Revoltas, Guerras, conflitos e movimentos sociais no Brasil
Guerras e conflitos ocorrem no mundo todo como resultado de confronto sujeito a interesses entre dois ou mais grupos distintos de indivíduos mais ou menos organizados.
No geral, as causas destes confrontos são complexas, são resultantes de um processo histórico, político, étnico ou religioso e cada vez mais culturais, e ocorrem normalmente por questões de invasão e ocupação de territórios ou questões envolvendo as riquezas e a delimitação de fronteiras.
Atualmente, a maioria dos conflitos que ocorrem no mundo tem origem interna, ou seja, é decorrente de guerras civis ou da luta entre forças militares e movimentos rebelde ou separatistas.
Guerra dos Canudos
A chamada Guerra de Canudos, revolução de Canudos ou insurreição de Canudos, foi o confronto entre um movimento popular de fundo sócio-religioso e o Exército da República, que durou de 1896 a 1897, na então comunidade de Canudos, no interior do estado da Bahia, no Brasil.
O episódio foi fruto de uma série de fatores como a grave crise econômica e social em que encontrava a região à época, historicamente caracterizada pela presença de latifúndios improdutivos, situação essa agravada pela ocorrência de secas cíclicas, de desemprego crônico; pela crença numa salvação milagrosa que pouparia os humildes habitantes do sertão dos flagelos do clima e da exclusão econômica e social.
Inicialmente, em Canudos, os sertanejos não contestavam o regime republicano recém-adotado no país; houve apenas mobilizações esporádicas contra a municipalização da cobrança de impostos. A imprensa, o clero e os latifundiários da região incomodaram-se com uma nova cidade independente e com a constante migração de pessoas e valores para aquele novo local passaram a acusá-los disso, ganhando, desse modo, o apoio da opinião pública do país para justificar a guerra movida contra o arraial de Canudos e os seus habitantes.
Aos poucos, construiu-se em torno de Antônio Conselheiro e seus adeptos uma imagem equivocada de que todos eram "perigosos monarquistas" a serviço de potências estrangeiras, querendo restaurar no país o regime imperial, devido, entre outros ao fato de o Exército Brasileiro sair derrotado em três expedições, incluindo uma comandada pelo Coronel Antônio Moreira César, também conhecido como "corta-cabeças" pela fama de ter mandado executar mais de cem pessoas na repressão à Revolução Federalista em Santa Catarina, expedição que contou com mais de mil homens. A derrota das tropas do Exército nas primeiras expedições contra o povoado apavorou o país, e deu legitimidade para a perpetração deste massacre que culminou com a morte de mais de seis mil sertanejos. Todas as casas foram queimadas e destruídas.
Canudos era uma pequena aldeia que surgiu durante o século 18 às margens do rio Vaza-Barris. Com a chegada de Antônio Conselheiro em 1893 passou a crescer vertiginosamente, em poucos anos chegando a contar por volta de 25 000 habitantes. Antônio Conselheiro rebatizou o local de Belo Monte, apesar de estar situado num vale, entre colinas.
A situação na região, à época, era muito precária devido às secas, à fome, à pobreza e à violência social. Esse quadro, somado à elevada religiosidade dos sertanejos, deflagrou uma série de distúrbios sociais, os quais, diante da incapacidade dos poderes constituídos em debelá-los, conduziram a um conflito de maiores proporções.
Povoação de Canudos, Bahia, Brasil.
A figura de Antônio Conselheiro
Antônio Vicente Mendes Maciel, apelidado de "Antônio Conselheiro", nascido em Quixeramobim (CE) a 13 de março de 1830, de tradicional família que vivia nos sertões entre Quixeramobim e Boa Viagem, fora comerciante, professor e advogado prático nos sertões de Ipu e Sobral. Após a sua esposa tê-lo abandonado em favor de um sargento da força pública, passou a vagar pelos sertões em uma andança de vinte e cinco anos. Chegou a Canudos em 1893, tornando-se líder do arraial e atraindo milhares de pessoas. Acreditava que era um enviado de Deus para acabar com as diferenças sociais e com a cobrança de tributos. Acreditava ainda que a "República" (então recém-implantada no país) era a materialização do reino do "Anti-Cristo" na Terra, uma vez que o governo laico seria uma profanação da autoridade da Igreja Católica para legitimar os governantes. A cobrança de impostos efetuada de forma violenta, a celebração do casamento civil, a separação entre Igreja e Estado eram provas cabais da proximidade do "fim do mundo".
A escravidão havia acabado poucos anos antes no país, e pelas estradas e sertões, grupos de ex-escravos vagavam, excluídos do acesso à terra e com reduzidas oportunidades de trabalho. Assim como os caboclos sertanejos, essa gente paupérrima agrupou-se em torno do discurso do peregrino "Bom Jesus" (outro apelido de Conselheiro), que sobrevivia de esmolas, e viajava pelo Sertão.
O governo da República, recém-instalado, queria dinheiro para materializar seus planos, e só se fazia presente pela cobrança de impostos. Para Conselheiro e para a maioria das pessoas que viviam nesta área, o mundo estava próximo do fim. Com estas idéias em mente, Conselheiro reunia em torno de si um grande número de seguidores que acreditavam que ele realmente poderia libertá-los da situação de extrema pobreza ou garantir-lhes a salvação eterna na outra vida.
