"Vivo cada dia como se fosse o último", diz
Carol, 20, com hipertensão pulmonar
Portadoras da doença
rara e grave contam em entrevista as limitações impostas pela HAP
Aos 20 anos, Carol
toma seis remédios por dia. Ela precisaria do transplante de coração e pulmão
Quando sonha à
noite, Ana Caroline Sousa, 20 anos, corre feliz até o infinito em um campo
aberto, verde e bonito. Na vida real, com hipertensão arterial pulmonar
grave há quatro anos, Carol precisa fazer uso de oxigênio muitas vezes já
ao acordar.
Ela toma diariamente
seis remédios para controlar a hipertensão arterial pulmonar : dois
deles são específicos para a HAP (Sildenafil e Iloprost), os demais para
coração e pressão. Carol chegou a passar 23 dias internada. Mesmo com liminar
da Justiça, esperou quase um ano para receber o remédio receitado, Iloprost, no
fim de 2009 (que custaria, diz, R$ 34 mil mensais à época). Segundo Isabel de
Sousa, sua mãe, essa demora piorou o estado da filha.
"Olha, não
fácil ver sua única filha com uma doença tão grave, e o poder público brincar
com a vida dela. Hoje o caso dela se complicou, devido a pressão do pulmão, o
coração está muito prejudicado. Carol precisaria de transplante ao mesmo tempo
de coração e pulmão", disse.
Aos 43 anos, Rosana
Amaral descobriu há dez ter HAP e se trata no Incor (Instituto do Coração),
onde já passou por dois protocolos de pesquisa de medicamento que não foi
aprovado pela Anvisa. "Batalhei junto aos médicos para conseguir me tratar
com o bosentana e mais tarde, foi necessário inserir mais um medicamento,
sidenafil, o qual estou na dose mais alta desde 2010."
Quando constatou que
a doença estava progredindo, os médicos disseram que se talvez fosse a hora de
começar a se pensar em transplante. Após um ano e quatro meses de exames,
entrou em dezembro na fila, cuja espera média é de 18 meses. "Foi uma
decisão muito difícil, mas tenho o apoio de meu marido e filhos, e acreditamos
no sucesso do transplante e na cura da HAP."
Até outubro, a
doença esteve sob controle, mas na última consulta, alguns exames mostraram que
está perdendo a capacidade pulmonar. "Os médicos incluíram o Iloprost, medicamento
só fornecido mediante processo judicial. Estou no aguardo da decisão do juiz. O
problema é que a secretaria da Saúde tem 60 dias para fornecer o medicamento
após a decisão... Como pode um órgão do governo demorar tanto a fornecer um
medicamento que é para salvar e dar qualidade de vida a um ser humano?"
Moradora da Região
Metropolitana de São Paulo, Cris Pataquini é portadora de HAP há 1 ano e
meio e teve de parar de trabalhar por conta da doença. O que mais a incomoda é
não poder pegar o filho no colo e lhe dar banho. Tudo a cansa.
O iG entrevistou,
por telefone ou email, as três portadoras de HAP, que relatam abaixo as
dificuldades que a doença impõe.
iG: Que tipo de
dificuldades e limitações vocês têm por conta da doença?
Cris Pataquini, em
família.
Ana Caroline: Bem,
o cansaço é muito, eu tenho limitações. O clima me afeta bastante. Se está
calor, fico muito cansada. Se está frio, fico cansada. Praticamente não saio de
casa e minha vida social é limitada. Meu dia a dia é todo em casa, com
meus familiares, assistindo a TV ou na internet, jogando jogos de tabuleiro com
minha família. No meu estado avançado, evito sair de casa. Atividades físicas
que requerem esforço não posso fazer. Ultimamente, tenho feito fisioterapia respiratória,
o que tem me ajudado bastante.
Rosana: Hoje
sou aposentada por invalidez, por não conseguir mais trabalhar em horário
normal. Não saio de casa sem meu carro, pois é muito difícil caminhar; pegar
ônibus é impossível. Além da falta de ar, é impossível fazer força, abaixar ou
subir escada. Tento levar uma vida normal, me adaptei aos limites da
doença e faço de tudo um pouco. Em casa, tenho uma pessoa que me ajuda duas
vezes na semana, nos outro dias tenho ajuda de meu marido e de meus dois filhos.
Não consigo fazer os deveres domestico, mas o jantar é por minha conta...
(risos). Apesar de aposentada, presto serviço na minha antiga empresa. Como é
um escritório e faço no computador, consigo cumprir uma carga horária de 5
horas/dia. Há dois meses iniciei na reabilitação pulmonar, então faço
atividades leves, supervisionada por fisioterapeuta, três vezes na semana.
