Perguntar
não ofende
Qual policiamento queremos? Como reagir à
agressão? Votar é inútil? Estamos condenados ao massacre? As perguntas
levantadas pelo Brasil ao longo de 2013
Nunca antes na história deste país foram
levantados tantos questionamentos sobre qualquer sentença – inclusive esta. Em
um período em que tudo muda rapidamente e nada é feito para durar, o brasileiro
em 2013 parece ter condensado no liquidificador uma espécie de espírito de
desconfiança e vigilância sobre praticamente todas as respostas para o que
funciona, o que não funciona, o que só supostamente funciona e o que nunca
funcionará.
Contesta-se quem contesta, quem não contesta,
quem contesta quem contesta, quem contesta quem não contesta quem contesta.
Pelas ruas e pelas redes, ficou praticamente impossível caminhar sem tropeçar
em qualquer forma de desconfiança. O que isso significa? Aprendemos a pensar? A
operar pela lógica? Estamos ouvindo ou estamos só falando? Estamos argumentando
ou estamos impondo ideias?
Quantos lados tem uma história? Onde a tese?
Onde a antítese? Onde a síntese? Duas verdades ocupam o mesmo espaço? É certo
falar em ação e reação? É certo falar no que é certo? A lei da física funciona
para as ruas? Ou só funciona para as pedras?
A violência tem quantos lados? É este
policiamento que queremos? A polícia que diz matar sem querer será devidamente
punida? E a que mata por querer? Ela protege ou amedronta? Organiza ou
intimida? Ela pergunta antes de atirar? Foi treinada para isso? Será sempre
assim? Ela reconhece no algoz a vítima? E a humanidade da vítima? E na suposta
vítima? E no suposto culpado? E no rendido? E em quem não se nega a se render?
E no Beagle?
Este policiamento está satisfeito em atuar
como bedel de faculdade? E em babá de torcedor? Em vigia de patrimônio sem
carne e osso?
Quem é o vândalo? Quem bate ou quem apanha?
A violência à violência é sempre legítima?
Existe violência legítima? A ação é sempre um ato de coragem? Ou ela pode
também ser covarde? Estamos generalizando a generalização? Estamos
hierarquizando a agressão? A generalização é uma agressão? Estamos ignorando a
maioria? Perdemos o controle sobre a minoria?
A mídia só mostra uma versão? De que mídia
estamos falando? A mídia legitima o massacre? Instrumentaliza? A culpa é só
dela? O ódio explica tudo? O ódio é monopólio da direita? Que força tem a
direita? O que simboliza a agressão? A catraca? A farda? O logotipo? Símbolos
têm carne e osso? Sentem dor? Quem está sendo atacado? A PM ou o PM? O repórter
ou a sua empresa?
Quem a polícia agride? Por que tantos detidos
sem respaldo na lei? Por que miram a bala no olho de quem protesta? Por que
miram a bala no olho de quem trabalha? Por que miram a bala de verdade no
favelado? Porque é favelado? Ou porque não tem câmera da tevê na periferia? Por
que a pronta-solidariedade da presidenta a uns e o silêncio para outros? Ela se
importa? Quem realmente se importa?
Esse silêncio precede a guerra? A explosão
levará à paz? Estamos em estado de guerra? Em algum momento houve paz? Qual
história repetimos? A qual história recorremos? A qual história viramos as
costas? Que história nos inspira? Luther King ou Malcom X? Gandhi ou
Robespierre? Idi Amin ou Mandela? Goulart ou Lacerda? 1988 ou 1964? A ditadura
acabou? A saudade da ditadura tem fim?
Por que lutamos pelo direito ao voto? O que o
voto representa? O voto muda o sistema? O voto consolida o sistema? O sistema é
agressivo? O serviço público é agressivo? O corredor de ônibus é paliativo? O
metrô é sucateado? Quem financia o metrô? Quem financia o cartel do metrô? Quem
investiga quem financia o cartel do metrô? Quem investiga quem não investiga
quem financia o cartel do metrô? Por que as linhas são enxutas? Por que os
vagões estão lotados? Por que não há linhas durante a noite? Por que a cidade é
mal iluminada? Por que a catraca?
A agressão simbólica a um sistema agressivo
sensibiliza o sistema? Cria outro sistema? Muda o sistema por dentro? Abre ou
barbariza as portas de interlocução?
Político é tudo igual? Os partidos são todos
iguais? Por que tantos partidos? Em que se diferenciam? Por que se unem? Por
que não se unem? A coalizão é um mal necessário? Ou um bem desnecessário? É um
trator? Ou é um estanque? Marina Silva sabe o que fala? Quem entende o que a
Marina Silva fala?
Quem comanda as velhas legendas? Quem manda
nos feudos? Quem deixa que se mandem nos feudos? O Estado está em xeque? De
qual Estado falamos? Do que espanca ou do que salva vidas? Do que come os
rendimentos ou do que estimula a geração do emprego? Do que pereniza ou do que
combate a miséria? O que usa o cassetete ou o que universaliza a vacina?
Como se faz uma vacina? Quem regula os
testes? O medicamento corta na carne? De onde vem a carne? Do que se alimentam
os Beagles? Todos os cães merecem o céu? E as girafas? Merecem ser imolados por
nós? Somos dignos de que entrem em nossa morada? Estamos dispostos a viver
menos em troca da interrupção de outras vidas? Podemos interromper a nossa?
