terça-feira, 24 de abril de 2012

Viva a sabedoria...



Razão e Revolução, de Herbert Marcuse (sobre Filosofia Política)

A teoria do direito de Hegel se ajusta claramente às tendências progressistas da sociedade moderna. Antecipando desenvolvimentos posteriores da jurisprudência. Hegel rejeita todas as doutrinas que situam o direito no âmbito da decisão judicial, em lugar de o situar na universalidade da lei, e critica ponto de vista que fazem dos juízes permanentes legisladores, ou entregam ao seu discernimento a decisão final de uma questão. (86). No temo de Hegel as forças sociais que estavam no poder não tinham ainda chegado admitir que a universalidade abstrata abstrata da lei, como também outros fenômenos do liberalismo, interferia com seus desígnios, havendo necessidade de um instrumento de governo mais direto e eficiente. O conceito hegeliano de lei se adapta à fase mais primitiva da sociedade civil, àquele caracterizada pela competição entre indivíduos mais ou menos dotados do ponto de vista material, cada um constituindo um fim em si... e as outras pessoas meios para obtenção dos fins de cada um. (87) Dentro deste sistema, diz Hegel, mesmo o interesse comum, o universal, surge como um meio.

Tal é o esquema social de que se originou a sociedade civil. O esquema não se pode perpetuar, a não ser que harmonize os interesses antagônicos que o constituem, em uma forma que seja mais racional e calculável que as operações de mercado que o governam. A competição irrestrita requer um mínimo de proteção equivalente para os competidores e garantia digna de fé para contratos e serviços. Este mínimo de harmonia e integração, entretanto, só pode ser alcançado se se fizer abstração da existência concreta de cada individuo e das suas diferenças. O direito não trata de determinações específicas do homem. Seu fim não é promover e proteger o homem com respeito às suas necessidades e intenções e esforços específicos (como por exemplo, sua sede de conhecimento, ou sua vontade de preservar a vida, a saúde, etc.)




A Evolução Criadora – H. Bergson (trecho sobre a negação

Para começar pelo segundo ponto, notemos que negar consiste sempre em afastar uma afirmação possível. A negação é só uma atitude tomada pelo espírito face a uma afirmação eventual. Quando digo: esta mesa é negra, é sim da mesa que falo: eu a vi negra, e meu juízo traduz o que vi. Mas se digo esta mesa não é branca, não exprimo seguramente alguma coisa que percebi, por que vi negro e não uma ausência de branco. Não é, pois, no fundo, a respeito da própria mesa que faço esse juízo, mas, antes, sobre o juízo que a declararia branca. Julgo um juízo e não a mesa. A proposição esta mesa não é branca implica que você poderia acreditá-la branca, que você acreditaria que é tal, ou que eu iria acreditá-la como tal: eu o previno, ou advirto a mim mesmo, de que esse juízo deve ser substituído por um outro (que deixo, é verdade, indeterminado). Assim, enquanto a afirmação se refere diretamente à coisa, a negação visa a coisa só indiretamente, através de uma afirmação interposta. Uma proposição afirmativa traduz um juízo referido a um objeto; uma proposição negativa traduz um juízo referido a um juízo. A negação difere pois da afirmação propriamente dita por ser uma afirmação de segundo grau: afirma alguma coisa de uma afirmação que afirma alguma coisa de alguma coisa de objeto.

Mas se segue primeiro daí que a negação não é o fato de um puro espírito, quero dizer, de um espírito separado de todo o móvel, posto em face dos objetos e só querendo tratar deles. Quando se nega, faz-se a lição para os outros ou para si mesmo. Atacamos um interlocutor, real ou possível, que se engana e que prevenimos. Ele afirmava alguma coisa: prevenimo-lo de que deverá afirmar outra coisa (sem especificar, contudo, a afirmação que seria preciso substituir a primeira). Não há mais simplesmente então uma pessoa e um objeto em presença um do outro, há em face do objeto, uma pessoa falando com uma pessoa, combatendo e ajudando-a, ao mesmo tempo; há um começo de sociedade. A negação visa alguém, e não somente, como a pura operação intelectual, alguma coisa. É de essência pedagógica e social. Corrige ou, antes, adverte a pessoa advertida e corrigida, podendo, aliás, ser, por uma espécie de desdobramento, a mesma que fala.

Eis quanto ao segundo ponto. Chegamos ao primeiro. Dizíamos que a negação não é nunca senão a metade de um ato intelectual do qual se deixa a outra metade indeterminada. Se enuncio o proposição negativa esta mesa não é branca, entendo por isso que você deve substituir seu juízo a mesa é branca por outro juízo. Eu lhe faço uma advertência e a advertência se refere a uma necessidade de uma substituição. Quanto ao que você deve substituir por sua afirmação, não lhe digo nada, é verdade. Talvez porque ignore a cor da mesa, mas é também, mas é mesmo mais porque a cor branca é a única que nos interessa no momento e, então, eu tenho simplesmente que lhe anunciar que outra cor deverá substituir a branca, sem ter que lhe dizer qual.. Um juízo negativo é pois um juízo que indica que se trata de substituir um juízo afirmativo, não estando aliás especificada a natureza desse segundo juízo, as vezes porque o ignoramos, o mais das vezes porque não oferece interesse atual, com a tenção se referindo só a matéria do primeiro.

Assim, todas as vezes que uno um não a uma afirmação, todas as vezes que nego, cumpro dois atos bem determinados: 1º interesso-me pelo que um dos meus semelhantes afirma, ou por aquilo que ele ia dizer, ou por aquilo que teria podido dizer um outro eu que previno: 2º anuncio que uma segunda afirmação, cujo conteúdo não especifico, deverá substituir aquela que acho diante de mim. Mas nem em um nem no outro desses dois atos encontraremos coisa diversa da afirmação. O caráter sui generis da negação vem da superposição do primeiro ao segundo. É pois em vão que se atribuiria a negação o poder de criar ideias sui generis, simétricas as que a afirmação criou e dirigidas em sentido contrário. Nenhuma ideia sairá dela, por que não tem outro conteúdo senão o do juízo afirmativo que ela julga.

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