O
Bloco dos Sujos é o campeão do Carnaval
O que faz alguém atirar lixo como o prefeito
Eduardo Paes? Por que o brasileiro é tão sujismundo?
A pergunta “Por que o Rio de Janeiro é tão
sujo?” ganhou uma dimensão épica no Carnaval deste ano. Milhares de toneladas
de lixo deixaram de ser removidas das ruas e das praias pelos garis em greve.
Um lixo extraordinário, produzido por uma das populações mais sujismundas e
mais mal-educadas do planeta: a brasileira.
O Rio, apesar de todas as suas mazelas – e o
lixo é apenas uma delas, com a insegurança urbana, os preços surreais e o
transporte caótico –, permanece um sonho para o turista nacional ou
estrangeiro. É uma cidade absurdamente bela. Mesmo quem nasceu ou vive nela se
emociona diante de uma vista após a curva, a linha de montanhas, os matizes do
céu e da vegetação, uma cachoeira, o horizonte, uma lagoa, um pôr de sol. Essa
beleza redime a cidade que insistimos em estragar. Todos nós: governos,
empresas e a população. O Rio sofre um abuso generalizado e histórico que polui
o ar, a água, o convívio e a estética.
Para quem não é carioca, o recado do lixo também
serve. É natural que tudo seja criticado com lente de aumento no Rio, sob os
holofotes até as Olimpíadas de 2016. Mas o que dizer de outras cidades? São
Paulo também é suja, detritos emporcalham praças e ruas. Recife, Salvador,
Maceió, Natal, quanta imundície nas areias das praias, um horror.
O que faz alguém jogar lixo no chão, na
areia, na grama, na trilha, no cinema, no teatro, no bar, no estádio? O que faz
alguém não se sentir responsável pelo lixo que produz? Falta de educação, de
instrução, de cultura. E cultura não quer dizer diploma universitário. Falta
cidadania, civilidade. Falta respeito a si mesmo, ao próximo e até ao gari.
Num vídeo do RioRealblog, criado por Julia
Michaels, escritora americana que adotou o Rio há 20 anos, vi um gari responder
ironicamente a quem diz jogar lixo na rua para dar emprego aos funcionários da
Comlurb. “Então, já que você mora em casa própria, bota fogo na tua casa para
dar trabalho ao bombeiro”, disse Landenberg Benedito da Silva em seu uniforme
laranja, empunhando uma vassoura e empurrando o carrinho de lixo. “Rouba alguma
coisa, para dar trabalho ao guarda municipal ou ao PM. Mas ninguém pensa assim.
Só pensam em dar trabalho ao gari.”
Não entro no mérito da greve em pleno
Carnaval. Os garis querem aumento, como todas as categorias que têm sofrido
perdas com a inflação. Exigem piso de R$ 1.200 mais 40% de insalubridade. A
prefeitura oferece R$ 874, mais 40% de insalubridade – o equivalente a um piso
de R$ 1.224,70 – e vale-refeição de R$ 16. Há guerra de informação entre
grevistas e autoridades.
Há ameaças de grevistas a quem fura a paralisação. Há
oportunismo pernicioso de adversários políticos em ano de eleição. Nenhuma
novidade. No mundo inteiro são assim os movimentos por salário. Há negociações,
concessões, punições, quedas de braço. E um acordo final, que tenta livrar a
cara de todo mundo.
A maior lição possível dessa greve momesca é
obrigar o brasileiro a olhar para seu umbigo limpinho e perguntar por que tem o
despudor de jogar de tudo no chão: latas, garrafas, plásticos, canudos,
cigarros, restos de comida e papéis. Claro que os garis se tornam muito mais
essenciais numa sociedade de sujismundos.
As ruas de cidades civilizadas não
são povoadas por lixeiras em cada esquina, e o gari não sai atrás de você limpando
o rastro que você deixa.
Inacreditável ver gente culpando Coca-Cola,
Ambev, Pepsi e outras empresas porque “mais da metade dos resíduos gerados no
Carnaval são embalagens de bebidas”. Oi??? Onde está a responsabilidade de quem
bebe e descarta? Em 2009, em artigo em ÉPOCA, sugeri ao prefeito Eduardo Paes
uma medida radical: suspender a limpeza das praias pela Comlurb por dois dias,
só para o povo se ver refletido na sujeira. Não há contêineres suficientes?
Pois então, porquinhos, levem seu saquinho para as ruas e tragam o lixo de
volta para casa.
O mais surreal foi o desfecho da semana. Um
vídeo mostra Paes, incansável defensor do Lixo Zero, arremessando longe restos
de alimento no meio do discurso de um vereador, em Sepetiba, Zona Oeste da
cidade, no mês passado. Paes prometeu pagar a multa imposta por ele próprio.
Não basta. Se queremos mudar a mentalidade, a saída honrosa, para quem deveria
dar exemplo, é pedir desculpas e prometer nunca mais fazer isso.
Não sei se o pior mico foi o ato em si ou a
desculpa oficial: “O prefeito lançou o resto de fruta na direção de uma lixeira
mais afastada ou para que um de seus assessores fizesse o descarte em local
mais adequado”. Quanto deve ganhar o assessor que descarta o lixo do prefeito
em lixeira? Não há salário que pague.