Estamos só falando de bichos? Falar de bichos é pouco?
Todos têm alma? Até quem censura biografias?
Por que os biografados têm medo de biografias? Por que aceitam dão a cara para
a Caras e não aos seus biógrafos? Importa a sua individualidade? Importa a
quem? Estão com medo ou estão cansados? Estamos com medo ou estamos censurados?
Por que tanta desconfiança de quem nos define? Desconfiamos do acerto ou do
erro? Quantos são os Roberto Carlos? Quantos são os Otávios Cabrais? José
Dirceu teve meios de se defender? Merece direito a resposta ou uma errata?
Merece ser condenado? Merece ser absolvido? Merece ser eliminado? Teve um
julgamento justo de seu biografado? E de seus juízes?
Os juízes votam com a faca no pescoço?
Apoiam-se na lei ou no ego? Por que não são unânimes? A câmera de tevê
influencia? Transforma a Corte em palanque? O que é embargo infringente? É o
mesmo que absolvição? Prendemos muito ou prendemos pouco? Prendemos mal?
Devemos prender as crianças? Evitar o crime na nascente até que ninguém esteja
autorizado a nascer? De quem é o seu corpo? Quem regula a sua decisão? O padre
ou a igreja? A igreja e o Estado estão devidamente separados? O novo papa vai
enterrar os esqueletos da velha Igreja? A nova velha Igreja manterá a
influência sobre seus fieis? E sobre os infiéis? E sobre os governos? Serão o
governo? Serão moderados? Serão fundamentalistas? Por que os fundamentalistas
tomaram o poder?
Quantos Felicianos estão por vir? Quantos
estão nas ruas? Por que tratam a homossexualidade como doença? A liberdade como
maldição? Qual a doença do fundamentalista? Como ele virou deputado? Como se
tornou líder da Comissão de Direitos Humanos? Alguém se importa com esta
comissão? A expressão direitos humanos para humanos direitos cria humanos de segunda
categoria? Existem animais de segunda categoria? O que seria dos Beagles se
todos gostassem de ratos?
Alguém se lembra das crianças mortas na
Síria? Quem autorizou o uso de gás sarin? O uso de armas químicas justifica a
intervenção militar? Quem outorgou aos EUA o direito de intervir? Por que nos
espionam? Por que perseguem quem divulga o que se espiona? Somos subservientes
a Washington? Ao capital? Privatizamos ou aderimos ao sistema de partilha? O
petróleo será nosso? Será só nosso? Será de todos? Vai entupir as ruas de
carros comprados a crédito fácil? Seu excedente vai mudar os rumos da educação?
De qual educação? Da saúde? De qual saúde?
Os médicos estrangeiros são necessários? Se
não eles, quem? Os médicos brasileiros se afastaram do povo? Elitizaram-se?
Agem corporativamente? Trabalho cubano é trabalho escravo? É lícito protestar
contra a suposta escravidão cuspindo no rosto do suposto escravo? Boicote é
protesto? Vaia é vergonha? É preconceito? A nação da geleia geral se tornou uma
nação xenófoba? Boicote ao boicote é governismo? Rincão ganha voto? Salvar
vidas é populismo?
Ficamos politicamente populistas?
Politicamente cínicos? Politicamente corretos? Politicamente incorretos? Rindo
corrigem-se os costumes? Ou ridiculariza quem não se enquadra no costume
ancestral? Qual é a graça da desgraça do sorriso do banguela? Amamentar virou
piada? Piada com quem amamenta dá audiência? Lobão dá audiência? Alavanca
vendagem? Quem ainda ouve Lobão? Quem ainda lê a crítica? O Som ao Redor
mostrou que a casa grande mudou de casa? É o melhor filme do ano? O filme da
década? O filme escancarou nossa miséria? Luiz Ruffato escancarou nossa
tragédia? Nossa tragédia é cultural? Nosso futebol é arte? Neymar será o craque
da Copa? Precisamos de Copa? Precisamos de Neymar? Precisamos de Diego Costa?
Precisamos de Emerson Sheik? Ele beijou o amigo por coragem ou por brincadeira?
O que isso diz sobre nós? A torcida tolera homossexuais? Tolera homofobia?
Precisamos de exemplos? Precisamos de ídolos? Precisamos de herois? Precisamos
de mártires?
Faltam campos para tantas dúvidas? Caberão em
nossos estádios? Ou elas serão dizimadas pelas velhas certezas?
Haverá respostas melhores às perguntas?
Haverá perguntas melhores às respostas?
Aprenderemos a pensar melhor?
A desconfiar de tudo o que se publica?
A argumentar?
A debater?
Não sei. Mas a panela de pressão que as redes
e as ruas destamparam parece ter servido como um tiro no imobilismo. Somente
pedras passaram imunes, ou indiferentes, a qualquer uma dessas questões. Quem
passou as noites à procura de respostas amanheceu insone e atolado de
perguntas. É custoso, mas é melhor assim. Antes a luz do debate permanente do
que a letargia da janta-sobremesa-louça-sofá-e-novela-silêncio-escuridão.
Quanto a isso não existem duvidas. Ou existem?