Ética e Cidadania
São incomensuráveis
as transformações que ocorreram desde as primeiras experiências filosóficas e a
instauração da democracia pelos antigos gregos, há 2500 anos, fruto da
evidência da razão, que desmistificou os preconceitos míticos e a força das
tiranias, mostrando aos cidadãos a origem do poder.
Este, imperial ou
monárquico, fundava-se em heranças «divinas», sendo usurpado aos seus legítimos
detentores, os cidadãos. Mas eis que a persistência do pensamento filosófico
faz novas descobertas, tanto no campo científico, como na relação ética e na
capacidade da cidadania de cada um.
Conhecem-se as
invasões territoriais em nome da civilização, contacta-se novos mundos e novas
vivências; ocorrem derrocadas de impérios e de monarquias; e os cidadãos
conhecem outras realidades, que não somente aquelas que o mito e a religião
transmitiam destes tempos ancestrais. Ocorre o Milagre Grego: a transformação
económica e política - instaura-se a Democracia.
A Matemática e a
Medicina conquistam o estatuto de ciência. A primeira com Euclides (primeira
metade do séc. III a. C.), a segunda com Hipócrates (460-370 a. C.). As
transformações econômico-sociais não pararam e as guerras são o vício da
cegueira humana.
Já perto de nós, no
tempo, emergem revoluções, movimentos assistémicos como o nazismo, o fascismo e
o comunismo fazem o seu caminho; assiste-se as duas Grandes Guerras Mundiais.
Ainda mais próximo, conhecemos, em directo, as Guerras do Golfo, o
desmoronamento do Iraque, e a recente guerra entre Israel e o Líbano, etc. Ora,
são todas estas ocorrências, negativas ou positivas, que não podem deixar de
incomodar a consciência dos povos e de cada cidadão.
As transformações
são imparáveis, novos interesses se instalam e a globalização, tão em voga, vai
apagando as diferenças positivas que ainda existem entre os povos.
A nível político, a
sede de poder é insaciável, não olhando a meios… ignorando todos os princípios
da ética e da cidadania. Vive-se a moda dos grandes empórios empresariais,
perde-se o sentido da medida. Tudo muda.
Falar hoje de ética
e de cidadania é um imperativo de consciência, é um dever de todos nós. É ter
presente o que ocorre neste mundo, cada vez mais globalizado e mais cruel, e
tão distante da sua matriz: as pessoas.
Por tudo isto, cabe
questionar: que credibilidade atribuir a quem nos promete mundos-e-fundos, por
ocasião de eleições, uma vez que passadas estas, logo os seus actores esquecem
quem lhe preparou o palco?
Cada vez mais os
cidadãos se sentem desamparados e entregues à sua sorte e, não raro, ao
desespero. Por isso, é necessário dizer, a quem se esquece frequentemente, que
todos temos uma função a desempenhar, que toda a função, por mais humilde que
seja, é necessária para o conjunto da vivência humana. Por exemplo, se uns são
políticos e desempenham funções a este nível é porque outros têm a qualidade de
eleitores e os elegem. Sem a qualidade de uns não existirá a qualidade dos
outros. Se não houvesse a doença que falta nos faria o médico? Se o carro não
nos avariasse, como sobreviria o mecânico? Se a energia eléctrica faltasse,
como escreveria estas linhas no meu computador?
Vivemos num tempo em
que tudo muda muito célere. As novas tecnologias são uma maravilha diabólica
criada pelo homem. Mas tanto podem estar ao serviço do Bem como do Mal.
Contudo, temos que acreditar em alguma coisa. Acreditemos no Homem. O ser
humano não é mau por natureza. Às vezes é um pouco esquecido!
Pelas dúvidas
expostas, pelos eventos referenciados, queiramos ou não, estamos todos
convocados a fazer uso, quanto baste, da nossa cidadania, lembrando, sempre que
necessário, aos responsáveis públicos mais esquecidos, que a ética e a moral
não são coisas vãs, nem habilidades de intelectual, mas fazem parte, devem
fazer parte efectiva da nossa relação com os outros. Sem a existência do Outro
não existe a afirmação do Eu. (António Pinela, Reflexões, Agosto de 2006).