Cientistas
anunciam que pretendem clonar seres humanos
09h48 - 09/03/2001
Por Jane Barrett
ROMA (Reuters) - Cientistas dos Estados Unidos e da Itália
disseram na sexta-feira que planejam criar os primeiros seres humanos clonados,
apesar da condenação por parte de religiosos e da oposição de vários
pesquisadores.
Os cientistas Panayiotis Zavos, dos EUA, e Severino Antinori,
da Itália, afirmaram que querem desenvolver bebês clonados para ajudar casais
inférteis a ter filhos.
"A clonagem pode ser considerada a última fronteira para
superar a esterilidade masculina e dar a possibilidade a homens inférteis para
transmitir seu padrão genético", disse Antinori em um auditório lotado de
cientistas e jornalistas.
"Algumas pessoas dizem que nós vamos clonar o mundo, mas
isso não é verdade... Estou pedindo que todos da comunidade científica sejam
prudentes e calmos", afirmou. "Estamos falando sobre ciência, não
estamos aqui para criar confusão."
Antinori e Zavos, cientista especializado em reprodução que
dirige uma empresa no Kentucky de clonagem e genética, disse que dez casais
inférteis se ofereceram para participar da experiência para produzir crianças
clonadas.
O projeto foi duramente criticado por cientistas e grupos
religiosos. O Vaticano considerou as propostas "grotescas".
O bispo Elio Sgreccia, chefe do Instituto para Bioética do
Hospital Gemelli, ligado ao Vaticano, afirmou que a clonagem humana levanta
questões éticas profundamente perturbadoras.
"Aqueles que fizeram a bomba atômica foram adiante
apesar de saber sobre sua terrível destruição", disse à Reuters Television
antes do início do encontro. "Mas isso não significa que foi a melhor
opção para a humanidade."
Os cientistas disseram que conduzirão a experiência em um
país mediterrâneo, não identificado, para tentar escapar da polêmica crescente
e em razão da proibição já feita por parte de vários países contra a pesquisa
para a clonagem humana.
O pesquisador Ian Wilmut, criador da Dolly, a primeira ovelha
clonada do mundo, afirmou que foram necessárias 277 tentativas para obter
sucesso na experiência. Outras tentativas de clonagem levaram a animais com
malformação.
BIOÉTICA
Anúncio feito na Itália é alvo de protestos de pesquisadores
e religiosos
Cientistas dizem que irão clonar seres humanos DA REPORTAGEM
LOCAL
Cientistas dos EUA e da Itália afirmaram ontem que planejam
desenvolver o primeiro clone humano, apesar da oposição religiosa e de outros
cientistas. O americano Panayiotis Zavos e o italiano Severino Antinori -que já
havia chamado a atenção da imprensa mundial por possibilitar que uma mulher de
62 anos desse à luz- disseram que o objetivo da clonagem é ajudar casais
inférteis a ter filhos. "A clonagem pode ser considerada a última
fronteira para superar a infertilidade masculina e dar chance a homens inférteis
de transmitir seu patrimônio genético", disse Antinori a um auditório
lotado de jornalistas. "Algumas pessoas dizem que vamos clonar o mundo,
mas isso não é verdade. Estou pedindo a todos na comunidade científica que
sejam prudentes e fiquem calmos. Estamos falando de ciência, não queremos criar
confusão." Antinori e Zavos, um cientista de Kentucky com passagens por
empresas de biotecnologia, afirmaram que 700 casais inférteis já se
candidataram a participar dos experimentos para clonagem. Os cientistas dizem
que farão os experimentos em um país do Mediterrâneo não-identificado para
escapar de protestos e também porque vários países já baniram a pesquisa de
clonagem humana. Zavos afirmou em janeiro que ele e Antinori usariam células
normais ou células-tronco (capazes de originar qualquer tipo de célula do
corpo) de um homem para inseri-las em um óvulo em formação, desprovido do seu
material genético. A célula seria estimulada a se dividir e criar um embrião
que seria a cópia do homem doador. Esse embrião seria implantado no útero de
uma mulher. Uma mulher também poderia ser clonada, ele afirma, dependendo da
escolha do casal. "Não é a coisa mais fácil do mundo", diz. "A
estabilidade da informação genética é importante. Estamos clonando um ser
humano, não queremos criar uma Dolly. Nem um monstro."
