Fala-se muito,
hoje, em princípios. Princípios éticos, princípios morais, princípios
políticos. Todos somos campeões em lucubrar sobre tais apotegmas, querendo
com isso apontar as normas que norteiam a nossa prática, a nossa vida e os
caminhos a seguir. É o que, filosoficamente, denominaremos por regras e
normas ético-morais. Normas orientadoras dos caminhos a seguir por cada um de
nós, sem as quais a nossa vida e prática não fariam sentido. Isto é verdade
para cada pessoa, como o é para as organizações, sejam elas instituições
públicas ou privadas, partidos, etc.
Se a organização
político-social que construímos exige, de cada um de nós, que sigamos e
cumpramos tais normas, para que não sejamos considerados «anormais» ou fora
da norma, o mesmo, ou ainda com mais rigor, se exige às instituições, tenham
elas o cariz que tiverem, que cumpram as regras para que as tomemos a sério.
As instituições
diferenciam-se umas das outras pelo objecto que lhes dão forma. Enformam os
seus objetos determinados princípios que se constituem num todo coerente. E
é por isso que aderimos a umas em detrimento de outras. Como é o caso da
adesão aos Partidos Políticos. Estes obedecem a um conjunto de princípios e
de regras que os diferenciam de outros, e é por isso que optamos pelo partido
A, B, C ou D, etc.
Posta esta breve
introdução em tese, reflitamos sobe o seguinte exercício: o Partido A defende
o liberalismo; o B defende o neo-liberalismo; o C o
socialismo democrático e o D o marxismo-leninismo, cujos princípios
que lhes dão forma são necessariamente diferentes. Se assim não fosse ninguém
se entenderia politicamente. Que valor teria optar por A em vez de B,
ou por C no lugar de D? Se não houvesse diferenciação, como
escolheríamos os nossos dirigentes políticos para ocupar cargos no Estado,
como o de Presidente da República, o de Deputado, de Ministro ou Autarca?
Se é verdade que a
maioria dos cidadãos fazem as suas escolhas políticas, tendo em conta as
propostas políticas que o leque partidário apresenta, como não se
sentiriam defraudados aqueles, se os Partidos que os conduzissem a tomar
certa decisão, em determinado momento, os traíssem, percorrendo outro caminho
que não aquele que fora inicialmente proposto?
Esclarecendo: O
Partido B, que pratica o neo-liberalismo ataca sistematicamente o
Partido D, marxista-leninista, que diz, nos seus discursos, que B é
da direita retrógrada. Consequentemente, para B, D é um Partido
autoritário, não democrático, que não evolui no tempo; para D, B é
de extrema direita, reacionário, um perigo para a democracia!
Naturalmente que
estou apenas a proceder a um exercício de retórica, para treino lógico do meu
pensamento. A intenção deste texto é tão só discursiva. Todavia, que diriam
os senhores leitores sobre a possibilidade de B e de D que,
eventualmente, tão mal diriam uns dos outros, porque os princípios que
constituem os seus projetos políticos seriam enormemente antagônicos, se
juntassem, em forma de coligação, para derrotar A ou C?
Caros leitores,
procurem na vossa memória para ver se vislumbram alguma semelhança entre a
minha reflexão e a realidade que nos envolve. Se tal acontecer é pura
coincidência, porque não consigo divisar que se B e D se
reunissem fossem capazes de fazer um bom trabalho, uma vez que esta hipótese
remota não constituiria um conjunto regular e uniforme, mas sim a reunião de
conjuntos opostos! Tratar-se-ia de um falso conjunto, porque, como seria
natural, cada parte reunida puxaria para seu lado. No atual contexto, a
reunião de A com C ou de B com D faria lembrar aquelas mulas manhosas, sempre
à espreita do erro da outra, uma a puxar para cada lado, não permitindo ao
auriga da carroça formar uma parelha proficiente. (António Pinela, Reflexões, Outubro
de 2003).
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