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A Evolução Criadora – H. Bergson (trecho
sobre a negação
Para
começar pelo segundo ponto, notemos que negar consiste sempre em afastar uma
afirmação possível. A negação é só uma atitude tomada pelo espírito face a
uma afirmação eventual. Quando digo: esta mesa é negra, é sim da mesa que
falo: eu a vi negra, e meu juízo traduz o que vi. Mas se digo esta mesa não é
branca, não exprimo seguramente alguma coisa que percebi, por que vi negro e
não uma ausência de branco. Não é, pois, no fundo, a respeito da própria mesa
que faço esse juízo, mas, antes, sobre o juízo que a declararia branca. Julgo
um juízo e não a mesa. A proposição esta mesa não é branca implica que você
poderia acreditá-la branca, que você acreditaria que é tal, ou que eu iria
acreditá-la como tal: eu o previno, ou advirto a mim mesmo, de que esse juízo
deve ser substituído por um outro (que deixo, é verdade, indeterminado).
Assim, enquanto a afirmação se refere diretamente à coisa, a negação visa a
coisa só indiretamente, através de uma afirmação interposta. Uma proposição
afirmativa traduz um juízo referido a um objeto; uma proposição negativa
traduz um juízo referido a um juízo. A negação difere pois da afirmação
propriamente dita por ser uma afirmação de segundo grau: afirma alguma coisa
de uma afirmação que afirma alguma coisa de alguma coisa de objeto.
Mas se segue primeiro daí que a negação não é o fato de um puro espírito,
quero dizer, de um espírito separado de todo o móvel, posto em face dos
objetos e só querendo tratar deles. Quando se nega, faz-se a lição para os
outros ou para si mesmo. Atacamos um interlocutor, real ou possível, que se
engana e que prevenimos. Ele afirmava alguma coisa: prevenimo-lo de que
deverá afirmar outra coisa (sem especificar, contudo, a afirmação que seria
preciso substituir a primeira). Não há mais simplesmente então uma pessoa e
um objeto em presença um do outro, há em face do objeto, uma pessoa falando
com uma pessoa, combatendo e ajudando-a, ao mesmo tempo; há um começo de
sociedade. A negação visa alguém, e não somente, como a pura operação
intelectual, alguma coisa. É de essência pedagógica e social. Corrige ou,
antes, adverte a pessoa advertida e corrigida, podendo, aliás, ser, por uma
espécie de desdobramento, a mesma que fala.
Eis quanto ao segundo ponto. Chegamos ao primeiro. Dizíamos que a negação não
é nunca senão a metade de um ato intelectual do qual se deixa a outra metade
indeterminada. Se enuncio o proposição negativa esta mesa não é branca,
entendo por isso que você deve substituir seu juízo a mesa é branca por outro
juízo. Eu lhe faço uma advertência e a advertência se refere a uma
necessidade de uma substituição. Quanto ao que você deve substituir por sua
afirmação, não lhe digo nada, é verdade. Talvez porque ignore a cor da mesa,
mas é também, mas é mesmo mais porque a cor branca é a única que nos interessa
no momento e, então, eu tenho simplesmente que lhe anunciar que outra cor
deverá substituir a branca, sem ter que lhe dizer qual.. Um juízo negativo é
pois um juízo que indica que se trata de substituir um juízo afirmativo, não
estando aliás especificada a natureza desse segundo juízo, as vezes porque o
ignoramos, o mais das vezes porque não oferece interesse atual, com a tenção
se referindo só a matéria do primeiro.
Assim, todas as vezes que uno um não a uma afirmação, todas as vezes que
nego, cumpro dois atos bem determinados: 1º interesso-me pelo que um dos meus
semelhantes afirma, ou por aquilo que ele ia dizer, ou por aquilo que teria
podido dizer um outro eu que previno: 2º anuncio que uma segunda afirmação,
cujo conteúdo não especifico, deverá substituir aquela que acho diante de
mim. Mas nem em um nem no outro desses dois atos encontraremos coisa diversa
da afirmação. O caráter sui generis da negação vem da superposição do
primeiro ao segundo. É pois em vão que se atribuiria a negação o poder de
criar ideias sui generis, simétricas as que a afirmação criou e dirigidas em
sentido contrário. Nenhuma ideia sairá dela, por que não tem outro conteúdo
senão o do juízo afirmativo que ela julga.
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