Entre
a barbárie dos incendiários e a civilização
Diante dos acontecimentos dramáticos
que se sucedem no país desde junho de 2013, é preciso pacificar os ânimos e
recolocar a nação na trilha da tolerância e do respeito ao direito alheio
Ônibus incendiado em São Paulo
A cada dia que passa, fico mais
convencido de que há alguma coisa errada, muito errada com o Brasil de hoje.
Praticamente todos os dias, acontece um ato de violência social por aí – da
queima de ônibus na periferia a invasões de shopping centers; da transformação
do Ceagesp de São Paulo em praça de guerra a barricadas erguidas nas estradas
com pneus em chamas; de passeatas contra a Copa do Mundo a quebra-quebra
generalizado na hora do rush. Se, algum dia, o tal do “homem cordial”, de que
falava o historiador Sérgio Buarque de Holanda, realmente existiu, hoje ele não
passa de uma lenda.
Diante dos acontecimentos dramáticos
que se sucedem no país desde junho do ano passado, quando uma onda de
manifestações levou milhões de pessoas às ruas, a impressão é de que o Brasil
de hoje é um país em convulsão social, uma panela de pressão pronta para
explodir pelo menor motivo a cada momento. De repente, é como se o Brasil
precisasse de um grande movimento social para recolocar a Nação na trilha da
tolerância com a diferença, de convivência pacífica e democrática entre os
opostos.
Hoje, tudo, absolutamente tudo,
torna-se alvo de contestação e violência, principalmente por parte de grupelhos
de ativistas radicais e de revolucionários intolerantes, quase todos de
orientação marxista-leninista, que se dedicam dia e noite à causa. O pior é
que, muitas vezes, contam com apoio de políticos de extrema esquerda e até
mesmo com patrocínio oficial, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra
(MST), conhecido por invadir fazendas legitimamente registradas em cartório e
pregar o fim da propriedade privada no país.
Se a blogueira cubana, Yoani Sánchez
vem ao Brasil para dar uma palestra, um grupo de xiitas pró-Cuba a impede de
falar. Se a prefeitura do Rio de Janeiro aumenta as passagens de ônibus, mesmo
que bem abaixo da inflação, logo surge um bando – o mesmo de sempre – para
bagunçar o coreto.
Ontem, em São Paulo, a atriz espanhola Angélica Liddell teve
de interromper a sua performance, porque meia dúzia de ativistas subiu ao palco
para protestar contra o uso de um cavalo na peça, embora o animal não fosse
alvo, aparentemente, de maus-tratos.
Será que o próximo passo será defender o fim do Jóquei Clube, por
realizar corridas de cavalo?
Muita gente pode achar que tudo isso
é normal, que é resultado da democracia que se instaurou no país com o fim do
regime militar, em 1985. Eu não. Acredito que só uma sociedade doente,
profundamente dividida em relação aos rumos do país, pode viver num ambiente
assim. Só uma sociedade atordoada, que perdeu as referências de quais são os
limites da civilização, do que é certo e errado, pode acreditar que isso é
normal.
Hoje, a vida nas grandes cidades do Brasil está se tornando cada vez
mais perigosa e arriscada – e não só por causa do trânsito enlouquecido e da
violência da bandidagem. Já não se pode sair de casa sem ouvir o noticiário
para saber onde vai ser a "guerrilha urbana" do dia, para tentar não
cruzar com ela. Preocupados com o
noticiário, pais e mães ligam para seus filhos no meio do dia para saber se
está tudo bem. A família do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, da Band,
morto depois de ter sido atingido por um rojão num protesto, sabe o que isso
significa melhor do que ninguém.
Não sei onde tudo isso vai dar, mas
acredito que, se esse acirramento de ânimos continuar, dificilmente vai acabar
bem. Do jeito que a coisa vai, desconfio que logo, logo, esse embate ganhará
novos contornos. Em vez de os grupelhos de extrema esquerda resistirem à
polícia, quando ela dá o ar de sua graça para proteger a população e o
patrimônio público e privado do vandalismo, eles vão acabar enfrentando grupos
rivais igualmente radicais, como acontecia nos anos 1930, quando comunistas e
integralistas lutavam entre si, sem dar a mínima para a democracia -- e todos nós
sabemos onde isso costuma acabar.
Sinceramente, espero estar enganado. Ficarei
até feliz com isso. Estou certo, porém, de que esse Brasil, marcado pelo
radicalismo e pela violência social, não é o Brasil que sonhamos para nós, para
os nossos filhos e para os nossos pais.