O governador
e o bicheiro
O
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fez o que devia ao atender ao
pedido do governador tucano de Goiás, Marconi Perillo, para que abrisse uma
investigação sobre as suas relações com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o
Carlinhos Cachoeira. Pela simples razão de que, ao aumentarem os indícios de
proximidade entre o político e o bicheiro, aumentou também, aparentemente, o
distanciamento entre o primeiro e a verdade dos fatos.
No
começo de abril, numa longa entrevista ao Estado, Perillo admitiu ter
tido "algum tipo de relação ou de encontro com o Carlos Ramos, como
empresário". Não com o empresário de jogos ilícitos e traficâncias por
atacado, mas com o dono de uma fábrica de medicamentos. Nessa condição, o
governador o recebeu em palácio. Ele não alegou ignorância das outras
atividades do empreendedor, mas disse ter acreditado quando dele ouviu, ao se
encontrarem por acaso numa festa, que tinha se regenerado.
Passadas
duas semanas daquela entrevista, Perillo se viu obrigado a fazer algo que pode
lembrar a proverbial entrega dos anéis para salvar os dedos. Perguntado sobre a
influência do bicheiro na sua administração, reconheceu que ela existiu
"em relação a algumas áreas do trabalho do Estado, mas de forma isolada,
muito pequena", apressando-se a ressalvar: "No governo, não.
(Cachoeira) nunca ousou fazer qualquer solicitação em relação à atividade
dele".
Se
ousou ou não ousou, a CPI mista do Congresso terá condições de esclarecer, ao
ir além das descobertas da Polícia Federal, no curso das operações Vegas e
Monte Carlo. Mas, na esteira dos vazamentos de gravações policiais autorizadas,
três membros do governo goiano, nelas citados, perderam os seus empregos: a
chefe do gabinete de Perillo, o procurador-geral do Estado e o presidente do
Detran.
O
caso deste último, Edivaldo Cardoso, torna mais curiosa e mais curiosa, como
diria Alice, a do país das Maravilhas, a versão de que era apenas periférico e
esporádico o envolvimento de Cachoeira com os negócios públicos de Goiás. Numa
gravação de 2 de março do ano passado, logo no início, portanto, do mandato de
Perillo, o contraventor cobra do chefe do Detran a parte do leão que lhe
tocaria por ter apoiado o tucano.
Tratando
da distribuição da verba publicitária da autarquia, da ordem de R$ 1,6 milhão,
Cachoeira critica a destinação de mais recursos para um jornal que "foi
contra o Marconi" do que ao que ele próprio parece controlar por meio de
um laranja. E lança um argumento irrespondível: "Quem lutou e pôs o
Marconi lá fomos nós". Difícil crer que o governador ignorasse a luta do
bicheiro para o seu triunfo. Aliás, o grampo que derrubou Cardoso era de uma
conversa sobre um possível encontro do governador com Cachoeira.
Outras
gravações, como a de 1.º de agosto, em que ele fala com o então diretor da
empreiteira Delta, Cláudio Abreu, preso há duas semanas, autorizam
inequivocamente a suspeita de que a organização do bicheiro pagava pedágio ao
Estado - o nome do governador é citado - para empregar apadrinhados e vencer
licitações. Na conversa de agosto, Cachoeira conta a Abreu que
"emprestou" R$ 600 mil ao titular do setor de transportes e obras,
Jayme Rincón, tesoureiro da campanha de Perillo em 2010. Ao que o interlocutor
invoca a necessidade de "tirar proveito da situação".
Dois
meses antes, o contador de Cachoeira, Geovani Pereira da Silva, informara o
chefe do envio de uma caixa de computador "com aquele negócio" ao
palácio do governo. Segundo um jornalista que trabalhou para o bicheiro, a
caixa continha R$ 500 mil. O pior de tudo é a intimidade do governador com
Cachoeira que transparece nas conversas.
Em
geral, os dois se falavam por interpostas pessoas - uma delas, o senador
Demóstenes Torres. Cachoeira, por sinal, se gaba de ter reaproximado os dois
políticos rivais no Estado. Em 3 de maio, dia de seu aniversário, ele recebeu
um telefonema de uma pessoa que o chama de "liderança". Depois de
responder "Fala amigo, tudo bem?", ouve: "Rapaz, faz festa e não
chama os amigos?". O amigo chama-se Marconi Perillo.
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