Revolução Farroupilha
Revolução Farroupilha, também é chamada de Guerra
dos Farrapos ou Decênio Heróico ( 1835 - 1845), eclodiu no Rio Grande do Sul e
configurou-se, na mais longa revolta brasileira. Durou 10 anos e foi liderada
pela classe dominante gaúcha, formada por fazendeiros de gado, que usou as
camadas pobres da população como massa de apoio no processo de luta.
Causas
O Rio Grande do Sul foi palco das disputas entre
portugueses e espanhóis desde o século XVII. Na idéia dos líderes locais, o fim
dos conflitos deveria inspirar o governo central a incentivar o crescimento
econômico do sul, como pagamento às gerações de famílias que se voltaram para a
defesa do país desde há muito tempo. Mas não foi isso que ocorreu.
A partir de 1821 o governo central passou a impor a
cobrança de taxas pesadas sobre os produtos rio-grandenses, como charque,
erva-mate, couros, sebo, graxa, etc.
No início da década de 30, o governo aliou a
cobrança de uma taxa extorsiva sobre o charque gaúcho a incentivos para a
importação do importado do Prata.
Ao mesmo tempo aumentou a taxa de importação do
sal, insumo básico para a fabricação do produto. Além do mais, se as tropas que
lutavam nas guerras eram gaúchas, seus comandantes vinham do centro do país.
Tudo isso causou grande revolta na elite rio-grandense.
A revolta
Carga de cavalaria Farroupilha, acervo do Museu
Júlio de Castilhos.
Em 20 de setembro de 1835, os rebeldes tomam Porto
Alegre, obrigando o presidente da província, Fernandes Braga, a fugir para Rio
Grande. Bento Gonçalves, que planejou o ataque, empossou no cargo o vice,
Marciano Ribeiro.
O governo imperial nomeou José de Araújo Ribeiro para o lugar
de Fernandes Braga, mas este nome não agradou os farroupilhas (o principal
objetivo da revolta era a nomeação de um presidente que defendesse os
interesses rio-grandenses), e estes decidiram prorrogar o mandato de Marciano
Ribeiro até 9 de dezembro. Araújo Ribeiro, então, decidiu partir para Rio
Grande e tomou posse no Conselho Municipal da cidade portuária. Bento Manoel,
um dos líderes do 20 de setembro, decidiu apoiá-lo e rompeu com os
farroupilhas.
Bento Gonçalves então decidiu conciliar. Convidou
Araújo Ribeiro a tomar posse em Porto Alegre, mas este recusou. Com a ajuda de
Bento Manoel, Araújo conseguiu a adesão de outros líderes militares, como
Osório. Em 3 de março de 36, o governo ordena a transferência das repartições para
Rio Grande: é o sinal da ruptura. Em represália, os farroupilhas prendem em
Pelotas o conceituado major Manuel Marques de Souza, levando-o para Porto
Alegre e confinando-o no navio-prisão Presiganga, ancorado no Guaíba.
Os imperiais passaram a planejar a retomada de
Porto Alegre, o que ocorreu em 15 de julho. O tenente Henrique Mosye, preso no
8º BC, em Porto Alegre, subornou a guarda e libertou 30 soldados. Este grupo
tomou importantes pontos da cidade e libertou Marques de Souza e outros
oficiais presos no Presiganga. Marciano Ribeiro foi preso e em seu lugar foi
posto o marechal João de Deus Menna Barreto. Bento Gonçalves tentou
reconquistar a cidade duas semanas depois, mas foi batido. Entre 1836 e 1840
Porto Alegre sofreu 1.283 dias de sítio, mas nunca mais os farrapos
conseguiriam tomá-la.
Em 9 de setembro de 1836 os farrapos, comandados
pelo General Netto, impuseram uma violenta derrota ao coronel João da Silva
Tavares no Arroio Seival, próximo a Bagé. Empolgados pela grande vitória, os
chefes farrapos no local decidiram, em virtude do impasse político em que o
conflito havia chegado, pela proclamação da República Rio-Grandense. O
movimento deixava de ter um caráter corretivo e passava ao nível separatista.
A República
Bento Gonçalves, então em cerco a Porto Alegre,
recebe a notícia da proclamação da República e da indicação de seu nome como
candidato único a presidente. Decide então contornar a capital da província
para se juntar aos vitoriosos comandados de Netto.
Quando vai atravessar o rio
Jacuí na altura da ilha de Fanfa, tem seus mais de mil homens emboscados por
Bento Manuel e pela esquadra do inglês John Grenfell. Bento Gonçalves, Onofre
Pires, Pedro Boticário, Corte Real e Lívio Zambeccari, os principais chefes no
local, são presos, e a tropa é desbaratada. O governo imperial, após esta
vitória, oferece anistia aos rebeldes para acabar de vez com o conflito. Netto,
contudo, concentrou tropas ao recorde Piratini, a capital da República, e
decidiu continuar a luta.
