A diferença entre
liberal, conservador e reacionário
“Reacionários
não são conservadores. Essa é a primeira coisa a entender sobre eles”, afirma
Mark Lilla, no recém-lançado The shipwrecked mind: on political reaction.
Falar
em “revanche da direita” se tornou o maior lugar-comum da análise política
contemporânea. A saída do Reino Unido da União Europeia, a ascensão de
populistas e fascistas naquele continente, a irrupção de Donald Trump nos
Estados Unidos e até a derrocada do PT no Brasil costumam ir para o mesmo
balaio, que ainda atribui a crise econômica ao fracasso da globalização, das
elites, das grandes corporações e da “mídia”.
Rótulos como “neoliberal”,
“conservador” ou “reacionário” são usados para qualificar tudo o que entra
nesse balaio – como se fossem sinônimos. A tal “direita” reúne gente tão díspar
quanto Gustavo Franco, Silas Malafaia ou Jair Bolsonaro.
Verdade que os três se
opõem, cada um a seu modo, ao socialismo. Mas a semelhança acaba aí. Que
significado podem ter categorias como “direita” ou “esquerda”, usadas em
contexto ora econômico, ora político, ora religioso, ora comportamental?
Elas
se tornaram tão vagas e imprecisas que desnaturaram. Na prática, é impossível
entender a política usando termos tão abrangentes. No Brasil, apenas agora o
espaço reservado à “direita”, maculado pela ditadura militar, começa a ser
ocupado de modo explícito.
Na Europa e nos Estados Unidos, tal terreno passou a
abrigar o nacionalismo populista dos “perdedores da globalização”, o resgate de
valores religiosos e comunitários esquecidos pelo discurso
científico-tecnológico e a rebelião contra imigrantes e grupos identitários,
reunidos sob a alcunha genérica de “tirania do politicamente correto”. Emergiu
dessa mistura uma figura que andava adormecida: o reacionário.
“Reacionários
não são conservadores. Essa é a primeira coisa a entender sobre eles”, afirma o
historiador Mark Lilla, da Universidade Colúmbia, no recém-lançado The
shipwrecked mind: on political reaction (A mente náufraga: sobre a reação
política). “Eles são, a seu modo, tão radicais quanto os revolucionários e tão
firmemente presas de imagens históricas.”
Enquanto o revolucionário busca a
redenção numa ordem ideal futura, trazida pela destruição das estruturas em
vigor, o reacionário a encontra num passado idílico, perdido por culpa da
traição de intelectuais, jornalistas, políticos – em suma, das elites. O
revolucionário é movido pela esperança numa idade das luzes; o reacionário,
pelo medo de uma era de trevas.
Enquanto a esperança pode ser frustrada,
escreve Lilla, “a nostalgia é irrefutável”. Daí o apelo da mentalidade
reacionária num período de frustração e esperanças perdidas. A “nova reação”
saiu das redes sociais para as ruas e para as urnas, do vitupério escatológico
de pregadores digitais para os atentados terroristas do Estado Islâmico, dos
memes racistas e antissemitas da “alt-right” para o comando da candidatura
Trump.
“Islamistas políticos, nacionalistas europeus e a direita americana
contam a seus filhos ideológicos essencialmente a mesma história”, diz Lilla.
“A mente do reacionário é uma mente náufraga. Onde outros veem o rio do tempo
fluir como sempre fluiu, o reacionário vê os restos do paraíso passar diante de
seus olhos.”
Houve,
no século XX, duas respostas antagônicas às revoluções da esquerda. De um lado,
a escola austríaca, de Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, alertava para o
risco representado pelo Estado à liberdade individual. Acreditavam no progresso e na razão.
Suas
ideias estão, em versões mais ou menos extremas, na alma dos liberais
contemporâneos (chamados “libertários” nos Estados Unidos, onde o adjetivo
“liberal” tem outra conotação). De outro lado, pensadores como Eric Voegelin e Franz
Rosenzweig criticavam a perda de referências no mundo moderno.
Deram voz tanto
ao sentimento conservador (que busca “conservar” valores culturais, religiosos
e familiares) quanto ao apelo reacionário (que busca voltar a um passado
anterior não apenas à fantasia marxista, mas até ao Iluminismo e ao
Renascimento, conspurcadores da comunhão com o divino).
O
personagem mais influente na política recente, diz Lilla, foi outro: o filósofo
Leo Strauss. Ele promoveu o improvável casamento de ideias liberais e
conservadoras, entre a liberdade individual e o sentimento religioso, expurgado
da poeira reacionária.
São filhos intelectuais de Strauss a National Review de
Ronald Reagan e os “neocons” de George W. Bush. Nada mais distante dele que
Trump. Onde Reagan trazia otimismo com o futuro (“é sempre manhã na América”),
Trump quer voltar ao passado (“torne a América grande de novo”).
Com erudição,
Lilla ajuda a entender essa e outras diferenças no balaio da “direita”.
Fundamental, aqui no Brasil, para quem se diz de “esquerda” e ainda confunde
liberais, conservadores e reacionários. E também para quem se reúne sob a tenda
crescente da “nova direita”. A estes, o livro de Lilla traz ainda um alerta: cuidado
com quem você vai para cama, ou pode acordar ao lado de um monstro.