Clonagem O primeiro bicho de estimação
clonado causa comoção em vez de repulsa
Vem cá, gatinha! Vem cá!
Se o primeiro bicho de estimação clonado
pode desmanchar o seu coração, então, como você vai reagir quando vir a
primeira criança clonada?
Jeffrey Kluger
Colaborou na reportagem Sora Song, em Nova
York
Com os seus grandes olhos redondos, o seu
focinho em forma de botão e sua expressão que parece querer dizer "estou
pronta para a brincadeira", a gatinha chamada cc (iniciais das palavras
"cópia carbono" ou ainda da expressão inglesa "copy cat"
- alguém que imita os outros) tem uma cara pela qual é praticamente
impossível não se apaixonar, o que pode ajudar a explicar por que a
hostilidade que costuma acompanhar em geral todas as notícias referentes ao
assunto da clonagem foi praticamente abafada pelo som dos arrulhos que todos
os meios de comunicação emitiram em coro.
Cc é o nome que os cientistas que estão por
trás do nascimento deste que é o primeiro bicho de estimação clonado da
história, deram à sua criação, uma gatinha com pêlo curto chitado que é uma
réplica genética de sua mãe biológica (mesmo que isso não possa ser percebido
visualmente). Por ela ser tão bonitinha e sedutora - e tocar na mesma corda
sensível que um clone humano ainda neném tocaria nas pessoas, de maneira
inevitável -, ela acaba valorizando e destacando o contexto emocional que
estava faltando até agora no vasto debate sobre a clonagem. Uma coisa é
discutir os méritos da clonagem quando se está falando numa ovelha que se
comporta de maneira indiferente, ou quando se trata de camundongos, de gado,
de cabras ou de porcos. Mas é outra coisa, muito diferente, quando o clone
está praticamente sentado no seu colo, miando, ronronando e implorando pelo
seu carinho.
Foi durante a semana passada, então, que um
debate iniciado em 1997 com a clonagem da ovelha Dolly tomou uma nova
dimensão, pedindo com urgência por novos posicionamentos. A opinião pública
ficou mais uma vez dividida em torno dos aspectos que dizem respeito aos
problemas éticos que essa prática suscita, embora, desta vez, os partidários
da clonagem tivessem recebido o apoio dos apaixonados por bichos de
estimação, enquanto os adversários da clonagem conquistaram a torcida dos
membros da A.S.P.C.A. (Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade com
os Animais) e da Humane Society (uma outra associação internacional que luta
contra as perseguições a crianças e a animais). "Precisamos questionar o
objetivo social que existe por trás desse fato", afirma Wayne Pacelle,
vice-presidente da filial americana da Humane Society. "Só porque você é
capaz de realizar determinada coisa, isso não significa que deva realizá-la
efetivamente".
Nem por isso, a tarefa de dar cc à luz foi
particularmente fácil. O projeto teve a supervisão de Mark Westhusin, um
professor associado da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade A&M
do Texas, e contou com a colaboração da Genetic Savings & Clone (Economia
Genética & Clone), uma companhia privada cujo benfeitor financeiro queria
clonar não uma gata e sim uma cachorra pastora da fronteira, meio vira-lata e
já idosa, chamada Missy. No entanto, os cães não ovulam regularmente, ao
contrário dos gatos, e, por razões que ainda não foram plenamente
esclarecidas, os óvulos de cães não conseguem se desenvolver de maneira
satisfatória num ambiente de laboratório. Por isso, após terem passado cerca
de três anos sem obter qualquer resultado, Mark Westhusin e seus colegas
deixaram de lado os caninos para dedicar-se aos felinos.
Trabalhando, primeiramente, num gato macho
adulto, eles recolheram células da boca do animal que eles fusionaram com os
ovos de uma gata doadora, da qual eles haviam retirado todo o material
genético. Isso criou 82 embriões, os quais foram implantados em sete mães
fecundas. Esse procedimento resultou apenas num simples clone fetal, enquanto
o outro morreu no útero. Os pesquisadores voltaram-se então para as células
acumuladas retiradas dos ovários de uma fêmea chamada Rainbow, criando cinco
embriões clonados. Estes foram implantados em Allie, uma outra mãe fecunda,
e, desta vez, um embrião foi fertilizado e cresceu. O resultado foi cc,
nascida em 22 de dezembro passado e cuja existência foi anunciada com grande
estardalhaço na semana passada pelo jornal especializado "Nature".
"Foi fascinante acompanhar essa evolução", conta Lou Hawthorne,
diretor-presidente da Genetic Savings & Clone. "Ela é simplesmente
uma gatinha linda e adorável".
