‘O raro silêncio de Lula’, editorial do
Estadão
PUBLICADO
NO ESTADÃO DESTE DOMINGO
Habitualmente
muito loquaz e atento a todas as oportunidades para exercitar a vanglória e
malhar os adversários, Luiz Inácio Lula da Silva está mudo desde o início das
manifestações de rua que há semanas tomaram conta do País. Nos últimos dias,
uma oportuna viagem à África tirou-o de circulação.
Enquanto
isso, multiplicam-se as evidências de que, pelo menos para parte significativa
dos quadros do PT, inclusive alguns solidamente instalados no Palácio do
Planalto, todos de olho em 2014, o “volta Lula”, mais do que um apelo
nostálgico, é a última esperança de sobrevivência do tão acalentado projeto de
perpetuação no poder.
Lula
tem reafirmado que Dilma é sua candidata, portanto, a candidata do PT nas
eleições presidenciais do ano que vem. De fato, pelo menos até um mês atrás
tudo levava a crer que o encaminhamento natural dos acontecimentos levaria à
reeleição de Dilma.
Seria
muito difícil explicar politicamente a não candidatura da presidente, mesmo que
para ceder o lugar ao seu mentor. A não ser, é claro, que surgisse um
inquestionável motivo de força maior. E essa força maior seria a ameaça
iminente à hegemonia político-eleitoral do PT.
Pois
a “força maior” está nas ruas. Apesar de o marqueteiro oficial João Santana
garantir que em quatro meses Dilma terá recuperado o prestígio que despencou
nas últimas semanas, os petistas já colocaram as barbas de molho.
Não
os tranquiliza nem o argumento de que Lula conseguiu dar a volta por cima e se
reeleger, após o escândalo do mensalão, em 2005, que lhe havia custado uma
forte queda nos índices de aprovação popular.
Ocorre
que Dilma, ao contrário de seu criador, não tem o menor carisma. E em 2006 o
País surfava na onda da estabilidade monetária, crescimento econômico e avanços
sociais. Um panorama muito diferente daquele em que está hoje mergulhado em
razão, entre muitas outras, da crônica incompetência do governo lulopetista.
Antes
mesmo do início das manifestações populares, o “volta Lula” já estava nas ruas.
Ainda em abril, antes da aprovação pelo Congresso da MP dos Portos, que Dilma
Rousseff sancionou em 5 de maio, um grupo de aproximadamente 200 militantes da
Central Única dos Trabalhadores (CUT), o braço sindical do PT, marcava sua
posição em ato público na Avenida Paulista, ao coro vibrante de “Volta Lula!”.
Era a expressão de um sentimento que já então se percebia, embora tímido e
discreto, nos círculos lulopetistas Brasil afora.
Na
quarta-feira passada, em dois ambientes diferentes e em contextos distintos,
duas personagens próximas de Lula vocalizaram o mesmo desejo. O cientista
político André Singer, antigo porta-voz de Lula na Presidência, respondeu a uma
indagação, durante debate na USP, com a afirmação de que, em consequência da
queda da popularidade de Dilma, o nome de Lula, como candidato em 2014, “está
colocado”. Singer fez a ressalva de que não estava em condições de afirmar se
Lula está ou não disposto ou decidido a ser candidato. E, dizemos nós, muito
provavelmente não está.
Por
sua vez, o deputado federal Devanir Ribeiro (PT-SP), cuja devoção a Lula se
consubstanciou na tentativa de propor um terceiro mandato consecutivo para o
então presidente, que cumpria o segundo, foi bem mais explícito. Depois de
criticar abertamente a presidente, afirmando que “o que falta no governo Dilma
é gestão”, Ribeiro foi categórico: “Já está na hora de o Lula voltar”.
É
claro que, mesmo a conveniente distância, Lula está perfeitamente a par das
manifestações desse queremismo. Que, aliás, é muito compreensível, uma vez que,
diante dos últimos acontecimentos, a companheirada vislumbra uma luz no fim do
túnel e a identifica como a de uma locomotiva sem freio que ameaça
atropelá-los.
Mas
Lula dificilmente mete a mão em cumbuca. E não foi por outra razão que, diante
do clamor da massa que perdeu a paciência com o governo, ele enfiou a viola no
saco e foi cuidar de sua vida em outras paragens. Afinal, a coisa está feia. E
ninguém mais do que ele é o culpado pelo que está aí.