A
pátria que deseduca
A
língua portuguesa é achincalhada por presidentes, governadores – e a população
em geral
A
quem interessa um povo que não sabe raciocinar, não sabe ler, não sabe
escrever, não sabe argumentar? A ninguém, apenas a ditadores. Por isso, até em
benefício próprio, para marcar seu nome na História, a presidente Dilma
Rousseff escolheu um slogan apropriado para seu segundo mandato: “Brasil,
pátria educadora”. Ela ainda não sabia que o resultado do Enem (Exame Nacional
do Ensino Médio) de 2014 mostraria o fracasso de seu primeiro mandato na
Educação, quando teve três ministros na Pasta. Mais de meio milhão de jovens
tirou nota zero na redação – cuja nota máxima era 1.000.
A
palavra para definir a nota zero da redação, nessa escala, é “catástrofe”. De
2013 para 2014, o número de zeros na dissertação do Enem quase quintuplicou.
Não relativizem o resultado. Uns dizem que o tema “ética na publicidade
infantil” era difícil. Outros, que os corretores foram rigorosos demais. Ainda
há os que não acham importante uma dissertação no Enem. O ministro da Educação,
Cid Gomes, minimiza a queda nas notas de português e matemática: “O que é
importante é a média. Na média, menos 1% está na margem de erro”. A média é um
recurso medíocre para justificar o injustificável. Quando viu o resultado pior
dos alunos de escolas estaduais, Cid Gomes admitiu: “Não dá para fugir,
camuflar ou tentar dizer que o ensino público é bom. O ensino público
brasileiro está muito aquém do desejável”.
O
vexame não surpreende a quem vive da palavra escrita e oral. A língua
portuguesa é achincalhada por nossos presidentes, ministros, governadores,
senadores, deputados, executivos, empresários e, claro, pela população em
geral. Ortografia, concordância e regência verbal erradas, vocabulário pobre e
ausência de um pensamento coerente. Não é preciso ir à Europa para encontrar
povos que se expressam direito em sua língua materna. Basta ir à Argentina. Com
toda a crise de nossos hermanos e a decadência de suas universidades, ali está
um povo articulado, que sabe ler e escrever, e tem um raciocínio com começo,
meio e fim. Não há analfabetos funcionais concluindo o ensino médio.
O
que aconteceu no Enem de 2014? Ao todo, 8,7 milhões de alunos da última série
do ensino médio inscreveram-se no concurso. Mas só 6,2 milhões apareceram no
exame. A nota máxima de cada prova é 1.000. Só 250 tiraram a nota máxima na
redação e 529.374 alunos tiraram zero. Desses, 280.903 entregaram a prova em
branco porque não faziam a menor ideia de nada. Dos outros zeros, 217.300
fugiram do tema (talvez inspirados em nossos políticos, que fazem o mesmo nos
debates), 13 mil copiaram o texto motivador, 7.800 escreveram menos de sete
linhas, 3.300 incluíram textos desconectados, 955 ofenderam os direitos
humanos. A média em matemática também ficou abaixo da metade, 476,6 pontos. No
meu tempo, abaixo de 5 significava reprovação. Mas “reprovação” virou tabu na
pátria do PT, desde Lula, que nunca achou grande coisa saber português ou
gostar de ler.
Em
artigo para o jornal O Globo, a filósofa Tânia Zagury diz: “Só de ouvir falar
em reforma na educação, eu me arrepio”. Após mais de 40 anos de trabalho na
área, ela afirma que cada programa reativa o que foi banido, joga no lixo as
cartilhas, abandona boas ideias, mas mantém algo sempre: a queda da qualidade
no ensino. A última “revolução” foi a “progressão continuada”, o que,
traduzindo em bom português, significa aprovação automática. Para “camuflar” a
repetência no 1o ano e evitar evasão escolar. A repetência aumentou no 6o ano,
quando acabava a aprovação automática. O que foi feito para resolver “o
probrema”? Os professores são pressionados a não reprovar. “Teria sido lindo
aprovar todo mundo se não tivesse sido à custa do saber”, diz Tânia. Todos se
formam, ficam felizes, o governo de Dilma ainda mais porque exibe estatísticas
infladas. E não se aprofunda nenhum conhecimento.
Esse
não é um destino inescapável. Slogans e discursos não bastam para educar
crianças e jovens. Menos roubo e desvios na verba para escolas, uma gestão
responsável e focada no ensino fundamental, base de tudo, a valorização do
professor em salário e autoridade e maior participação da família. A receita é
conhecida. O Brasil só não a adotará se houver a intenção oficial de tirar
proveito de um povo sem instrução. Escolas não são fábricas. Dói imaginar que o
objetivo seja formar cidadãos que não pensem, não leiam, não escrevam, não
critiquem. Uma triste linha de montagem destinada a ser manipulada.
O
resultado da falta de educação é, além do subemprego, essa multidão de menores
carentes que depredam ônibus, assaltam e matam, rindo, sem dar valor ao
patrimônio e à vida. Por enquanto, o Brasil é uma pátria que deseduca.