segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Valorizar o que se tem..


"Vivo cada dia como se fosse o último", diz Carol, 20, com hipertensão pulmonar
Portadoras da doença rara e grave contam em entrevista as limitações impostas pela HAP
Aos 20 anos, Carol toma seis remédios por dia. Ela precisaria do transplante de coração e pulmão
Quando sonha à noite, Ana Caroline Sousa, 20 anos, corre feliz até o infinito em um campo aberto, verde e bonito. Na vida real, com hipertensão arterial pulmonar grave há quatro anos, Carol precisa fazer uso de oxigênio muitas vezes já ao acordar.
Ela toma diariamente seis remédios para controlar a hipertensão arterial pulmonar : dois deles são específicos para a HAP (Sildenafil e Iloprost), os demais para coração e pressão. Carol chegou a passar 23 dias internada. Mesmo com liminar da Justiça, esperou quase um ano para receber o remédio receitado, Iloprost, no fim de 2009 (que custaria, diz, R$ 34 mil mensais à época). Segundo Isabel de Sousa, sua mãe, essa demora piorou o estado da filha. 
"Olha, não fácil ver sua única filha com uma doença tão grave, e o poder público brincar com a vida dela. Hoje o caso dela se complicou, devido a pressão do pulmão, o coração está muito prejudicado. Carol precisaria de transplante ao mesmo tempo de coração e pulmão", disse.
Aos 43 anos, Rosana Amaral descobriu há dez ter HAP e se trata no Incor (Instituto do Coração), onde já passou por dois protocolos de pesquisa de medicamento que não foi aprovado pela Anvisa. "Batalhei junto aos médicos para conseguir me tratar com o bosentana e mais tarde, foi necessário inserir mais um medicamento, sidenafil, o qual estou na dose mais alta desde 2010."
Quando constatou que a doença estava progredindo, os médicos disseram que se talvez fosse a hora de começar a se pensar em transplante. Após um ano e quatro meses de exames, entrou em dezembro na fila, cuja espera média é de 18 meses. "Foi uma decisão muito difícil, mas tenho o apoio de meu marido e filhos, e acreditamos no sucesso do transplante e na cura da HAP."
Até outubro, a doença esteve sob controle, mas na última consulta, alguns exames mostraram que está perdendo a capacidade pulmonar. "Os médicos incluíram o Iloprost, medicamento só fornecido mediante processo judicial. Estou no aguardo da decisão do juiz. O problema é que a secretaria da Saúde tem 60 dias para fornecer o medicamento após a decisão... Como pode um órgão do governo demorar tanto a fornecer um medicamento que é para salvar e dar qualidade de vida a um ser humano?"
Moradora da Região Metropolitana de São Paulo, Cris Pataquini é portadora de HAP há 1 ano e meio e teve de parar de trabalhar por conta da doença. O que mais a incomoda é não poder pegar o filho no colo e lhe dar banho. Tudo a cansa. 
O iG entrevistou, por telefone ou email, as três portadoras de HAP, que relatam abaixo as dificuldades que a doença impõe.
iG: Que tipo de dificuldades e limitações vocês têm por conta da doença?
Cris Pataquini, em família.
Ana Caroline: Bem, o cansaço é muito, eu tenho limitações. O clima me afeta bastante. Se está calor, fico muito cansada. Se está frio, fico cansada. Praticamente não saio de casa e minha vida social é limitada. Meu dia a dia é todo em casa, com meus familiares, assistindo a TV ou na internet, jogando jogos de tabuleiro com minha família. No meu estado avançado, evito sair de casa. Atividades físicas que requerem esforço não posso fazer. Ultimamente, tenho feito fisioterapia respiratória, o que tem me ajudado bastante.
Rosana:  Hoje sou aposentada por invalidez, por não conseguir mais trabalhar em horário normal. Não saio de casa sem meu carro, pois é muito difícil caminhar; pegar ônibus é impossível. Além da falta de ar, é impossível fazer força, abaixar ou subir escada. Tento levar uma vida normal, me adaptei aos limites da doença e faço de tudo um pouco. Em casa, tenho uma pessoa que me ajuda duas vezes na semana, nos outro dias tenho ajuda de meu marido e de meus dois filhos. Não consigo fazer os deveres domestico, mas o jantar é por minha conta... (risos). Apesar de aposentada, presto serviço na minha antiga empresa. Como é um escritório e faço no computador, consigo cumprir uma carga horária de 5 horas/dia. Há dois meses iniciei na reabilitação pulmonar, então faço atividades leves, supervisionada por fisioterapeuta, três vezes na semana. Gosto de estar com minha família, passear no final de semana, ou então nos reunimos com amigos/familiares em casa, mesmo que isso me custe o dia seguinte, pois qualquer coisa fora do meu ritmo, leva um bom tempo de descanso para recuperar.