Campanha militar
A primeira reação oficial do governo da Bahia deu-se em outubro de 1896, quando as autoridades de Juazeiro apelaram para o governo estadual baiano em busca de uma solução. Este, em novembro, mandou contra o arraial um destacamento policial de cem praças, sob o comando do tenente Manuel da Silva Pires Ferreira. Os conselheiristas, vindo ao encontro dos atacantes, surpreenderam a tropa em Uauá, em 21 de novembro, obrigando-a a se retirar com vários mortos. Enquanto aguardavam uma nova investida do governo, os jagunços fortificavam os acessos ao arraial.
Comandada pelo major Febrônio de Brito, em janeiro de 1897, depois de atravessar a serra de Cambaio, uma segunda expedição militar contra Canudos foi atacada no dia 18 e repelida com pesadas baixas pelos jagunços, que se abasteciam com as armas abandonadas ou tomadas à tropa. Os sertanejos mostravam grande coragem e habilidade militar, enquanto Antônio Conselheiro ocupava-se da esfera civil e religiosa.
Na capital do país, o governo federal ante este fato e a pressão de políticos florianistas que viam em Canudos um perigoso foco monarquista, assumiu a repressão, preparando a primeira expedição regular, cujo comando confiou ao coronel Antônio Moreira César. A notícia da chegada de tropas militares à região atraiu para lá grande número de pessoas, que partiam de várias áreas do Nordeste e iam em defesa do "homem Santo". Em 2 de março, depois de ter sofrido pesadas baixas, causadas pela guerra de guerrilhas na travessia das serras, a força, que inicialmente se compunha de 1.300 homens, assaltou o arraial. Moreira César foi mortalmente ferido e passou o comando para o coronel Pedro Nunes Batista Ferreira Tamarindo. Abalada, a expedição foi obrigada a retroceder. Entre os chefes militares sertanejos destacaram-se Pajeú, Pedrão, que depois comandou os conselheiristas na travessia de Cocorobó, Joaquim Macambira e João Abade, braço direito de Antônio Conselheiro, que comandou os jagunços em Uauá.
No Rio de Janeiro, a repercussão da derrota foi enorme, principalmente porque se atribuía ao Conselheiro a intenção de restaurar a monarquia. Jornais monarquistas foram empastelados e Gentil José de Castro, gerente de dois deles, assassinado. Em abril de 1897 então, providenciou-se a quarta e última expedição, sob o comando do general Artur Oscar de Andrade Guimarães, composta de duas colunas, comandadas pelos generais João da Silva Barbosa e Cláudio do Amaral Savaget, ambas com mais de quatro mil soldados equipados com as mais modernas armas da época. No decorrer da luta, o próprio ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, seguiu para o sertão baiano e se instalou em Monte Santo, base das operações.
O primeiro combate verificou-se em Cocorobó, em 25 de junho, com a coluna Savaget. No dia 27, depois de sofrerem perdas consideráveis, os atacantes chegaram a Canudos. Após várias batalhas, a tropa conseguiu dominar os jagunços, apertando o cerco sobre o arraial. Depois da morte de Conselheiro (supõe-se que em decorrência da desinteria), em 22 de setembro, parte da população de mulheres, crianças e idosos foi colocada à disposição das tropas federais, enquanto um último reduto resistia na praça central do povoado.
Em tal momento de rendição, há relatos de que foi instituída, suspeitadamente por oficiais de baixa patente do exército, o que se denominou de pena da "gravata vermelha" - execução sumária de prisioneiros já subjugados, que eram posicionados de joelhos e degolados. Estima-se que parte da população civil rendida, que ainda não havia sido dizimada pela fome e pelas doenças no arraial, e não somente os prisioneiros combatentes, tenha sido executada dessa forma por tropas federais, o que constituiu num dos maiores crimes já praticados em território brasileiro.
O arraial resistiu até 5 de outubro de 1897, quando morreram os quatro derradeiros defensores. O cadáver de Antônio Conselheiro foi exumado e a cabeça decepada a faca. No dia 6, quando o arraial foi arrasado e incendiado, o Exército registrou ter contado 5.200 casebres.
Consequências da Guerra dos Canudos
Antônio Conselheiro morto, na única foto conhecida.
O conflito de Canudos mobilizou aproximadamente doze mil soldados oriundos de dezessete estados brasileiros, distribuídos em quatro expedições militares. Em 1897, na quarta incursão, os militares incendiaram o arraial, mataram grande parte da população e degolaram centenas de prisioneiros. Estima-se que morreram ao todo por volta de 25 mil pessoas, culminando com a destruição total da povoação.
População sobrevivente do conflito em Canudos
Dica de filme e livro: A Guerra de Canudos foi imortalizada por Euclides da Cunha na sua obra Os Sertões, publicada em 1902, e que inspirou Mario Vargas Llosa a escrever seu romance "A Guerra do Fim do Mundo", 1980. Além disso, a guerra inspirou muitos filmes, entre eles o de longa-metragem Guerra de Canudos, de Sérgio Rezende, 1997.
http://www.sohistoria.com.br/ef2/canudos/p1.php