EDUCAÇÃO
A volta do nazismo? Por
que livro de Hitler virou best-seller após 70 anos de proibição
Pouco antes de o livro de Adolf Hitler entrar em domínio
público, no ano passado, a Alemanha se deparou com o dilema sobre como lidar
com os escritos do homem que está no centro do capítulo mais sombrio da
história do país.
Nos 70 anos anteriores, o Ministério das Finanças do Estado da
Baviera manteve o controle sobre os direitos autorais da obra - e, assim,
impediu a republicação da notória obra antissemita Mein Kampf (Minha Luta) na
Alemanha.
A Alemanha tinha como opção de seguir o caminho mais liberal
adotado nos EUA, no Reino Unido, Canadá e Israel, que deixam a sociedade civil
lidar com o Mein Kampf . Outra opção era fazer como a Áustria e outros países
no passado, proibindo o livro de Hitler.
Mas a Alemanha rejeitou ambas as opções e optou por uma
abordagem altamente paternalista.
O que é o Mein Kampf?
O livro "Mein
Kampf" (Minha Luta), por Adolf Hitler, exposto no Museu Histórico Alemão,
em Berlim, em outubro de 2010.
1. Publicado originalmente em 1925 - oito anos antes da chegada
de Hitler ao poder.
2. Editado pelo vice-líder de Hitler, Rudolf Hess, o livro
aborda sua ideologia política.
3. Inclui os futuros planos dele para o país, como o Lebensraum
, a necessidade de colonizar territórios vizinhos para permitir que a Alemanha
alcançasse seu potencial de forma plena.
4. O direito autoral sobre a obra, após a Segunda Guerra
Mundial, foi dado ao Estado da Baviera, que se recusou a permitir a
republicação do livro por temer seu poder de incitar ódio.
5. O livro caiu em domínio público no fim de 2015 e a nova
edição vendeu milhares de cópias.
A edição 1941 do livro de
Adolf Hitler está na biblioteca do Museu Histórico Alemão, que fica em Berlim.
O Estado da Baviera deu meio milhão de euros para o Instituto de
História Contemporânea (IfZ, na sigla em alemão), com sede em Munique e
parcialmente controlado pelo governo, para produzir uma edição crítica
comentada do livro de Hitler.
Ao mesmo tempo, disse que processaria qualquer pessoa que
publicasse edições não comentadas. Mas depois, em uma reviravolta, o governo da
Baviera deu a entender que havia retirado o apoio financeiro para a edição
comentada, deixando o IfZ sozinho no centro da polêmica.
Estratégia fracassada
Enquanto a data limite de janeiro de 2016 se aproximava, e, com
ela, a publicação da nova versão do Mein Kampf , o instituto de Munique e
autoridades do governo começaram a manifestar preocupação com possíveis
consequências do lançamento.
O instituto disse, na época, que seria perigoso se o Mein Kampf
se tornasse um best-seller na Alemanha.
Mas, ao mesmo tempo, ele garantia ao público que isso nunca
aconteceria. O diretor do instituto, Andreas Wirsching, declarou que seria irresponsável
liberar o Mein Kampf para publicação sem comentários, porque neste caso todo
mundo poderia fazer o que quisesse com o livro de Hitler.
O IfZ produziu uma edição de pouco apelo comercial, pesando 5,4
kg, incluindo 3.700 notas de rodapé e mais parecendo um tratado acadêmico.
Até especialistas consideraram a leitura é extremamente tediosa.
Por várias semanas foi quase impossível achá-lo nas livrarias,
já que o instituto havia optado por fazer uma edição inicial com tiragem
baixíssima. E mesmo as edições impressas demoraram - estranhamente - a chegar
às lojas.
Mesmo assim, a abordagem paternalista defendida pelo instituto
de Munique e autoridades alemãs fracassou completamente na tentativa de impedir
que o Mein Kampf se tornasse um best-seller.
Hitler escreveu o livro enquanto era um prisioneiro na Alemanha
em 1920.
Primeira posição
O máximo que conseguiram foi adiar o aparecimento do livro de
Hitler na lista de mais vendidos da Alemanha.
O interesse do público parece na verdade ter aumentado, de forma
desnecessária, nesta tentativa de ocultar o livro, que manteve viva sua aura do
"obra proibida".
Pelo meio de abril, o Mein Kampf havia chegado aos primeiros
lugares da famosa lista de best-sellers da Spiegel , onde ficou por várias
semanas.
Até agora ele está lá, na 14ª posição, apesar de muitas
livrarias não terem o livro à mostra e outras só venderem sob encomenda.
A abordagem pode ter falhado mas, pelo visto, a preocupação com
as possíveis consequências do livro de Hitler também se mostraram infundadas.
Não há sinais de que as pessoas que compram o livro o estejam
fazendo por outra razão senão curiosidade e interesse genuíno.
Também não há nenhuma razão para pensar que, em um ano, mais ou
menos, esta primeira empolgação com todo o caso tenha desaparecido, e o Mein
Kampf seja mais popular na Alemanha do que na Inglaterra ou nos EUA.
Muitos devem se perguntar, como eu mesmo o fiz em um texto para
o jornal alemão Die Welt , se não teria sido melhor seguir a abordagem liberal
do mundo anglo saxônico, em vez do tratamento paternalista que desconfia da
sociedade civil.
Na verdade, alguém poderia até questionar se o sucesso de Mein
Kampf - e o fato e ele levar os alemães a se engajar com seu passado - é tão
ruim assim, em um momento em que políticos do mundo todo são constantemente
comparados a Hitler e que ressurge um populismo parecido com os dos anos 1920.
O medo expresso na Alemanha e em outros lugares, claro, é de que
o livro possa dar início a uma nova onda de antissemitismo e que permita o
fortalecimento da direita radical.
A preocupação cresceu com o anúncio da editora de extrema-direita
alemã Schelm de que publicaria uma versão de Mein Kampf sem comentários. O
Estado da Baviera pediu a promotores que processassem a editora.
O anúncio da Schelm deve ser visto como uma jogada de marketing,
assim como a decisão, anunciada na semana passada, do jornal italiano Il
Giornale de distribuir cópias gratuitas do livro de Hitler.
Mas esses lances só se tornam possíveis porque o governo da
Baviera decidiu impedir publicações do livro por 70 anos e é improvável que
tenham um efeito duradouro.
Neonazistas e seus simpatizantes tinham acesso fácil ao livro
pela internet por anos e, por isso, é improvável que sejam afetados pelo volta
do Mein Kampf impresso.
Na verdade, não há correlação entre a forma com que os países
lidaram com o livro no passado e a força de movimentos extremistas nesses
locais.
Pode-se argumentar que o perigo está em outro lugar: que é o
paternalismo da abordagem alemã na republicação de Mein Kampf , mais do que o
livro em si, que está fortalecendo o populismo de direita.
Como o intelectual alemão Nils Minkmar alertou na Der Spiegel ,
a arrogância cultural e a "soberba em relação a classes menos
educadas" está levando à "alienação das classes baixas da sociedade
liberal", e assim ao reaparecimento do populismo de direita no país que
Hitler uma vez liderou.
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