Escândalos dentro de escândalos
O noticiário sobre o escândalo que
tem como protagonistas principais o senador Demóstenes Torres e o “empresário”
de jogos viciados Carlos Augusto de Almeida Ramos, conhecido como “Carlinhos
Cachoeira”, começa a derivar perigosamente para uma queda de braço entre a
chamada grande imprensa e alguns representantes do Partido dos Trabalhadores.
Nas primeiras páginas de quinta-feira
(10/5), os principais jornais do país apostam numa disputa entre o
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e os réus do processo conhecido
como “mensalão”, como pano de fundo das ações de parlamentares na investigação
do caso Cachoeira.
Trata-se de uma situação inusitada e
com potencial para desfechos surpreendentes. Ao acusar o procurador-geral de se
haver omitido em 2009, quando Carlos Cachoeira foi citado em uma operação da
Polícia Federal na qual já apareciam sinais do envolvimento de políticos,
alguns parlamentares estariam, segundo Gurgel, tentando reduzir as
responsabilidades dos acusados no caso “mensalão”.
Papel da imprensa. Se demonstrado que o procurador
prevaricou numa das etapas do processo que transforma em corréus o senador
Demóstenes Torres e o bicheiro Cachoeira, a acusação ficaria enfraquecida
também no caso “mensalão”. Esse é o raciocínio que a imprensa oferece aos seus
leitores. Mas há outra hipótese em construção nos bastidores do caso: o que os
representantes do partido governista querem demonstrar é que tudo estaria
intrincadamente misturado, ou seja, não há um caso “mensalão”, mas uma grande
conspiração cujo principal articulador e financiador seria o bicheiro Carlos
Cachoeira.
O ponto de partida seria o escândalo
original do “mensalão”, no qual um assessor do então ministro José Dirceu,
Waldomiro Diniz, foi apanhado cobrando propina do bicheiro. A gravação da cena,
que foi parar em mãos de um editor da revista Veja, e daí para o resto
da imprensa, teria sido uma “armação” do bicheiro já em conluio com Demóstenes
Torres. A partir daí teria sido montado o enredo conhecido como “mensalão”, ou
uma suposta rede de pagamento mensal de propinas para estimular os votos
favoráveis de parlamentares em questões de interesse do governo.
Essa tese provoca tensões no Supremo
Tribunal Federal, onde alguns ministros deixam escapar certo desânimo com
relação ao conjunto de provas contra os principais acusados do “mensalão”. Por
outro lado, o procurador-geral da República insiste que as provas são
consistentes e que esse seria o motivo dos ataques que vem sofrendo por parte
de representantes da base aliada no Congresso. No meio de tudo isso é preciso
observar o papel da imprensa, que há muito tempo deixou de ser uma espectadora
isenta e se transformou também em parte do processo.
Fonte privilegiada. Inicialmente, a mídia jogou o papel
de porta-voz dos acusadores no caso “mensalão”, ampliando e dirigindo os
debates públicos de modo a consolidar a interpretação geral de que houve um
esquema de compra de votos no governo anterior.
Mas agora, com a revelação de relações suspeitas entre o bicheiro Carlos
Cachoeira e um diretor de Veja – marcando o ponto exato de onde saíram
quase todas as denúncias contra integrantes do governo e da bancada governista
nos últimos seis anos – a imprensa á lançada no meio do escândalo. Não mais
como observadora, mas como protagonista.
Na quinta-feira, dia 10, os jornais
informam que houve um refluxo no ímpeto inicial de alguns parlamentares de
convocar jornalistas para explicar suas relações com o bicheiro. Segundo os
diários, o gabinete da Presidência da República ordenou cautela e recomendou
que seja evitada a convocação de representantes da imprensa à Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre o caso Demóstenes-Cachoeira. No entanto, segundo
declarações reproduzidas pelos jornais, se houve mesmo mais de duzentas
conversações gravadas entre o diretor de Veja em Brasília e integrantes
do esquema do bicheiro, não haverá como evitar a convocação do jornalista.
Alguns parlamentares querem
interrogar não apenas o diretor da sucursal da revista na capital federal, mas
o próprio dono da Editora Abril, Roberto Civita, inimigo declarado do governo
desde o primeiro mandato de Lula da Silva, quando sua empresa perdeu contratos
para o fornecimento de livros didáticos para escolas públicas – segundo já foi
divulgado pela imprensa. Ao governo não
parece interessar essa briga. Mas bem que a sociedade merece um esclarecimento
sobre essa relação privilegiada entre a revista e o bicheiro, principalmente
porque absolutamente tudo que o chefe da quadrilha “soprou” para Veja
foi reproduzido pelo resto da imprensa sem reservas.