O
STF aperta o cerco
Muito mais do que confirmar a condenação do
ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha e de seus cúmplices, na
Ação Penal 470, o voto do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
ministro Carlos Ayres Britto, prolatado na última quinta-feira, escancarou a
trama urdida no Parlamento e fora dele pelo PT e aliados para proteger seus
membros que estão sentados no banco dos réus no julgamento desses que, a cada
dia que passa se confirma como o maior escândalo de corrupção da história da
política brasileira. Para Ayres Britto, a emenda introduzida na Lei
12.232/2010, que regula a contratação de serviços de publicidade por órgãos
públicos, na qual está baseada a argumentação de defesa dos acusados de se
terem apropriado indevidamente, em contrato com o Banco do Brasil, da chamada
"bonificação de volume", foi "preparada intencionalmente,
maquinadamente" em benefício dos acusados da Ação Penal 470,
constituindo-se em "atentado veemente, desabrido e escancarado" ao
preceito constitucional segundo o qual "a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".
A manifestação do presidente da Suprema Corte
confirma a já clara tendência que a primeira "fatia" do julgamento
evidencia, de estarem os juízes do STF firmando "convicção também sobre o
imperativo de extirpar qualquer resquício de tolerância à corrupção e de
resignação à impunidade", como pontuamos em editorial publicado ontem.
De fato, o contrato firmado entre o Banco do
Brasil (BB) e as agências de publicidade de Marcos Valério estipulava
claramente que os descontos e outras vantagens obtidas junto aos veículos de
comunicação, como o bônus de volume, teriam que ser devolvidos ao banco, em vez
de serem apropriados pelas agências, como é comum nos contratos com anunciantes
privados. Mas as agências de Marcos Valério simplesmente embolsaram os quase R$
3 milhões da bonificação, que teriam sido aplicados, segundo a denúncia da
Procuradoria-Geral, no esquema do mensalão.
Em 2010 o presidente Lula sancionou a Lei
12.232, aprovada pelo Congresso, que dispõe sobre "as normas gerais para
licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade
prestados por intermédio de agências de propaganda". Atendendo a
reivindicações "do mercado", segundo o autor do projeto, o deputado
petista José Eduardo Cardozo (SP), hoje ministro da Justiça, o projeto permitia
às agências de propaganda embolsar os descontos e outras bonificações na
veiculação de propaganda oficial. Uma emenda apresentada por seu colega de
partido Claudio Vignatti (SC), estendeu o benefício às licitações então em
andamento e aos contratos em execução. O relator do projeto, deputado Milton
Monti (PR-SP), do mesmo partido do réu do mensalão Valdemar Costa Neto (SP),
não apenas acolheu a emenda, como estendeu o benefício aos contratos já
encerrados na data de publicação da lei.
Com base na Lei 12.232, a ministra do TCU Ana
Arraes - ex-deputada federal pelo PSB e mãe do governador pernambucano, Eduardo
Campos -, contrariando parecer técnico, poucas semanas antes do início do
julgamento da Ação Panal 470, considerou regulares as prestações de contas
referentes aos famigerados contratos entre o BB e as agências de Marcos
Valério. Ou seja, ofereceu de bandeja forte argumento legal para a defesa de
vários réus do mensalão. Mas a decisão da ministra Ana Arraes foi contestada
pelo Ministério Público de Contas. O TCU decidiu então suspender os efeitos da
decisão e a matéria será novamente submetida à apreciação do plenário. Depois
da contundente manifestação do presidente do STF, é pouco provável que seja
mantida a contribuição de Ana Arraes à absolvição dos mensaleiros.
A esta altura do julgamento em curso no STF,
já começam a ser sentidos os efeitos saneadores da firmeza com que a maioria
dos ministros se mostra disposta a combater a corrupção na vida pública. João
Paulo Cunha renunciou à sua candidatura a prefeito de Osasco e está por perder
o seu mandato de deputado federal. Há de ter muita gente colocando as barbas de
molho.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-stf-aperta-o-cerco-,924455,0.htm