Clonagem terapêutica Ano passado, o Reino Unido liberou a
clonagem terapêutica, ou seja, permitiu o uso de células-tronco derivadas de
embriões de até 14 dias com o objetivo de atender à pesquisa. Cientistas acreditam
que doenças degenerativas graves, como o mal de Alzheimer ou o mal de
Parkinson, possam ser curadas caso sejam encontradas maneiras de regenerar e
substituir células doentes. A idéia é que isso seja feito utilizando
células-tronco originárias de embriões. Para evitar clones humanos, a Câmara
dos Lordes decidiu que os cientistas não terão licença para levar suas
experiências adiante por um período superior a nove meses para a clonagem.
Nenhum outro país avançou tanto em sua legislação. Outros países europeus, como
a França e a Espanha, vetaram a clonagem humana de todas as maneiras. O Brasil
não tem nenhuma lei específica sobre o assunto. Tramita no Senado um projeto de
lei de 1999, de autoria do senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE), que regulamenta
as técnicas de reprodução assistida. No entanto, há resoluções do Conselho
Federal de Medicina que proíbem a manipulação genética de embriões. Nos EUA
tampouco há uma proibição nacional à clonagem. No entanto, alguns Estados, como
a Califórnia, baniram o procedimento. Em outros, como a Pensilvânia, qualquer
tipo de pesquisa com embriões é proibida. Muita gente questiona a capacidade
técnica da dupla. "Esses dois cientistas não têm nenhuma evidência de que
podem fazer o que estão dizendo que podem", disse à Folha o biólogo Glenn
McGee, especialista em bioética da Universidade da Pensilvânia (EUA). Embora
tenha avançado desde 1997, quando a Dolly foi anunciada, a clonagem ainda tem
desafios técnicos que dificultam sua aplicação (leia texto à página A-17).
Técnica "secreta" Segundo McGee, os dois nunca
submeteram seus estudos de clonagem ao crivo de outros cientistas, por meio da
publicação dos resultados de sua suposta técnica de clonagem em revistas
especializadas. Mais grave ainda, Zavos teria mentido ao dizer que era membro
da Sociedade Americana de Reprodução Assistida. "Tudo isso se resume a
exibicionismo e a vontade de ganhar dinheiro", disse o especialista
americano. Segundo McGee, Zavos e Antinori teriam convidado vários cientistas e
líderes religiosos para participar da entrevista ontem. "Só a imprensa
apareceu."
Com agências internacionais
Ganho reprodutivo da técnica não vale os riscos, afirma
geneticista SALVADOR NOGUEIRA FREE-LANCE PARA A FOLHA
As pessoas costumam falar muito do sucesso da criação da
ovelha Dolly, realização que comprovou a possibilidade de clonar animais
adultos. Mas pouca gente lembra de ligá-lo ao fracasso de outros 276 clones,
todos envolvidos no experimento feito no Instituto Roslin em 1997. Mais do que
provar que a clonagem era possível, os cientistas liderados por Ian Wilmut
provaram que o caminho é difícil, arriscado e com baixíssima taxa de sucesso.
Dos 277 óvulos que receberam o DNA de uma ovelha adulta, apenas 29 sobreviveram
tempo suficiente para serem implantados no útero das ovelhas. Dos 29, apenas
Dolly acabou vingando. Os embriões que não sobreviveram ao experimento
apresentaram uma série de anormalidades, como malformações, crescimento
prematuro e morte antes do nascimento. Só agora os cientistas começam a
arriscar os primeiros palpites sobre o porquê de todos esses problemas. Já
seria momento de arriscar um experimento delicado como esse em humanos? Segundo
Lygia da Veiga Pereira, geneticista do Instituto de Biociências da USP, a
resposta é óbvia. "Na clonagem para fins reprodutivos, os riscos
associados são tão grandes que não compensam pelos benefícios", afirma.
"Quando é um animal, você assume esses riscos. Mas, com humanos, o que
fazer com os experimentos que derem errado?"
Esquecendo Hipócrates Para ela, o conhecimento atual sobre
clonagem não permite a conciliação dos preceitos da medicina com esses
experimentos. "A prática médica exige que o paciente seja informado de
quais são os riscos envolvidos no procedimento a que ele será submetido. Hoje
em dia não sabemos estimar esses riscos em humanos." Nem mesmo com os
animais já clonados é possível anunciar sucesso total. Embora Dolly seja
aparentemente igual a qualquer outra ovelha, os cientistas que a estudam já
descobriram que ela possui cromossomos com as pontas (telômeros) mais curtas
que normalmente uma ovelha de sua idade teria -sinal da "idade
avançada" de seu DNA, que foi transplantado de outra ovelha. "Qual é
o efeito disso? Ninguém sabe", diz. E as incógnitas são as mesmas no caso
das tentativas que não vingaram. "A gente ainda não entende os mecanismos
por trás dessas aberrações", afirma.
