Textos Filosóficos 01
A NEO-ESCRAVIDÃO
DISSIMULADA
por
Alberto Oliva, filósofo em 22/07/2004
Toda
sociedade faz ingentes sacrifícios para manter em funcionamento suas
instituições. Investe parte das riquezas que produz na organização
político-administrativa da vida coletiva. Nem sempre consegue alcançar bons
resultados. Na maioria dos casos, a dinheirama é gasta com diminuta
racionalidade econômica. Não há dúvida de que só em parte a qualidade das
instituições é determinada pela quantidade de recursos nelas aplicados. O
importante é que as instituições combinem eficiência funcional com respeito
aos valores morais fundamentais. A dimensão moral pode não determinar o
resultado material, mas é fundamental na criação das condições de interação
que favorecem a confiança entre os agentes. Há sociedades que se tornam
reféns da ineficiência administrativa. E, para piorar, desperdiçam parte
considerável do PIB em programas e projetos que não redundam em beneficio nem
mesmo para a população sofrida. Não há quadro mais desalentador que o de
governos dilapidadores e/ou corruptos assessorados por uma burocracia pouco
eficiente que se verga ao chamariz da propina.
O
Brasil é o exemplo acabado da gastança com resultados desanimadores. Sua
população, como mostrou recentemente o IBPT (Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário), se vê obrigada a trabalhar a maior parte do ano
para sustentar governos raramente proficientes. Olhando os números de 70 para
cá, constata-se que quanto mais impostos o brasileiro tem pagado menos
serviços de qualidade tem recebido. Se não existisse a síndrome da servidão
voluntária, há muito tempo já teria espocado o clamor popular contra a
neoderrama. Não deixa de ser aberrante o fato de a gritaria ser toda
canalizada contra o espantalho do neoliberalismo quando a altíssima carga
tributária é prova insofismável de que o País vive sob o jugo do
neoestatismo.
As
várias obrigações que o trabalhador tem para com os governos federal,
estadual e municipal podem ser divididas em impostos diretos como imposto de
renda, contribuição previdenciária e contribuição sindical e em impostos
indiretos sobre consumo e patrimônio, como IPVA, IPTU, Cofins, IPI. Além das
contribuições e taxas sobre limpeza e iluminação pública, coleta de lixo,
emissão de documentos, etc. No ano passado, cada um de nós entregou, em média,
36,98% de seus rendimentos ao poder público. Causa espécie que esse
percentual do PIB – um número astronômico – não choque e nem revolte. A falta
de informação não explica o fato de essa derrama não ser percebida como um
assalto oficial aos bolsos depauperados.
Segundo
cálculos de especialistas, temos que dedicar exatos 4 meses e 15 dias de
trabalho ao pagamento de impostos. Com o já constatado aumento da carga
tributária, hoje beirando os 40%, estima-se que neste ano mais 3 dias de
trabalho serão apropriados pelo Governo. Como é possível toda essa
complacência diante dessa corvéia se a simples suspeita de “lucro excessivo”
ou de “preço abusivo” desencadeia uma forte reação contra a exploração
capitalista? Quem trabalha mais de um terço do ano para o Governo não pode se
sentir explorado por empresários que, nos setores onde é forte a competição,
têm uma margem de lucro pequena. A condescendência para com o “confiscalismo”
governamental talvez explique em parte por que as idéias socialistas tanto
prosperam por aqui.
Se
à carga tributária irracional forem acrescentados os gastos com serviços
públicos básicos que deveriam ser providos pelo Estado, então se chegará à
conclusão de que sobra pouco – até na realidade socioeconômica dos remediados
- para o cidadão gastar com consumo pessoal. Da educação à saúde, passando
pela segurança, quem pode despende rios de dinheiro para não precisar contar
com os serviços deficientes providos pelas diversas instâncias do poder
público. Há cálculos que indicam que gastos privados com educação, saúde,
segurança e previdência estão se tornando impagáveis até para a classe média.
Em 2003 teriam atingido 28% dos rendimentos, ou seja, teriam demandado
despesas equivalentes a 3 meses e 12 dias de trabalho. Tudo somado, chega-se
à constatação de que, antes de poder pensar em prover o básico, o brasileiro
tem de devotar sete meses e 27 dias de trabalho para saldar impostos e
contratar serviços que deveriam ser a contrapartida dos tributos escorchantes
que lhe cobrados.
Se
esses cálculos nada tiverem de errado, só durante cinco meses do ano o
cidadão trabalha para si. E esse “para si” significa ralar para se alimentar,
se vestir e morar. A maioria não consegue fazer nada disso com qualidade. E
só uma ínfima minoria logra, nesses poucos meses em que pode ficar com os
frutos de seu trabalho, adquirir bens, sair de férias e poupar alguma coisa.
Se isso não é uma forma dissimulada de escravidão, o que é? Marx dizia que na
escravidão todo trabalho parece não-pago, como se o escravo não se alimentasse,
não fosse vestido e não tivesse onde morar. No neo-estatismo todo mundo quer
arrancar um dinheirinho do Estado fingindo não saber de onde ele vem. Alguns
querem só um pouco do que deram ao Leviatã, outros muito espertos, para lá de
espertos, querem muito mais do que deram. São esses que a sociedade leva nas
costas sem se dar conta.
Se
a sociedade tivesse o direito de ficar com uma parte maior do que produz os
resultados com certeza seriam melhores para o todo e os problemas sociais
melhor equacionados. A infantilização das coletividades pelo Paizão
desnaturado do Estado é chocante numa época em que tanto se fala de direitos
e autodeterminação. No Brasil quase todo mundo teme a ganância dos
empresários e quase ninguém enxerga a insaciável voracidade dos governos.
Esta é uma forma de alienação, para usar um conceito pelo qual Marx tinha um
especial apreço filosófico, que leva o brasileiro a se tornar cada dia mais
explorado pelo Estado achando que vive sob as leis férreas do capitalismo.
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