É possível
escolher ser feliz?
Especialistas afirmam que felicidade tem receita. Mas quais
são as atitudes práticas para viver um conceito tão subjetivo?
A designer Renata Winkler descobriu que podia ser feliz
depois de ter enfrentado um câncer e um divórcio ao mesmo tempo
Estar cheio de problemas, correr atrás de dinheiro para as
contas fecharem no fim do mês, cuidar da saúde para prevenir e remediar ou estar
atravessando uma crise pessoal não significam necessariamente infelicidade. O
livro recém-lançado “A ciência de ser feliz” (Editora Ágora) reúne pesquisas
que mostram práticas e pontos de vista que ajudam a ser mais feliz, sem
depender tanto de fatores externos.
Escrito por Susan Andrews, psicóloga americana radicada no Brasil, define a
felicidade como “combinação entre o grau e frequência de emoções positivas; o
nível médio de satisfação que a pessoa obtém durante um longo período; e a
ausência de sentimentos negativos, tais como a tristeza e raiva”. Mas como
chegar nesse estado?
Menos é mais
A designer de moda Renata Winkler, 45 anos, deu uma guinada e passou a encarar
a vida de uma forma diferente. “Depois que eu tive câncer de mama, não queria
mais ficar esperando”, conta Renata, que há dois anos tratou com sucesso a
doença, ao mesmo tem em que levava adiante um divórcio. “Não sei se foi ter
tido câncer e me separado ao mesmo tempo, mas tomei a decisão de simplesmente
viver. Eu não era assim, me questionava muito, era desconfiada. Levo as coisas
de um jeito mais leve hoje”.
Quando decidiu se separar, Renata saiu de casa só com uma
mochila nas costas. Afirma que sempre foi uma materialista, mas na hora de
tomar decisões sérias para sua vida, desapegou. “Tem males que vêm para bem.
Cheguei a dormir no meu carro por falta de grana, e vi que conseguia sobreviver
com muito pouco. Acho até que está melhor viver com menos coisas, mas com mais
qualidade. As pessoas querem ter cada vez mais e perde-se tempo em função
disso”, diz a designer. Renata parou de se preocupar com o que as pessoas vão
pensar dela, e começou a curtir a vida de forma mais ousada. “Levo bronca de
filho porque caí pedalando na estrada, mas estou mais feliz assim”, diz.
O monge Jorge Mello, um dos difusores do conceito de
Simplicidade Voluntária no Brasil, acredita que felicidade é, sim, opção. “A
escolha começa ao aceitarmos que é possível ser feliz, aqui e agora, sendo quem
eu sou, o que abre um horizonte de transformações rumo a uma caminhada
consciente e autônoma. Faz parte da natureza humana estar alegre ou triste; ser
feliz está para além dessas condições emocionais transitórias”, afirma. Ele
acredita que a opção pela simplicidade pode contribuir para a felicidade em
vários sentidos.
“Quem tem possibilidades demais acaba não fazendo nada. É um
caminho para a depressão. Passar por necessidade não é bom, mas lutar pelas
coisas ajuda a dar mais valor para o que se tem”, acredita Renata. Desapegar e
simplificar, explica Mello, não tem a ver com abrir mão de todos os bens. “Uma
vida mais simples é um ato de poder genuíno. Quando me questionam se isso
equivale a uma vida de pobreza, lembro que ninguém é pobre porque quer, mas só
é simples quem pode”, afirma. Para o monge, adotar a simplicidade abre uma
percepção individual e única para descobrir o que traz satisfação autêntica e
duradoura.
Sem comparação
Por depender de valores subjetivos, a felicidade pode ter caminhos diferentes
para cada pessoa. “É algo construído ao longo da vida, com sua subjetividade.
Desde que se nasce, vai se descobrindo o que se quer e que vale a pena viver a
vida”, diz Rosa Reis, psicanalista da Federação Brasileira de Psicanálise. Ou
seja, não vale sonhar com uma casa igual à do vizinho, ou se preocupar tanto
com reformas e modificações na sua se você mal tem tempo de curti-la.
Para encontrar seu caminho próprio para a felicidade, Rosa
recomenda prestar atenção nos momentos que propiciam relaxamento, sensação de
bem-estar e paz. “São situações em que você se sente integrado com você mesmo,
realizando coisas importantes. Você tem que olhar para dentro de si, e não
buscar fora”, diz. Podem ser coisas simples, como passear com o cachorro ou uma
conversa gostosa durante um jantar em família. A chave é valorizar esses
momentos e dar espaço para que eles se repitam.
Felicidade é um investimento
Outro fator indispensável é dedicar tempo e energia à felicidade. A filósofa Patrícia
Fox, 42 anos, que trabalha com espiritualidade feminina, afirma ser feliz por
seguir o que o coração pede. “Mesmo que eu tenha que ‘brigar’ com o mundo”,
afirma. O interesse pela filosofia nasceu depois da perda da mãe, aos 21 anos.
“Foi terrível e sinto falta dela, mas foi o início da busca por uma cura.” Ela
optou por uma carreira com ganhos não muito altos, mas que permite que ela faça
o que gosta e tenha tempo livre. “Felicidade não é alienação, não é se distrair
com coisas que não te ilustram de verdade”, afirma.
Patrícia faz questão de usar as crises e revezes a seu favor.
“Manter-se numa zona de conforto muitas vezes é prolongar a infelicidade, seja
num casamento, numa faculdade que o pai obrigou, num emprego que não gosta”,
diz. “Se não posso viajar, vou para o parque perto de casa. É o que tem para
hoje, sabe? Tudo é muito instável.” Para a psicóloga e psicodramatista Cecília
Zylberstajn, trata-se de uma habilidade adquirida. “Dá para aprender a ser
feliz em todas as situações que a vida impõe para a gente e não depender de
coisas conquistadas”, afirma. “É uma escolha porque depende de abrir espaço na
vida para fazer coisas que você gosta.”
Tristeza é diferente de infelicidade
É evidente que os problemas não desaparecem com a decisão de ser feliz. Perdas
e crises vão acontecer sempre. “Uma dica prática é viver os momentos de
tristeza quando eles aparecem. Se permitir viver plenamente a tristeza e o luto
quando for necessário permite que ela passe e você fique fortalecido”, afirma
Cecília. “Felicidade implica em saber superar momentos tristes e perdas.” Em
outras palavras, ela se opõe diretamente a infelicidade e à insatisfação.
É importante distinguir as tristezas de depressão ou de
outros transtornos do humor. Depois de um episódio traumático, como perda de um
ente querido ou de um emprego, o bem estar emocional deve voltar, gradualmente.
“Em até seis meses, de acordo com os manuais de psiquiatria, você tem que estar
melhor. O ritmo de vida precisa ir voltando, assim como a satisfação”, afirma
Alexandre Sadeh, psiquiatra do Hospital das Clínicas e professor da PUC-SP. Mas
ele acredita que mesmo para uma pessoa psiquicamente saudável ainda é difícil
driblar as pressões cotidianas, sobretudo para o sexo feminino.
“Aumentou demais a carga de stress. Para uma mulher se dizer feliz hoje, nos
parâmetros culturalmente determinados, é muito difícil”, afirma. Praticar a
resiliência – a capacidade de se recuperar de frustrações – e o prazer em viver
parece ser a receita mais eficiente para uma vida feliz.