Cai um amigo, sobe outro
O que menos interessa na história do
empresário goiano Wilder Morais, que ocupará a cadeira do senador cassado
Demóstenes Torres, como seu primeiro suplente, é a circunstância destacada no
noticiário de ser ele ex-marido de Andressa Mendonça, a companheira do
contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. São de outra natureza
os envolvimentos que importam - e que autorizam dizer que a queda de Demóstenes
não privou o bicheiro de um amigo no Senado.
O político destituído, que recebeu de
Wilder R$ 700 mil na campanha de 2010, fazia praça da sua amizade com
Cachoeira, até para negar que passassem disso os vínculos entre ambos. O seu
substituto, sócio-proprietário de 24 empresas (das quais 9 omitidas à Justiça
Eleitoral) e que ocupava a Secretaria de Infraestrutura do governo Marconi
Perillo, é também, além de amigo, devedor confesso e agradecido do batoteiro, a
quem chamava de "vossa excelência". Este, que o chamava de
"senador", talvez com fino senso premonitório, jamais apostou em
amizades desinteressadas.
Nas sete conversas entre eles
interceptadas pela Polícia Federal, trechos das quais foram divulgados pela
Folha de S.Paulo, ouve-se Cachoeira dizer em dado momento: "Eu não vou
expor você, cara. Fui eu que te pus na suplência, nessa Secretaria, você sabe
muito bem disso. Então, para que eu vou te expor?". No que consistiria a
exposição ainda é segredo deles. Mas a resposta do agora senador da República é
um reconhecimento que chega à abjeção. "Carlinhos", começa ele,
"pensa um cara que nunca teria encontrado um governo, que nunca teria sido
b... nenhuma. Você está falando com esse cara."
O tempo dirá, talvez, se Wilder já
teve ocasião de retribuir de alguma forma os imensuráveis benefícios recebidos.
Declarar a um delinquente que deve tudo a ele pode dizer muito do caráter do
favorecido, mas é pouco para que seja levado ao mesmo pelourinho de Demóstenes.
E, dada a conjuntura que o alçou ao seu assento, é improvável que Wilder venha
a ser o novo "despachante de luxo" de Cachoeira, como se disse do
então senador. Isso em nada reduz a excrescência política e moral do sistema de
suplências no Senado. Dos seus 81 membros, 15 - ou 18% do total - estão
atualmente aboletados na Casa sem ter recebido um único voto, graças a espúrios
arranjos financeiros, partidários e familiares.
Treze Estados estão representados -
se é que esse é o termo - por um ou dois suplentes, todos eles gozando das
mesmas mordomias dos titulares, entre as quais o acesso ao plano de previdência
dos congressistas, ainda que estejam de passagem pela chamada Câmara Alta. Pode
ser o caso do maranhense Lobão Filho, se o pai, Edison Lobão, deixar de ser
ministro de Minas e Energia. O exemplo mais escabroso é o da família Cassol, de
Rondônia. No ano passado, Ivo Cassol, o titular, se licenciou, alegando motivos
particulares. Foi substituído durante quatro meses pelo suplente Reditário
Cassol, seu pai. O bastante para ele ganhar acesso à previdência parlamentar.
Desde março está pronto para ir a plenário
um projeto de emenda constitucional que reduz o número de suplentes a um,
proíbe que seja parente do titular e restringe a ascensão do "vice" a
situações temporárias. Se a proposta vingar, Wilder, por exemplo, ficará com a
vaga de Demóstenes até a eleição de 2014 (porque já não daria tempo para fazer
a disputa pela cadeira juntamente com o pleito municipal de outubro). Visto que
nunca alguém perdeu dinheiro sendo cético em relação ao desejo dos políticos de
mexer nas regras que os beneficiam, convém esperar até o Senado incluir o
projeto na sua pauta de votações.
Ou melhor, convém a sociedade
pressionar para que o faça já na volta do recesso de meio de ano, na esteira do
clima de opinião que tornou possível - mesmo em escrutínio secreto - a cassação
de Demóstenes por 56 votos a 19, com 5 abstenções e 1 ausência. Uma exuberante
maioria, portanto, votou com o País, quando poderia votar contra, impunemente.
Que o fato animador não sirva, porém, de pretexto para o Congresso manter o
sistema de votações sigilosas que lesa o direito do eleitor de saber como agem,
sempre, os seus representantes.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,cai-um-amigo-sobe-outro-,899657,0.htm