Sede do governo em Piratini
Bento Gonçalves foi escolhido presidente da
República, mas enquanto não retornasse, Gomes Jardim assumiu o governo,
organizando a estrutura dos ministérios. Foram criados seis: Fazenda, Justiça,
Exterior, Interior, Marinha e Guerra. Cada ministro cuidava de dois ministérios
por medida de economia.
Em fins de 1836,
sem seu líder e com o governo central fazendo propostas de anistia, a
revolução estava perdendo a força, mas no início de 1837 o Regente Feijó nomeou
o brigadeiro Antero de Brito para presidente da província. Este, acumulando o
cargo de Comandante Militar, passou a perseguir os simpatizantes do movimento
em Porto Alegre e tratar os farrapos com dureza. Mas estes atos devolveram o
ânimo aos rebeldes, que conseguiram a partir daí uma série de vitórias.
A
cavalaria imperial desertou em janeiro de 1837 em Rio Pardo, e Lages, em Santa
Catarina, foi tomada logo após. Em março, Antero de Brito mandou prender Bento
Manoel, por achá-lo pouco rígido com a República. Mas Bento Manoel resolveu
prendê-lo e passar novamente para o lado farroupilha. Um mês após, Netto, com
mais de mil homens, tomou o arsenal imperial de Caçapava, capturando armas de
todos os tipos e ganhando a adesão de muitos soldados da guarnição local. E em
30 de abril, Rio Pardo, então a mais populosa cidade da província, foi tomada.
Em outubro, chegou a notícia de que Bento Gonçalves
havia fugido do Forte do Mar, em Salvador, vindo a assumir a presidência em 16
de dezembro. Era o auge da República. A diminuição dos combates, a estruturação
dos serviços básicos - correios, política externa, fisco - davam a impressão de
que o Estado Rio-Grandense estava em vias de consolidação.
Mas 1838 não foi o ano da vitória como esperavam os
farrapos. Apesar de mais uma vitória em Rio Pardo, o fracasso na tentativa de
tomar Rio Grande e a falta de condições de conquistar Porto Alegre abatem as
esperanças dos republicanos. A maioria das vitórias farrapas neste ano foram em
combates de guerrilha e escaramuças sem importância estratégica. Com Piratini
ameaçada, a Capital é transferida para Caçapava em janeiro de 1839.
Garibaldi
Em 24 de janeiro de 1837, Giuseppe Garibaldi saiu
da prisão onde fora visitar Bento Gonçalves carregando uma carta de corso que
lhe dava o direito de apresar navios em nome da República Rio-Grandense,
destinando metade do valor da carga para o governo da República. Ainda no Rio,
ele toma o navio "Luiza", rebatizando-o de "Farroupilha". É
o primeiro barco da armada Rio-Grandense. Depois de muitas aventuras (prisão no
Uruguai, tortura em Buenos Aires), Garibaldi apresenta-se em Piratini em fins
de 1837.
Ao chegar à capital farroupilha, ele recebe uma missão: construir
barcos e fazer corso contra navios do império. Dois meses depois, ele apresenta
dois lanchões: o "Rio Pardo" e o "Independência". Mas havia
um grande problema: a ausência de portos. Com Rio Grande e São José do Norte
ocupadas pelo inimigo, e Montevidéu pressionada pelo governo imperial, os
farrapos planejam a tomada de Laguna, em Santa Catarina.
A ideia era um ataque
simultâneo por mar e por terra. Mas como sair da Lagoa dos Patos? John Grenfell
atacou o estaleiro farrapo, mas Garibaldi escapou com os Lanchões
"Farroupilha" e "Seival" pelo rio Capivari, a nordeste da
Lagoa. Daí resultou o mais fantástico acontecimento da guerra, e talvez um dos
lances de combate mais geniais da história Foram postas gigantescas rodas nos
barcos, e eles foram transportados por terra, levados por juntas de bois, até
Tramandaí, a aproximadamente 80km do ponto de partida. O transporte foi feito
através de campos enlameados pelas chuvas de inverno.
Travessia dos lanchões sobre rodas
O ataque é feito de surpresa, com Davi Canabarro
por terra e Garibaldi a bordo do "Seival" (o Farroupilha naufragou em
Araranguá-SC) e resulta na conquista da cidade e na apreensão de 14 navios
mercantes, que são somados ao "Seival", e armas, canhões e fardamentos.
Em 29 de
julho de 1839 é proclamada a República Juliana, instalada em um casarão da
cidade. Mas o sonho durou apenas quatro meses. Com a vitória de Laguna, os
farrapos resolveram tentar a conquista de Desterro, na ilha de Santa Catarina.
