terça-feira, 4 de setembro de 2012

Viva a sabedoria...


Textos Filosóficos 01
A NEO-ESCRAVIDÃO DISSIMULADA
por Alberto Oliva, filósofo em 22/07/2004
Toda sociedade faz ingentes sacrifícios para manter em funcionamento suas instituições. Investe parte das riquezas que produz na organização político-administrativa da vida coletiva. Nem sempre consegue alcançar bons resultados. Na maioria dos casos, a dinheirama é gasta com diminuta racionalidade econômica. Não há dúvida de que só em parte a qualidade das instituições é determinada pela quantidade de recursos nelas aplicados. O importante é que as instituições combinem eficiência funcional com respeito aos valores morais fundamentais. A dimensão moral pode não determinar o resultado material, mas é fundamental na criação das condições de interação que favorecem a confiança entre os agentes. Há sociedades que se tornam reféns da ineficiência administrativa. E, para piorar, desperdiçam parte considerável do PIB em programas e projetos que não redundam em beneficio nem mesmo para a população sofrida. Não há quadro mais desalentador que o de governos dilapidadores e/ou corruptos assessorados por uma burocracia pouco eficiente que se verga ao chamariz da propina.
O Brasil é o exemplo acabado da gastança com resultados desanimadores. Sua população, como mostrou recentemente o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), se vê obrigada a trabalhar a maior parte do ano para sustentar governos raramente proficientes. Olhando os números de 70 para cá, constata-se que quanto mais impostos o brasileiro tem pagado menos serviços de qualidade tem recebido. Se não existisse a síndrome da servidão voluntária, há muito tempo já teria espocado o clamor popular contra a neoderrama. Não deixa de ser aberrante o fato de a gritaria ser toda canalizada contra o espantalho do neoliberalismo quando a altíssima carga tributária é prova insofismável de que o País vive sob o jugo do neoestatismo.
As várias obrigações que o trabalhador tem para com os governos federal, estadual e municipal podem ser divididas em impostos diretos como imposto de renda, contribuição previdenciária e contribuição sindical e em impostos indiretos sobre consumo e patrimônio, como IPVA, IPTU, Cofins, IPI. Além das contribuições e taxas sobre limpeza e iluminação pública, coleta de lixo, emissão de documentos, etc. No ano passado, cada um de nós entregou, em média, 36,98% de seus rendimentos ao poder público. Causa espécie que esse percentual do PIB – um número astronômico – não choque e nem revolte. A falta de informação não explica o fato de essa derrama não ser percebida como um assalto oficial aos bolsos depauperados.
Segundo cálculos de especialistas, temos que dedicar exatos 4 meses e 15 dias de trabalho ao pagamento de impostos. Com o já constatado aumento da carga tributária, hoje beirando os 40%, estima-se que neste ano mais 3 dias de trabalho serão apropriados pelo Governo. Como é possível toda essa complacência diante dessa corvéia se a simples suspeita de “lucro excessivo” ou de “preço abusivo” desencadeia uma forte reação contra a exploração capitalista? Quem trabalha mais de um terço do ano para o Governo não pode se sentir explorado por empresários que, nos setores onde é forte a competição, têm uma margem de lucro pequena. A condescendência para com o “confiscalismo” governamental talvez explique em parte por que as idéias socialistas tanto prosperam por aqui.
Se à carga tributária irracional forem acrescentados os gastos com serviços públicos básicos que deveriam ser providos pelo Estado, então se chegará à conclusão de que sobra pouco – até na realidade socioeconômica dos remediados - para o cidadão gastar com consumo pessoal. Da educação à saúde, passando pela segurança, quem pode despende rios de dinheiro para não precisar contar com os serviços deficientes providos pelas diversas instâncias do poder público. Há cálculos que indicam que gastos privados com educação, saúde, segurança e previdência estão se tornando impagáveis até para a classe média. Em 2003 teriam atingido 28% dos rendimentos, ou seja, teriam demandado despesas equivalentes a 3 meses e 12 dias de trabalho. Tudo somado, chega-se à constatação de que, antes de poder pensar em prover o básico, o brasileiro tem de devotar sete meses e 27 dias de trabalho para saldar impostos e contratar serviços que deveriam ser a contrapartida dos tributos escorchantes que lhe cobrados.
Se esses cálculos nada tiverem de errado, só durante cinco meses do ano o cidadão trabalha para si. E esse “para si” significa ralar para se alimentar, se vestir e morar. A maioria não consegue fazer nada disso com qualidade. E só uma ínfima minoria logra, nesses poucos meses em que pode ficar com os frutos de seu trabalho, adquirir bens, sair de férias e poupar alguma coisa. Se isso não é uma forma dissimulada de escravidão, o que é? Marx dizia que na escravidão todo trabalho parece não-pago, como se o escravo não se alimentasse, não fosse vestido e não tivesse onde morar. No neo-estatismo todo mundo quer arrancar um dinheirinho do Estado fingindo não saber de onde ele vem. Alguns querem só um pouco do que deram ao Leviatã, outros muito espertos, para lá de espertos, querem muito mais do que deram. São esses que a sociedade leva nas costas sem se dar conta.
Se a sociedade tivesse o direito de ficar com uma parte maior do que produz os resultados com certeza seriam melhores para o todo e os problemas sociais melhor equacionados. A infantilização das coletividades pelo Paizão desnaturado do Estado é chocante numa época em que tanto se fala de direitos e autodeterminação. No Brasil quase todo mundo teme a ganância dos empresários e quase ninguém enxerga a insaciável voracidade dos governos. Esta é uma forma de alienação, para usar um conceito pelo qual Marx tinha um especial apreço filosófico, que leva o brasileiro a se tornar cada dia mais explorado pelo Estado achando que vive sob as leis férreas do capitalismo.

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