Cris: Tenho de fazer repouso e precisei parar minhas atividades profissionais. Eu tinha tido uma boa melhora no meu quadro em março e de lá para cá uma piora gradativa, por isso parei tudo que vinha fazendo. Não consigo limpar a casa e tenho limitações, como não poder dirigir sozinha para lugares mais longes da minha casa. Não posso pegar meu bebê no colo nem dar os cuidados normais que uma criança de 1 ano e meio demanda, tipo banho, colocar e tirar do berço. O banho consigo tomar sozinha, mas saio bem cansada, com falta de ar e tenho que sentar uns 5 minutos até recuperar o fôlego. Buscar as crianças na escola é muito difícil – apesar de ser na frente da minha casa, é uma pequena subida, que para mim funciona como uma ladeira... Chego à escola com falta de ar (mesmo fazendo pausas no caminho). E na volta pra casa, para subir os oito degraus da minha casa, é bem sacrificante também.
Carol (D) lamenta que muitas pessoas tenham se afastado após a doença
iG: O que mais de incomoda e frustra na doença?
Ana Caroline: O que mais me frustra é ter tido de largar a faculdade. Cursava Biomedicina e adorava o que fazia, e ficar em casa me deixa entediada.  Fiz uma cirurgia e passei a ter acite (acúmulo de líquido na barriga). Quando está cheio, não respiro direito. Sem falar, quando saio na rua me perguntam: 'Está grávida? De quantos meses? Me incomoda muito.
Rosana: A falta de ar, o cansaço, isso é o que mais incomoda... É duro você ter uma cabeça ativa, querendo fazer mil coisas e seu corpo não responder na mesma proporção.
Cris: (Risos) Atualmente praticamente não faço nada, porque não aguento.
iG: O que ocasionou a doença?
Ana Caroline: Não se sabe ao certo, por isso ela é definida nos protocolos como HAP primária. Mas suspeita-se que foi um trombo que tive no braço e foi para o pulmão.
Rosana: Descobri a HAP com 33 anos, ou seja, 10 anos atrás... Após um ano de investigação, os médicos chegaram à seguinte conclusão; ela é idiopática, não sabem a causa, pode ser genética, mas infelizmente não temos acesso aos exames que comprovam isso.
Cris: No meu caso, ela é idiopática, ou seja, sem causa definida.
iG: Você já precisou usar oxigênio?
Ana Caroline: Uso para dormir todos os dias. Quando estou muito cansada também, uso pela manhã.
Rosana: Não uso de oxigênio, pois minha saturação é muito boa.
Cris: Sim, ano passado usei por 24h, durante alguns meses. Aí consegui "fazer o desmame", mas só durante o dia. Ainda uso para dormir todas as noites. O legal é que consegui o benefício da prefeitura daqui de Ribeirão Pires, onde moro.
Rosana conta com a ajuda dos filhos.
iG: Qual é o seu sonho?
Ana Caroline: Vencer a hipertensão arterial pulmonar e voltar aos estudos.
Rosana: Meu sonho é a cura... Amo a vida, quero ver meus filhos realizados, felizes... Poder voltar a correr, andar de bicicleta, caminhar à beira-mar, andar sem me cansar, chegar ao final do dia com uma canseira prazerosa, sem falta de ar, sem tontura...
Cris: Poder voltar a fazer as atividades normais do dia a dia.
iG: Quais foram os maiores problemas e frustrações que vocês enfrentaram com a HAP?
Ana Caroline: Minhas maiores frustrações foram os estudos e a decepção que tive com as pessoas. É dificil se ver com uma doença crônica e ser ''abandonada'' por praticamente todos que você considerava como amigos.
iG: A HAP é uma doença que mexe muito com o psicológico e a auto-estima das pessoas. Como vocês lidam com isso?
Ana Caroline: Procuro não pensar na doença e vivo cada dia intensamente, como se fosse o último. Se formos focar no problema, ele parecerá bem maior do que realmente é. Tenho bastante fé em Deus e sei que tudo isso que estou passando deve ter um propósito. Tudo tem seu lado bom, pode acreditar. Nesse caso, foi a aproximação da família.
Rosana: Sou uma pessoa muito positiva, alegre e tenho fé, já enfrentei muitas situações delicadas, mas tudo com muita fé. Busco a cura para a HAP, enfrento o transplante ou qualquer medicação, e que meu gesto abra portas para todos, para uma vida normal.

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