1. A vida está em constante mudança, mas, não raro,
ignoramos que assim é. No entanto, se nos dermos um pouco à reflexão,
verificaremos que a mudança começa em nós, tanto física como
psicologicamente. Todavia, não queremos acreditar na verdade que vivemos. É mentira,
nós não mudamos. Só os outros mudam. Mas nós, mesmo a contra-gosto, lá vamos
mudando! Que chatice termos que constatar que afinal não somos eternos. Dizia
Parménides que «o que é, é», «o que não é, não é». E que «só o que é, é
eterno». Com efeito, o ser humano não é, porque está sendo, logo está sujeito
ao devir universal.
O ser humano, as coisas, os ambientes estão em permanente
devir. Queiramos ou não, é assim. Todavia, somos muito resistente à
mudança. Aliás, o ser humano, por mais que diga o contrário, é muito
conservador. Desde logo, porque não quer aceitar a sua própria mudança: a
custo, vai dizendo que já nota algumas mudanças físicas ou biológicas, mas a
nível psicológico, lá isso é que não! Está tudo na mesma! E ao nível da
mentalidade, também mudamos? É óbvio. E até, por vezes, o admitimos. Mas
atenção, admitimos esta mudança quando ela nos convém! Admitimo-la quando,
por exemplo, queremos dar uma de moderno, de actualizado, a par dos tempos
que correm, etc., não vão os outros pensar que parámos no tempo, isso pode
trazer-nos uma imagem de parolo, de provinciano que não acompanha as
modernices mundanas das Revistas e da Televisão. O Homem do nosso tempo tem
muito medo disso. Não se assume. Por isso, para mostrar que acompanha a
escalada da era da globalização (sim, porque também, nesta área da praxis
humana, se faz sentir a globalização), faz muitas vezes figuras tristes!
2. E na política, admitimos a mudança? Canta-se em coro a
dizer que sim. Mas neste sector ainda somos mais resistentes. E aplica-se o
mesmo princípio, de que já falámos nos parágrafos anteriores. Dizemos que sim
para agradar, para mostrarmos que somos democratas, porque senão ainda nos
consideram conservadores, ou até mesmo reaccionários.
Mas é, talvez, no campo da política que a resistência à
mudança causa mais estragos e cria dificuldades. Fala-se muito em alternância
de poder, princípio vital da democracia. Todavia, fala-se pouco de
alternância quando se está no poder, e muito quando se está fora dele. E quem
se habituou a estar, por muito tempo, dez, quinze, vinte ou mais anos no
poder, foge da palavra alternância, como o diabo da cruz, não vá este tecer
os pauzinhos e provocar a dita.
Esta resistência à mudança fervilha por aí, sente-se a todo
o momento, tropeçamos com ela a cada passo que damos. Mas não é só nos
políticos que ela é notada. A resistência ao devir político está nos
políticos sim, mas também está em toda a hierarquia, nos quadros, até chegar
ao porteiro; está no exterior da política assumida. Não acreditam?
Ao longo dos tempos vão-se instalando interesses,
cumplicidades, algumas amizades, simpatias... E quando se está muito tempo
num sítio acabamos por considerar que o sítio é nosso; ou que podemos fazer o
que queremos daquele sítio, ou que podemos utilizar aquele sítio sem que para
isso tenhamos que o requerer, etc., etc., porque nos habituámos mal.
E então utilizam-se as mais estúpidas artimanhas para
tentar contornar a democracia, a legalidade, o legítimo poder. É confrangedor
observar como alguns simplórios pretendem ignorar a mudança efectiva, e o
legítimo poder, aquele que é outorgado pelo povo. Esquecem-se alguns
auto-democratas que, com a sua atitude, caiem no pior dos ridículos,
marginalizam-se, auto-flagelam-se, enfiando-se no campo da 'empatocracia' e
da obscuridade.
3. Pensava eu que 28 anos de vivência democrática era
o suficiente para que toda a gente soubesse o que é a democracia. Mas estou
enganado! Felizmente que a maioria há muito que conhece a democracia e sabe o
que é viver democraticamente. E são poucos, uma minoria, que persiste em não
aprender o que o tempo ensina. Olham para o passado, para o seu passado,
alegram-se com ele, e sonham, sonham, sonham... e deleitam-se sonhando,
pensando que um dia voltarão os cantares dos hinos adormecidos nos baús da
ignorância; sonham pensando que um dia a sua «democracia» será reposta; que o
seu poder, não o do povo, vingará; que, então, logo que tudo esteja conforme
a sua vontade, serão ajustadas as contas... São os Velhos do Restelo, que de
tão velhos que são já tocam com os narizes nos joelhos, por isso não
vislumbram um palmo à sua frente, e vergam-se perante quem os engana,
convencidos de que lhes estão a indicar o caminho. E, de facto, estão. Mas o
caminho do passado, turbulento, cheio de espécies daninhas, que só conta para
os arquivos, os anais da história. Mas isso basta-lhes, porque, como disse
supra, aquelas criaturas vivem do sonho, mas não do sonho que comanda a vida,
porque este é saudável, útil, necessário e reformador.
Como estão convencidos de que aquela é a forma mais
correcta de estar vida, vão cometendo pequenos erros, porque também não se
lhes dá possibilidades para que conjecturem erros maiores; vão cometendo
atropelos propositados; depois, angelicamente, voltam atrás, admirados,
porque alegam desconhecer os procedimentos. São obrigados a desfazer os
erros, para irem vivendo socialmente. Mas sabe Deus, a que custo!
4. Não há mal nenhum em pertencer a uma minoria. Devemos
aceitar as contingências da vida e, no caso concreto da política, tentar, por
via democrática, alterar a situação. Todo nós, num determinado momento,
fizemos, e faremos, parte de uma qualquer minoria, seja política, religiosa,
estética, filosófica ou outra. E, às vezes, vale bem mais pertencer às
minorias. Quem disse que as maiorias têm sempre razão?
O conhecimento, as doutrinas, a arte, o pensamento, a
ciência, enquanto produtos da praxis humana, são fruto de trabalho árduo, da
persistência, da reflexão, da solidão. Os trabalhadores do pensamento
pertencem a múltiplas minorias. Eles não se sentem marginalizados, porque têm
consciência do seu fazer, da sua atitude perante o mundo e a vida. Emite-os.
Sinta-se solidário com a vida, como eles, e será feliz (António Pinela,
Reflexões, Agosto de 2002).
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