Renascimento:
do mundo fechado ao universo infinito
Galileu Galilei - Colocou contornos de ciência na
nova postura investigativa
De um modo geral, existiram duas formas de conceber
o homem, o conhecimento e o direito, baseadas em duas cosmologias ou visões de
mundo: a cosmologia antiga (gregos) e a cosmologia cristã (até certo ponto,
latina).
A cosmologia grega, em síntese, compreendia que o
mundo (o cosmos) era um todo organizado por diversos seres que faziam parte
desse todo. Todos os seres, inclusive o homem, estariam sujeitos a uma lei
natural imutável. Assim, todos os seres eram transitórios, tinham começo e fim,
menos o conjunto ou o composto, isto é, o cosmos em geral, que era imortal e
eterno. A natureza com suas leis e limites impõe-se às coisas e aos seres
humanos, sendo estas leis um conjunto de princípios ou ideias superiores,
imutáveis, estáveis, permanentes. A autoridade, então, provém da natureza e não
da vontade do homem, ser inserido na natureza.
Por outro lado, temos também a cosmologia cristã,
em que o homem é colocado no centro do mundo (antropocentrismo) porque é
considerado imortal. Esta condição permite ao homem se diferenciar dos outros
seres, sendo, pois, superior a eles. O homem foi feito à imagem e semelhança de
Deus e sua alma permanecerá viva após a morte e o juízo final. A teologia considera
os princípios do conhecimento e do direito também como naturais, já que
imutáveis e permanentes. Porém, sua fonte é a religião revelada. O Deus cristão
dá ao homem o poder de dominar o mundo segundo suas leis reveladas.
A noção de que o mundo (universo) é finito
prevalece em ambas as concepções, isto é, corresponde a um sistema fechado em
que a causa do movimento e da existência dos seres deve-se ou por imitar a
perfeição do primeiro motor (no caso dos gregos) ou por um ato voluntário de um
Deus que ama suas criaturas (para os cristãos). Dessa forma, à exceção de
Platão e dos pitagóricos que concebiam o mundo em caracteres matemáticos, a
compreensão da realidade sensível, antimatemática, não permitia compreender que
a Terra girava em torno do sol, e sim que ela estava parada no centro do
universo e que, ao contrário, o sol e os outros astros é que giravam em torno
dela. O movimento, tido não somente como deslocamento e translação, mas também
alteração e transformação qualitativa, implicava numa forma de conceber os
seres como afetados pelo movimento causado por forças externas. Assim, uma
semente transforma-se em árvore, pois é a potência que ela tem para
atualizar-se se quiser atingir a perfeição (imitando, portanto, a perfeição).
Deus é, então, causa dos seres e é nele ou dele que provém toda a verdade.
No entanto, por uma série de fatores de ordem
econômica, política, religiosa e cultural, muitas contradições levaram os
homens a um certo ceticismo. Estes, em confronto com os dogmáticos, ocuparam o
palco da discussão filosófica predominante nas recém-criadas universidades
(estabelecimentos oficiais de ensino). Ali parecia ser possível falar sobre
todas as coisas tendo como autoridades orientadoras a Bíblia, os santos (padres
canonizados) ou os filósofos que serviram como suporte para justificar a fé. Os
debates travados pareciam conter algo de realmente inteligível; no entanto, o
homem começou, por isso, a se afastar de si mesmo, de deus e do mundo em que
vivia, pois as conclusões dos raciocínios muitas vezes se chocavam com a
realidade (assim como a mitologia grega!). Era preciso que o homem desafiasse
as leis e as autoridades para buscar reconstruir seu quadro de referências,
visando substituir ou transformar seus conceitos sobre o mundo e sobre si mesmo.
A primeira destas transformações ocorreu com a
revolução copernicana. Nicolau Copérnico havia imaginado que a terra não estava
no centro do universo, mas que era preciso que o sol estivesse. Essa
transferência de modelos (do geocêntrico para o heliocêntrico) ainda foi
concebida compreendo o universo como um sistema fechado. Mas já aqui, os
cálculos astronômicos divergiam da mera opinião baseada nas sensações.
Outro importante pesquisador, Francis Bacon,
acreditava que deveríamos obter generalizações a partir da indução, isto é,
colecionando fatos particulares, abstrairíamos o universal e este permitiria
que os homens conhecessem a realidade dos objetos. Para isso, criou o que
chamamos de método científico experimental em que as hipóteses são baseadas não
numa adequação qualitativa entre palavra e coisa (sujeito e predicado), mas no
valor quantitativo atribuído à experiência dos objetos (empirismo).
No entanto, a mudança definitiva de postura
investigativa só ganhou contornos de ciência com Galileu Galilei. Este havia
pensado que o mundo estava escrito em caracteres matemáticos e que cabia ao
homem desvendar os mistérios da natureza. Para isso, era preciso pensar que o
conhecimento matemático se aplicasse às coisas, isto é, conhecemos as coisas
antes de experimentá-las. Significa dizer que é possível fazer ciência dedutiva
de hipóteses (método hipotético-dedutivo).
Galileu concebeu pela primeira vez o princípio da
inércia. Esse princípio compreende que um corpo só se movimenta em razão de uma
força externa que o desloca no espaço segundo um referencial. Da mesma forma,
este corpo permanece em repouso se o conjunto de forças atuantes em um corpo
resultarem, também em relação ao referencial, um deslocamento 0 (zero). Isto
significa, além da substituição do conceito de substância (aristotélico) pelo
de corpo (Galileu), que não há uma causa final do movimento (ou que pelo menos
não se pode conhecê-la). O que se pode fazer é descrever a translação dos
corpos em relação a um ponto de referência, o que torna o movimento relativo.
Um corpo, por si só, não age por força interna. Sempre se efetua o movimento
por uma força externa que o faz deslocar no espaço geométrico. E para isso, é
preciso conceber o universo como sendo um sistema aberto ou infinito de forças.
Mas, mesmo essa aplicação da matemática ao modelo
experimental, não foi suficiente para justificar a relação entre sujeito e
objeto, relação que garantiria a certeza da verdade científica. Não bastava a
prática de Galileu, era necessária a teoria de Descartes.