranjar dinheiro, celulares, drogas etc. É instruído a pedir ajuda dos familiares. Se não cumpre as missões, a punição é a mais severa possível. Isso acontece para mostrar aos outros presos que quando uma ordem é dada ela deve ser cumprida. Um dos presos mortos não pertencia a facção nenhuma. Estava pela primeira vez na cadeia por ter receptado pneus roubados. E esse sujeito foi decapitado. Certamente por não cumprir alguma determinação. A obrigatoriedade do preso de se enquadrar numa facção me chocou demais. Isso é repugnante.

ÉPOCA – Qual foi a razão de sua visita ao presídio de Pedrinhas no dia 20 de dezembro?
Martins – Depois da morte de três presos, o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, me pediu para ir lá fazer uma nova inspeção e atualizar as anteriores. Ao chegarmos, verificamos que a situação era exatamente igual à da visita que fizemos em outubro, quando morreram nove pessoas numa rebelião. Em outubro, havíamos apresentado um documento à governadora e apontamos as providências que deveriam ser tomadas – em especial a construção de dez unidades prisionais no interior. O Maranhão tem um percentual alto de presos provisórios, em razão da quantidade de presos do interior que cumprem pena na capital do Estado. O deslocamento é complicado, o que dificulta as audiências. O processo do preso que é do interior e está preso no interior corre rápido. Algumas pessoas criticam, dizem que deveriam ser feitas audiências por teleconferência. Na prática, isso não é possível. Imagine a qualidade da internet no interior do Maranhão. Para piorar, o presídio de Pedrinhas estava sem grades nas celas. Os presos transitavam livremente. Havia ainda a tal da visita íntima coletiva, momento em que várias mulheres entram no presídio de uma só vez, sem ter um lugar adequado para as visitas. Havia relatos de abusos de mulheres.

ÉPOCA – O governo do Maranhão diz não ter recebido denúncias de que presos violentavam sexualmente mulheres de outros presos nessas visitas.
Martins – Se um preso denunciar que sua mulher sofreu algum tipo de violência sexual, esse preso será morto rapidamente. Por isso, não existe essa formalização da denúncia. O Estado tem de tomar providência para que não exista a visita íntima coletiva. O correto é ter uma sala própria para a visita. Só quem pode controlar isso é o Estado. O governo tem de organizar as visitas íntimas. Não dá para colocar 100 mulheres de uma vez no presídio. Esperar ética dos presos, confiando que respeitarão as mulheres dos outros, é brincadeira. Tivemos a promessa do secretário de que isso não aconteceria. Mas aconteceu.
"A falta de atenção ao sistema prisional acaba influenciando a segurança pública".

ÉPOCA – Após a divulgação de seu relatório, a governadora Roseana Sarney criticou o senhor nominalmente. Ficou surpreso?
Martins – Sim. Porque não foi algo direcionado a ela. O relatório constata os problemas do sistema prisional do Maranhão. E esses problemas não surgiram hoje. Antes dela já falávamos dos problemas. Acontece que durante o governo dela os problemas não foram resolvidos. Ninguém pode alegar que o CNJ persegue um ou outro político. Há relatórios sobre vários Estados. Já apontamos irregularidades do Rio Grande do Sul ao Amazonas, passando por governos de todos os partidos políticos. Por que o Maranhão tem de ser exceção? Não apontamos nada bonitinho em lugar nenhum.

ÉPOCA – A situação no Maranhão é mais preocupante que em outros Estados?
Martins – Certamente. Foram 60 mortes em apenas um ano. Nem São Paulo, que tem mais de 200 mil presos, chegou perto desse número. O Maranhão responde por cerca de 1% dos presos do país. Se ficarmos na média (700 mortos por ano), o Maranhão responderá por quase 10% das mortes em presídios do país. Resumindo: o Maranhão tem quase dez vezes mais mortes que a média brasileira, que já é absurda.

ÉPOCA – Por que o preso no Brasil é tão maltratado?
Martins – Isso reflete uma opção política dos governantes. O discurso de que os presos devem ter seus direitos garantidos não motiva as pessoas. E, como não motiva a opinião pública, não motiva o governante. Uma política que respeita os presos não dá voto. Quem defende os presos geralmente é encarado como um defensor de mordomias para bandidos. Como essa visão prevalece, os governos não dão atenção. Mas é importante observar que a falta de atenção ao sistema prisional influencia na segurança pública.

ÉPOCA – De que forma?
Martins – Quando abandonado, o preso se aproxima das facções para dar proteção à família. As facções descobriram ser lucrativo arregimentar pessoas que cometem crimes nas ruas, após passagem pela cadeia. Primeiro, as famílias dos presos trabalham para a organização. Quando o preso é solto, torna-se um soldado do crime nas ruas. Talvez essa percepção ganhe corpo a partir de agora.

ÉPOCA – O que fazer no Maranhão, no curto prazo, para atenuar o problema?
Martins – Em primeiro lugar, cumprir o prazo de seis meses para construir 11 unidades prisionais. Outra medida é realizar concurso público para aparelhar o sistema prisional. Os agentes penitenciários são terceirizados e ganham um salário mínimo. Eles ficam vulneráveis a ofertas inescrupulosas, como facilitar a entrada de armas. Se ele for demitido, o que ele perdeu? Nada. Esse funcionário acaba se corrompendo.

ÉPOCA – Transferir detentos para presídios federais ajuda a resolver o problema no Maranhão? 
Martins – Não resolve. Os presídios federais já contam com presos maranhenses, supostamente os chefes dessas facções. E, quando alguns são transferidos, rapidamente são substituídos nas prisões.

ÉPOCA – É verdade que o senhor, em 2002, numa cidade do interior, soltou presos condenados por crimes contra o patrimônio, depois que o tribunal do Maranhão decidiu livrar da cadeia políticos corruptos?
Martins – É o princípio da isonomia. Se réus confessos (ex-prefeito e vereadores) que lesaram os cofres públicos num esquema de mensalinho foram libertados, qual o sentido de deixar presas pessoas que roubaram muito menos? Mandei soltar quatro presos assim que os políticos foram soltos. Ainda fui processado por algumas declarações que dei na ocasião.

ÉPOCA – E o que aconteceu com esse processo?
Martins – Foi arquivado.
http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2014/01/bdouglas-martinsb-e-repugnante.html

Mais uma etapa superada...