Essa experiência foi muito mais do que um
mero avanço científico. A notícia, que foi publicada em primeira-mão pelo
"Wall Street Journal", chamou a atenção dos empresários. Todos os
anos, milhões de bichos de estimação morrem nos Estados Unidos, deixando
abandonados inúmeros proprietários abastados que se dispõem a pagar somas
elevadas para substituir o seu companheiro adorado. A Genetic Savings &
Clone já propôs congelar o DNA de bichos de estimação para uma clonagem
futura, cobrando a módica soma de US$ 895 (cerca de R$ 2.236), mais US$ 100
(R$ 250) por ano para a estocagem.
Mas os candidatos a clonar os seus bichos
de estimação devem tomar cuidado. Reproduzir geneticamente um animal não é
barato. "Aqueles que pretendemos reproduzir no ano que vem, deverão
custar algo acima de US$ 10.000 [R$ 25.000], sempre um valor em dólar de
cinco dígitos", diz Hawthorne. Só mais tarde, quando os procedimentos
serão racionalizados, os custos deverão diminuir. Há também problemas
técnicos. A taxa de sucesso, de 1 entre 87 tentativas, obtida pelo
laboratório do Texas é típica de qualquer atividade de clonagem, a qual pode
resultar em dezenas de embriões mortos até o surgimento de um único que
consiga viver.
Além disso, quando se consegue finalmente
um clone viável, ele pode não se parecer nem um pouco com o seu parente, a
não pelos seus genes. Rainbow e cc têm uma coloração diferente, por exemplo,
uma vez que os pêlos dos gatos dessa raça (calico) são determinados, de um
lado, pelos genes e, de outro, por alterações moleculares aleatórias que
ocorrem durante o desenvolvimento. O temperamento também depende em grande
parte do acaso, já que é extremamente difícil definir o quanto da
personalidade do animal é geneticamente programado e o quanto é formado pelo
meio ambiente em que ele cresce. "É uma falácia dizer que a clonagem
proporciona uma réplica exata", afirma Wayne Pacelle, da Humane Society.
Por sua vez, Mark Westhusin reconhece: "Não se trata de uma
ressurreição. As pessoas precisam entender isso".
Mesmo se fosse possível criar uma
reprodução exata de um vira-lata perdido ou de uma gatinha, isso não quer
dizer necessariamente que é uma boa idéia. Considerando que mais de 5 milhões
de gatos rejeitados são eliminados todos os anos, fica difícil justificar
gastos de dezenas de milhares de dólares para clonar um novo. Por que não
adotar um desses bichos, então? Além do mais, alguns dos animais que foram
clonados até agora foram acometidos de todo tipo de doenças, inclusive por
insuficiências fatais no coração e nos rins, logo na sua primeira infância.
Os defensores da clonagem alegam que a
fragilidade dos clones será superada à medida que a tecnologia for
aperfeiçoada e que um número relativamente pequeno de novos bichos de
estimação clonados teria um efeito muito reduzido sobre a atual população de
animais. Além do mais, eles argumentam que a clonagem tem aplicações
científicas. Os clones poderiam fornecer uma série de animais idênticos para
a pesquisa em laboratório, por exemplo, permitindo aos cientistas praticar as
suas experiências sem correr o risco de se deparar com o problema da
variabilidade genética, a qual pode confundir os resultados.
Já, para os críticos da clonagem, tais
argumentos não passam de "folhas de figueira" morais. Eles
consideram cc uma espécie de repetição antes do advento da clonagem humana, e
eles estão confusos com a maneira com que o ensaio está sendo feito.
"Uma vez que estão deixando a clonagem desenvolver-se sozinha, como uma
empresa comercial, não existe, na verdade, nenhum controle", diz Lori
Gruen, uma professora de ética da Wesleyan University que apóia de maneira geral
as pesquisas sobre clonagem. Como pode uma cultura que não consegue chegar a
um acordo sobre a moralidade de se utilizar embriões humanos para criar
células tronco, tolerar uma tecnologia na qual 86 embriões humanos teriam que
morrer antes que um 87º possa permanecer vivo? "Por que fazer
isso?", pergunta Pacelle. "Me parece ser uma linha de pensamento
muito perigosa para ser seguida.
Como se fosse uma réplica a essa afirmação,
Panayiotis Zavos, um professor aposentado da Universidade do Kentucky que andou
se gabando durante dois anos de que ele seria o primeiro a clonar um humano,
anunciou na semana passada que ele acabara de selecionar 10 casais inférteis
e que ele estava se preparando para começar os trabalhos no próximo mês. Se
você achou que era difícil não se apaixonar por cc, espere então até ver o
primeiro neném.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
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