A
demagogia dos ônibus
O principal argumento utilizado pelo governo
de Fernando Haddad para justificar a criação de mais de 300 km de faixas
exclusivas de ônibus, que estão dificultando o trânsito em várias regiões da
cidade - o de que é preciso dar prioridade ao transporte coletivo para que ele
possa atrair paulistanos que se deslocam de carro -, só seria aceitável se a
qualidade do serviço oferecida tivesse melhorado a ponto de favorecer essa
migração. Mas isso tem sido sistematicamente desmentido pelos fatos, sendo o
último deles o descaso do atual governo municipal com a observância de uma
regra constante do contrato assinado com as empresas concessionárias, segundo a
qual não podem circular ônibus com mais de dez anos.
Reportagem do Estado, com base em dados
obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, mostra que em janeiro existiam
na cidade 938 ônibus naquela situação. Segundo a SPTrans, a empresa que
gerencia esse tipo de transporte, o número é menor, de 752 veículos, o que não
muda nada. Primeiro, porque a proibição está sendo desrespeitada, não importa
que eles sejam 938 ou 752. E, finalmente, porque não se pode alegar que nos
dois casos os números são pequenos em relação ao total da frota, de 14,8 mil. A
existência de apenas uma dezena já seria intolerável, porque demonstraria desleixo.
Se mesmo os ônibus mais novos já não são
grande coisa, é fácil imaginar o desconforto causado aos passageiros pelos
velhos, com mais de dez anos. Pessoas com dificuldades de se deslocar - por
idade, doença ou uma deficiência qualquer - são particularmente prejudicadas,
por falta de piso baixo e degraus de embarque muito altos. Em vez de tolerar a
circulação irregular de ônibus nessa situação - a idade média dos ônibus é hoje
de 5 anos e 8 meses, a mais elevada desde 2006 -, a Prefeitura deveria estar
tomando providências para substituir toda a frota por veículos não apenas
novos, mas de melhor qualidade.
O modelo de ônibus usado em São Paulo é um
desrespeito aos usuários. Ele está mais para vagão de gado do que para
transporte público. A falta de cuidado com a divisão interna faz com que os
passageiros tenham muita dificuldade de se acomodar, mesmo de pé (sentar é um
privilégio de poucos). A falta de transmissão automática, que ajuda a diminuir
as frenagens e acelerações bruscas, submete os passageiros a solavancos, que
tornam a viagem ainda mais penosa.
Mas não é só isso que impede que se leve a
sério as insistentes declarações de Haddad e de seu secretário de Transporte,
Jilmar Tatto, de que sua prioridade é o transporte coletivo. Os que andam de
carros e se sentem incomodados com os transtornos causados pela multiplicação
das faixas - costuma dizer Tatto -, que passem a usar os ônibus. A
reorganização das linhas de ônibus, que os especialistas consideram essencial
para melhorar o serviço, vem sendo feita timidamente, sem qualquer planejamento
- onde estão os estudos técnicos que deveriam orientar as mudanças? - e, o que
é pior, mais de acordo com os interesses das empresas que dos usuários. Não
custa relembrar que causa estranheza o fato de as empresas, que nunca morreram
de amores por essa reorganização, não terem reagido a elas.
Acrescente-se, ainda, que decreto baixado
por Haddad, em maio do ano passado, para estabelecer as regras para a licitação
do serviço - cujos contratos já vencidos deverão ser rediscutidos e renovados
em breve -, permitiu um aumento da lotação dos ônibus, sem que tenham crescido
na mesma proporção as dimensões estabelecidas para a maioria dos veículos. Ou
seja, um número maior de passageiros terá de se acotovelar em ônibus que, mesmo
quando novos, já são desconfortáveis. Somem-se a tudo isso as esperas
intermináveis nos pontos, nos horários de pico, e tem-se uma ideia da qualidade
do serviço para o qual Haddad quer atrair paulistanos que usam carro.
Não há como fugir à conclusão de que a
prioridade ao transporte coletivo, nos termos em que a coloca o prefeito, não
passa de demagogia. Os interesses dos passageiros de ônibus vêm em último
lugar, e olhe lá.