A TENTATIVA DE CÍLON
Qualquer que seja sua origem, o fato é que essa família pertencia ao grupo dos
eupátridas, "nobres" que partilhavam as funções que garantiam a
direção dos negócios da cidade, e cuja linha de frente era formada pelo
arcontado. No relato que compõe a primeira parte da Constituição de Atenas, o
autor, Aristóteles ou um de seus discípulos, conta que o arcontado derivara da
divisão do poder real primitivo para se tornar uma magistratura, a princípio,
vitalícia, depois, concedida por dez anos, tornando-se, finalmente, anual.
Assim, a cada ano designavam-se três arcontes*: o rei, encarregado
principalmente dos assuntos religiosos, o polemarco*, comandante supremo do
exército, e o arconte epônimo, que dava seu nome ao ano e presidia o Conselho
do Areópago*, formado de ex-arcontes. Aos três arcontes dos primeiros tempos
acrescentaram-se, posteriormente, seis tesmotetas*, guardiões das thesmoi, as
regras comuns.
Foi como arconte que o primeiro alcmeônida conhecido historicamente, Mégacles,
veio a desempenhar um papel importante. O período de seu arcontado situa-se no
último terço do século VII, sem que se possa precisar melhor (636/635; 632/631;
628/627; 624/623?). Como muitas cidades gregas, Atenas passava então por uma
crise que se relacionava, pelo menos do que se depreende dos relatos
posteriores, com o fenômeno do monopólio das melhores terras e, no caso de
Atenas, o endividamento de uma parte do campesinato. Como aconteceu em
determinadas cidades, aqueles que buscavam tomar o poder procuraram tirar
vantagem dessa crise. Daí o desenvolvimento da tirania no curso do século VI.3
Mencionou-se a dos Ortagóridas de Sicione. Poder-se-iam citar também os
Cipsélidas de Corinto ou ainda um certo Teágenes de Mégara. Foi justamente com
o apoio desse Teágenes, de quem era genro, que Cílon, que fora o vencedor em
Olímpia e gozava de grande prestígio em função dessa vitória, tentou
assenhorear-se de Atenas, apoderando-se da Acrópole. Heródoto (V, 71) fala
somente de tentativa, mas o relato de Tucídides, muito mais completo, dá a
entender que Cílon não apenas se apoderou da Acrópole, mas também resistiu a um
longo cerco. Os atenienses, convocados pelo arconte, vieram em massa dos campos
para tentar desalojá-los, ele e seus sequazes.
Com o passar do tempo, os atenienses ficaram cansados do sítio e muitos deles
foram embora, passando a guarda aos nove arcontes, aos quais deram também
plenos poderes para resolver o caso como melhor lhes parecesse [naquele tempo,
com efeito, os nove arcontes tinham em suas mãos a maior parte da administração
pública]. Cílon e seus homens, sitiados como estavam, encontravam-se numa
situação difícil, porque lhes faltavam água e víveres. Cílon e seu irmão
conseguiram escapar. Os outros, porém, desesperados, alguns até morrendo de
fome, instalaram-se como suplicantes no altar da Acrópole. Os atenienses encarregados
da guarda do templo, vendo que eles morriam no santuário, obrigaram-nos a sair:
tiraram-nos de lá com a promessa de não lhes fazer mal, depois os mataram; no
trajeto, houve alguns que se puseram ao lado das Deusas Veneráveis e foram
executados. Por aquele ato, tanto os encarregados da guarda quanto os seus
descendentes foram declarados malditos e pecadores contra a deusa (I, 126,
8-11).
O relato de Tucídides, da mesma forma que o de Heródoto, não faz referência
nominal aos Alcmeônidas. Mas tanto um quanto outro, considerados em seu
contexto, não deixam margem a nenhuma dúvida. Heródoto situa o seu logo depois
de expor as reformas de Clístenes e a petição, formulada pelo rei espartano
Cleômenes, chamado por Iságoras, para que os "impuros" fossem expulsos
de Atenas (V, 70). Quanto a Tucídides, ele explica, no relato da tentativa de
Cílon, a exigência dos lacedemônios, às vésperas da eclosão da guerra do
Peloponeso, de que os atenienses "afastem a desonra cometida contra a
Deusa", aqueles lacedemônios que "sabiam que Péricles, filho de
Xantipo, estava implicado na maldição pelo lado materno" (I, 127, 1).
Somente Plutarco, em sua Vida de Sólon (XII, 1), cita o arconte Mégacles como
sendo, junto com os outros arcontes, responsável pelo sacrilégio cometido
contra os sequazes de Cílon. Mas, nessa mesma Vida de Sólon (XII, 1), Plutarco,
baseando-se nos arquivos do santuário de Delfos, lembra que o estratego que
comandava o contingente ateniense quando da primeira guerra sagrada era
Alcmêon. A primeira guerra sagrada para defender o santuário de Delfos teria
ocorrido no começo do século VI, e esse Alcmêon seria o filho de Mégacles. O
que nos permite supor que o exílio dos "sacrílegos" foi relativamente
breve. No entanto, esse mesmo Alcmêon também iria inaugurar uma política de
aliança com Delfos, que não deixaria de ter consequências para os Alcmeônidas.