Ampliando sucessos É bem verdade que desde o experimento da
Dolly, em 1997, a taxa de sucesso para clonagens tem aumentado. Usando métodos
aprimorados, cientistas japoneses já conseguiram em camundongos uma taxa de 2
ou 3 nascimentos a cada 100 tentativas. Em bovinos, as taxas já estão próximas
de 1 sucesso a cada 20 fracassos. Mesmo assim, Pereira não considera os riscos
justificáveis, ou mesmo passíveis de cálculo. "Esses números variam muito
de espécie para espécie. Não temos como saber o valor certo em humanos."
Ela compara a aplicação da clonagem para combater problemas reprodutivos aos
procedimentos a que são submetidos novos medicamentos, que passam vários anos
em testes antes serem liberados para venda. "Por que não deveríamos fazer
tudo isso também com a clonagem?"
Bioeticistas e igreja questionam intenções de defensores do
clone CLAUDIO ANGELO DA REPORTAGEM LOCAL
Se há algo capaz de unir os cientistas e os religiosos, essa
coisa é a clonagem humana. As diversas propostas que têm sido feitas desde o
anúncio de Dolly, em 1997, para clonar seres humanos receberam críticas pesadas
tanto por parte da igreja quanto academia. O Vaticano reagiu ao anúncio de
Panayiotis Zavos e Severino Antinori comparando a clonagem à bomba atômica.
"Os que a fizeram foram adiante, mesmo sabendo do seu poder de
destruição", disse o bispo Elio Segreccia, do Instituto de Bioética João
Paulo 2º, em Roma. "Mas isso não quer dizer que tenha sido a melhor escolha
para a humanidade." Vários cientistas também deixaram de comparecer ao
evento, considerado "uma desgraça" nas palavras de Ermelando Cosmi,
da Universidade La Sapienza. As preocupações são diferentes. A igreja considera
a clonagem (e a manipulação genética em geral) uma intervenção na vontade
divina. Para os cientistas, a técnica tem problemas demais para poder ser usada
em seres humanos. Para o bioeticista Glenn McGee, da Universidade da
Pensilvânia (EUA), nunca nenhum trabalho sério demonstrando a viabilidade e a
utilidade da clonagem humana foi apresentado à comunidade. "Todo mundo que
afirmou que faria clones humanos tinha problemas acadêmicos ou morais",
disse à McGee à Folha. Ele cita como exemplo o veterinário aposentado americano
Richard Seed, que anunciou, em 1998, que iria fazer um clone para unir o homem
a Deus. Um caso mais recente é o do Movimento Raeliano, uma seita que, em
outubro do ano passado, anunciou que tinha um casal disposto a pagar US$ 500
mil para clonar a filha, morta aos dez meses de idade. O procedimento seria
feito por uma empresa criada por raelianos, a Clonaid Corp., com sede nas
Bahamas.
Lunáticos McGee considera Zavos e Antinori os "lunáticos
número 3 e número 4 da "Escala Richard Seed". Eles falam que vão
clonar um ser humano desde 98. Está na hora de alguém prendê-los",
brincou. Segundo o bioeticista, mesmo que a possibilidade da clonagem humana
fosse demonstrada cientificamente, seria preciso demonstrar por que um clone é
necessário. "Os melhores candidatos seriam pessoas cuja motivação primária
não fosse ter uma cópia, como um casal judeu estéril que não quer ver sua
linhagem extinta", afirmou. E o procedimento teria de ter o mesmo tipo de
acompanhamento legal e ético da adoção. "Para adotar uma criança, nos EUA,
não basta ter dinheiro. Você precisa provar que não é louco", disse McGee.
O presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, Marco Segre, afirma que o
desenvolvimento da técnica é inevitável. "Hoje não há regulamentação legal
para o assunto na maior parte do mundo, mas não vejo por que excluir a técnica
a priori", afirmou. Segundo Segre, o procedimento pode ser válido até
mesmo para casais estéreis. "Mas é preciso uma avaliação técnica e ética,
para verificar se a clonagem não vai produzir seres humanos que, por alguma
razão, tenham uma má qualidade de vida."
Com agências internacionais
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