Os filósofos têm
reflectido e escrito sobre as relações entre a ética e a política. Todos
defendem a necessidade de harmonizar ambos os conceitos. Com efeito, há entre
os pensadores quem defenda que a crise atual da democracia é, em grande
medida, uma crise dos fundamentos éticos, ou a falta de fundamentos éticos na
formação de grande número de políticos.
Ora, a democracia,
para ser viável nas sociedades do novo século, deve assentar sobre certos
princípios que se transmutam em condições básicas e necessárias ao sistema
político. Princípios que fundamentam a ética-política são, por exemplo, a
legitimidade democrática, o respeito pelas opções do eleitorado, a
convivência educada no meio político, o cumprimento das promessas eleitorais,
a eficácia da praxis política, o combate sem tréguas à corrupção e a justiça
social. Se o todo ou a parte de algum destes princípios perde consistência,
esboroa todo o valor democrático que constitui o sistema político, decorrendo
de tal situação a descrença na democracia e o consequente rumo à anarquia e
ao autoritarismo.
Estas reflexões têm a
ver com o que vamos vendo, ouvindo e lendo. Alguns políticos, à esquerda e à
direita, reclamam-se de genuínos defensores dos valores da democracia (como
eles gostariam que ela fosse), das classes mais injustiçadas (a
classe operária, ou a classe média, ou os pequenos e médios empresários ou os
grandes capitalistas, consoante lhes dá mais jeito, no momento). Então, nos
púlpitos que conseguem, no Parlamento, na comunicação social ou na rua,
gritam “exigindo” dos governantes que procedam de forma ‘X’ ou ‘Y’, conforme
esteja mais na moda ou que pensam que lhes rende mais apoio.
Mas como pode alguém
exigir que ‘A’ faça o que ‘B’ quer, sendo ‘B’ quem exige e ‘A’ quem tem a
legitimidade democrática para governar? Ora, conviria saber que a
legitimidade democrática não se conquista em “assembleias” com votação de
braço levando, nem nas manifestações de rua, nem em comícios programados para
a hora dos telejornais, nem tampouco através da gritaria que alguns fazem!
Para quem ainda não sabe, ou prefere ignorar, a legitimidade democrática
conquista-se pela legitimação do voto dos cidadãos, expresso nas urnas em
assembleias de voto, cujo enquadramento a Lei da República determina.
Para que o povo se
expresse sobre se a governação do país está a ser bem ou mal conduzida, para
além das manifestações de desagrado e de indignação que produz, através da
palavra, da escrita ou da manifestação legítima, periodicamente efetuam-se
atos eleitorais. Se os governos, legitimamente empossados, não governarem
com eficácia os destinos do país serão penalizados em atos eleitorais
ulteriores. Os eleitores retiram-lhes o poder e transferem-no para outro
Partido ou coligação, de onde sairá outro Governo. É assim, e não como
gostariam que fosse aqueles que se julgam investidos de alguma especial e
única sabedoria democrática. Já é tempo disto saberem. Mas, como diz o povo,
«quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita».
Se há coisa que me
desagrada na praxis política, de alguns senhores que estão no ativo, que
ostentam como profissão conhecida a de político, é o modo ligeiro e
biltre como tratam os seus pares. É aqui que começa a rarear a ética. Veja-se
com que ligeireza se maltratam! Isto não ocorre noutras profissões. Vale
tudo. Sem rebuço nem pestanejar, desmentem-se e injuriam-se quanto tem
oportunidade para o fazer. A propósito de tudo e de nada, observe-se como
passam o seu tempo a maldizer e a atacar-se uns aos outros, agarrando-se, com
unhas e dentes, ao acessório, ignorando o essencial! É uma beleza estar
atento ao que dizem alguns políticos, que nunca fizeram outra coisa na vida
senão palrar… Palram de tudo e de nada com a mestria de quem nada sabe,
porque nada fizeram, a não ser palrar... Aprende-se muito com eles! É um
espanto!
Umas lições de
ética-política, mesmo por correspondência, ou on-line, fazia-lhes bem. Pelo
menos talvez aprendessem que todos somos pessoas e, como tal, a todos é
devido o respeito que a convivialidade confere.
É de todos sabido que
a política, no nosso tempo, não goza de grandes simpatias nem de prestígio
social. Por isso, devemos ser muito cuidadosos com os comportamentos que
assumimos. Qualquer transgressão a ética é condenada pelos cidadãos,
decorrendo disso que dificilmente se recuperará a confiança e adesão dos
cidadãos para a causa pública. Os candidatos a político deveriam estar
atentos.
É urgente que os
atores políticos, todos eles, sejam transparentes e atuem e falem à sua
dimensão, não querendo demonstrar capacidades que não lhes foram reconhecidas,
nem potencialidades que lhes estão ausentes, devido à sua posição no xadrez
político.
Cada um é o que é. E
se cada um é o que é, devido às suas opções e posições relativas, é um erro,
que se paga caríssimo,querer fazer crer aos menos cautelosos,
que se tem outras capacidades, outros poderes que não nos pertencem. A isto
chama-se, além de tolice, demagogia. (António Pinela, Reflexões, Maio de
2007).
|