Mas são surpreendidos em plena concentração e batem em retirada, com pesadas
perdas materiais. Os navios de corso, contudo, vão mais longe.O
"Seival", o "Caçapava" e o novo "Rio Pardo" vão
até Santos, no litoral paulista. Encontrando forças superiores, voltam para
Imbituba-SC.
Sede da República Juliana, em Laguna-SC
Em 15 de novembro de 1839, um ataque pesado a
Laguna, com marinha, infantaria e cavalaria resulta na destruição completa da
esquadra farroupilha e na retomada da cidade. Todos os chefes da marinha
rio-grandense são mortos, com exceção de Garibaldi. Davi Canabarro recua até
Torres, enquanto outra parte das forças terrestres vai para Lages, onde
resistem até o começo de 1840.
Declínio
Em 1840 começou a decadência da revolução. Enquanto
a maioria das forças rio-grandenses se concentrava no sítio a Porto Alegre, a
capital, Caçapava, era atacada de surpresa. Os líderes farrapos consideravam
Caçapava quase inexpugnável, em virtude do difícil acesso à cidade. A partir
daí, os arquivos da República foram colocados em carretas de bois pelas
estradas. Foi o tempo da "República andarilha", até que Alegrete foi
escolhida como nova capital. Em Taquari, farroupilhas e imperiais travaram a
maior batalha da guerra, com mais de dez mil homens envolvidos. Mas não teve
resultados decisivos. São Gabriel foi perdida em junho, e alguns dias depois o
General Netto só escapa do imperial Chico Pedro graças à sua destreza como
cavaleiro.
Em julho, novo fracasso farroupilha, desta vez em
São José do Norte. Bento Gonçalves começa a pensar na pacificação. Em novembro
é a vez de Viamão cair, morrendo no combate o italiano Luigi Rossetti, o
criador do jornal "O Povo" órgão de imprensa oficial da república.
Para piorar a situação, em janeiro de 1841, Bento Manoel discordou de algumas
promoções de oficiais e abandonou definitivamente os farrapos.
Caxias
A partir de novembro 1842 o conflito é dominado
pela estrela de Luís Alves de Lima e Silva, o Barão (depois Duque) de Caxias.
Nomeado presidente da província como a esperança do Imperador para a paz,
Caxias usou do mesmo estilo dos farrapos para ganhar o apoio da população.
Nomeou como comandantes militares Bento Manoel e Chico Pedro, dois oficiais do
mesmo estilo, priorizou a cavalaria, e espalhou intrigas entre os farrapos
sempre que pôde. Tratou bem a população dos povoados ocupados e empurrou os
farroupilhas para o Uruguai. Estes ainda fizeram outra grande tentativa,
atacando São Gabriel em 10 de abril de 1843 e, em 26 do mesmo mês, destroçaram Bento Manoel em
Ponche Verde. Mas esta foi a última vitória dos farrapos.
Em dezembro de 42 reuniu-se em Alegrete a
Assembléia Constituinte, sob forte discussão política. Era forte a oposição a
Bento Gonçalves. Durante 1843 e 1844, sucederam-se brigas entre os farrapos.
Numa destas o líder oposicionista Antônio Paulo da Fontoura foi assassinado.
Onofre Pires acusou Bento Gonçalves de ser o mandante. Este respondeu com o
desafio a um duelo. Neste duelo (28 de fevereiro de 1844) Onofre é ferido, e
veio a falecer dias depois.
Paz
Obelisco comemorativo ao acordo de Ponche Verde
Ainda em 1844 Bento Gonçalves iniciou conversações
de paz, mas retirou-se por discordar de Caxias em pontos fundamentais,
assumindo o seu lugar Davi Canabarro. Os farrapos queriam assinar um Tratado de
Paz, mas os imperiais rejeitavam, porque tratados se assinam entre países, e o
Império não considerava a República um Estado. Caxias contornou a situação,
agradando os interesses dos farroupilhas sem criar constrangimentos para o
Império.
Mas no final das contas os farrapos já não tinham
outra saída senão aceitas as condições de Caxias.
A pacificação foi assinada em 1º de Março de 1845
em Ponche Verde, e tinha como principais pontos:
O Império assumia as dívidas do governo da
República;
Os farroupilhas escolheriam o novo presidente da
província - Caxias;
Os oficiais rio-grandenses seriam incorporados ao
exército imperial nos mesmos postos, exceto os generais;
Todos os processos da justiça republicana
continuavam válidos;
Todos os ex-escravos que lutaram no exército
rio-grandense seriam declarados livres (mas muitos deles foram reescravizados
depois);
Todos os prisioneiros de guerra seriam devolvidos à
província.
Além do mais, o charque importado foi sobretaxado
em 25%.
Terminou assim a Guerra dos Farrapos, que apesar da
vitória militar do Império do Brasil contra a República Rio-Grandense,
significou a consolidação do Rio Grande como força política dentro do país.