Gosto de estar com minha família, passear no final de semana, ou então nos
reunimos com amigos/familiares em casa, mesmo que isso me custe o dia seguinte,
pois qualquer coisa fora do meu ritmo, leva um bom tempo de descanso para
recuperar.
Cris: Tenho de
fazer repouso e precisei parar minhas atividades profissionais. Eu tinha tido
uma boa melhora no meu quadro em março e de lá para cá uma piora gradativa, por
isso parei tudo que vinha fazendo. Não consigo limpar a casa e tenho
limitações, como não poder dirigir sozinha para lugares mais longes da minha
casa. Não posso pegar meu bebê no colo nem dar os cuidados normais que uma
criança de 1 ano e meio demanda, tipo banho, colocar e tirar do berço. O banho
consigo tomar sozinha, mas saio bem cansada, com falta de ar e tenho que sentar
uns 5 minutos até recuperar o fôlego. Buscar as crianças na escola é muito
difícil – apesar de ser na frente da minha casa, é uma pequena subida, que para
mim funciona como uma ladeira... Chego à escola com falta de ar (mesmo fazendo
pausas no caminho). E na volta pra casa, para subir os oito degraus da minha
casa, é bem sacrificante também.
Carol (D) lamenta
que muitas pessoas tenham se afastado após a doença
iG: O que mais de
incomoda e frustra na doença?
Ana Caroline: O
que mais me frustra é ter tido de largar a faculdade. Cursava Biomedicina e
adorava o que fazia, e ficar em casa me deixa entediada. Fiz uma
cirurgia e passei a ter acite (acúmulo de líquido na barriga). Quando está
cheio, não respiro direito. Sem falar, quando saio na rua me perguntam: 'Está
grávida? De quantos meses? Me incomoda muito.
Rosana: A falta
de ar, o cansaço, isso é o que mais incomoda... É duro você ter uma cabeça
ativa, querendo fazer mil coisas e seu corpo não responder na mesma proporção.
Cris: (Risos)
Atualmente praticamente não faço nada, porque não aguento.
iG: O que ocasionou
a doença?
Ana Caroline: Não
se sabe ao certo, por isso ela é definida nos protocolos como HAP primária. Mas
suspeita-se que foi um trombo que tive no braço e foi para o pulmão.
Rosana: Descobri
a HAP com 33 anos, ou seja, 10 anos atrás... Após um ano de investigação, os
médicos chegaram à seguinte conclusão; ela é idiopática, não sabem a causa,
pode ser genética, mas infelizmente não temos acesso aos exames que comprovam
isso.
Cris: No meu
caso, ela é idiopática, ou seja, sem causa definida.
iG: Você já precisou
usar oxigênio?
Ana Caroline: Uso
para dormir todos os dias. Quando estou muito cansada também, uso pela manhã.
Rosana: Não uso
de oxigênio, pois minha saturação é muito boa.
Cris: Sim, ano
passado usei por 24h, durante alguns meses. Aí consegui "fazer o
desmame", mas só durante o dia. Ainda uso para dormir todas as noites. O
legal é que consegui o benefício da prefeitura daqui de Ribeirão Pires, onde
moro.
Rosana conta com a
ajuda dos filhos.
iG: Qual é o seu
sonho?
Ana Caroline: Vencer
a hipertensão arterial pulmonar e voltar aos estudos.
Rosana: Meu
sonho é a cura... Amo a vida, quero ver meus filhos realizados, felizes...
Poder voltar a correr, andar de bicicleta, caminhar à beira-mar, andar sem me
cansar, chegar ao final do dia com uma canseira prazerosa, sem falta de ar, sem
tontura...
Cris: Poder
voltar a fazer as atividades normais do dia a dia.
iG: Quais foram os
maiores problemas e frustrações que vocês enfrentaram com a HAP?
Ana Caroline: Minhas
maiores frustrações foram os estudos e a decepção que tive com as pessoas. É
dificil se ver com uma doença crônica e ser ''abandonada'' por praticamente
todos que você considerava como amigos.
iG: A HAP é uma
doença que mexe muito com o psicológico e a auto-estima das pessoas. Como vocês
lidam com isso?
Ana Caroline: Procuro
não pensar na doença e vivo cada dia intensamente, como se fosse o último. Se
formos focar no problema, ele parecerá bem maior do que realmente é. Tenho
bastante fé em Deus e sei que tudo isso que estou passando deve ter um
propósito. Tudo tem seu lado bom, pode acreditar. Nesse caso, foi a aproximação
da família.
Rosana: Sou uma
pessoa muito positiva, alegre e tenho fé, já enfrentei muitas situações
delicadas, mas tudo com muita fé. Busco a cura para a HAP, enfrento o
transplante ou qualquer medicação, e que meu gesto abra portas para todos, para
uma vida normal.