Apenas 22% dos presos
do sistema penitenciário brasileiro trabalham
Índice permanece estagnado há quase uma década. A cada dia
trabalhado, o preso ganha um dia a menos de pena
Francisco Paulo Testas Monteiro, o Tuchinha, tem 49 anos,
quase metade deles vividos atrás das grades. É tanto tempo que os dedos de uma
mão não são suficientes para contar o número de presídios pelos quais ele,
ex-chefe do tráfico no Morro da Mangueira, na Zona Norte do Rio, peregrinou. Da
primeira vez, foram 17 anos e meio preso. “Direto e sem sair na rua”, como ressalta.
Saiu em 2006, ficou solto um ano e sete meses, até voltar para a cadeia por
associação ao tráfico.
Tuchinha gravou na memória a data em que deixou para trás os muros da
penitenciária disposto a nunca mais voltar ao submundo que o fez entrar lá. O dia
5 de agosto de 2008 é uma espécie de aniversário, quando ele nasceu novamente
para a liberdade. Hoje, vive com uma tornozeleira eletrônica. Trabalha no Afro reggae tirando jovens da criminalidade, na qual já fez muitos entrarem. Ele
explica a diferença entre a primeira vez que deixou a cadeia e voltou ao crime,
e a segunda, em que abdicou das armas:
— Quando saí em 2006, não tive oportunidade nenhuma, por isso
fui preso novamente. Se eu tivesse tido em 2006 a oportunidade que tive em
2008, não teria voltado para a prisão.
Essa ausência de oportunidade a que Tuchinha se refere tem
escala em um problema anterior: a falta de projetos de ressocialização. Apenas
22% dos presos no sistema penitenciário brasileiro exercem algum tipo de
atividade laboral, interna ou externa aos presídios. É um problema em que o
país não avança, já que o índice permanece estagnado há quase uma década,
período até o qual o Ministério da Justiça tem dados. Informações do
Departamento Penitenciário Nacional (Depen), de junho de 2012 e divulgados no
fim do ano, mostram que a parcela que se dedica ao estudo é ainda menor: apenas
um a cada dez detentos tem aulas.
Além de ser remunerado, o preso tem um dia a menos de pena, a
cada três dias trabalhados. No caso do estudo, o condenado tem um dia de pena a
menos a cada 12 horas de frequência escolar divididas, no mínimo, em três dias.
Especialistas são unânimes em dizer que o índice sobre
trabalho na prisão é ínfimo e que o número revela uma realidade ainda mais
dura. Boa parte dos presos incluídos nesta estatística desenvolve atividades
que não trazem qualificação ou contribuem para a reinserção no mercado de
trabalho.
atividades de baixa empregabilidade
Sem formas de sustentar, a probabilidade de reincidir é
grande, ainda que esse não seja o único motivo que contribui para o retorno à
criminalidade. Ao oferecer oportunidades de trabalho dentro dos presídios, os
estados deveriam pensar nas profissões mais demandadas no mercado e aquelas em
que os egressos sofreriam menos preconceito, como aquelas em que não há contato
direto com o público.
— Os poucos estabelecimentos prisionais que têm esquemas de
trabalho operam com atividades que não estão bombando em oportunidade de
emprego. Se você colocar o preso para costurar bolas de futebol, por exemplo,
ele sai com pouca sabedoria para participar da sociedade de conhecimento — diz
o sociólogo José Pastore, autor do livro “Trabalho para ex-infratores”.
É justamente a preocupação de formar profissionais demandados
pelo mercado que move a Malharia Social, que atende a detentas do presídio
feminino em Florianópolis, em Santa Catarina.
— Elas passam por todos os processos de produção das
camisetas e também a criação e a customização. É importante essa formação,
porque é um campo que sempre precisa de mão de obra — diz a professora de
costura e estudante de moda Queila de Souza.
Com problemas de saúde, Graziela Zandonai, de 26 anos,
começou com o marido a vender cocaína para comprar os medicamentos. Presa, está
aprendendo um ofício e voltou a sonhar:
— Devo sair em maio de 2014. Quero ter a minha própria
oficina de costura.
Assim como Graziela, 91.759 presos trabalham dentro dos
presídios num universo de 508 mil do sistema penitenciário. Outros 20.279 estão
em atividade fora das unidades prisionais.
Ex-secretária nacional de Justiça e professora da Unirio,
Elizabeth Süssekind conta que a descrença do Estado na recuperação do infrator
e a necessidade de encontrar espaço para encaixar mais detentos no sistema
fizeram com que ambientes antes usados para atividades laborais fossem
transformados em celas improvisadas. Ainda de acordo com ela, as plantas de
presídios antigos previam espaços que contribuíam para a ressocialização, ao
contrário dos atuais:
— Se a gente identificar ressocialização com trabalho e
estudo, que são as ferramentas para a reinserção junto com o contato com a
família, os estabelecimentos hoje não contêm isso. Eles sempre têm que ter
algum equipamento local para trabalho, mas é tão restrito, pequeno e
desequipado que você já vê que não vai servir para aquele fim.
As poucas vagas que têm para trabalhar são disputadas pelos
detentos, como relata José Cláudio Piuma, o Gaúcho, ex-chefe de uma facção
criminosa do Rio, que passou 28 anos preso em regime fechado, entre idas e
vindas.
— Você tem numa unidade mil presos e só tem trabalho para
cem. Às vezes, é um trabalho que só te ajuda ali dentro, do lado de fora não te
ajuda muito — diz ele, que hoje cumpre regime semiaberto e cursa a 8a. série do
ensino fundamental.
A falta de qualificação é agravada com o preconceito que o
ex-preso sofre no mercado de trabalho. Alguns estados até sancionaram leis em
que obrigam empresas que prestam serviços ao governo a contratar egressos do
sistema prisional. No Rio, a reserva de vagas chega a 5%. Instituições como o Afro reggae e a Fundação Santa Cabrini, que trabalham no acolhimento de
ex-presidiários, começam a montar seus bancos de dados para indicar essa mão de
obra.
O Ministério da Justiça informou que foram destinados à
reintegração social, em recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), R$
4,5 milhões no ano passado. A pasta tem feito parcerias com outros ministérios
para que as ações de ressocialização não fiquem restritas às verbas do Funpen.
Enquanto isso, quem conseguiu se reinserir no mercado de
trabalho conta como um emprego muda a vida:
— Fico feliz com pequenas coisas que para a maioria é uma
besteira, mas que para mim, aos 44 anos, é muito. É um mundo eu ter um cartão
de crédito. E ter CPF, então? — diz Roseli dos Santos Costa, ex-traficante que
cumpre regime semiaberto e trabalha como recepcionista.
Luiz Carlos Oliveira da Costa, de 47 anos, entrou para o
crime na Favela do Jacarezinho, na Zona Norte. Diz ter a sorte de não ter sido
preso, só levado para averiguação. Hoje, convive com ex-detentos e fala sobre
sua história:
— É uma vida que eu não quero mais e não desejo para os meus
inimigos.
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