domingo, 23 de março de 2014

Viva a sabedoria...

Participação, Imitação, Formas e Ideias em Platão

Platão, ao longo de sua vida, definiu os conceitos de participação, imitação, forma e ideia, pois viu a necessidade de postular princípios que garantissem a estabilidade dos seres.

Platão viu a necessidade de postular princípios que garantam a estabilidade dos seres, proporcionando-lhes a determinação

A passagem 153e-154a do Teeteto é o início de uma crítica na qual Platão visa refutar o relativismo tanto do tipo protagoreano quanto heracliteano. Por intermédio de Sócrates, ele observa ao seu interlocutor que se nada existe em si, uma coisa seria a um estado intermediário entre quem percebe e o objeto percebido. A cada instante, tanto um quanto o outro se transformariam noutra coisa, não havendo, pois, a possibilidade de apreensão, atestando a vacuidade da determinação.

Com isso, Platão vê a necessidade de postular princípios que garantam a estabilidade dos seres, proporcionando-lhes a determinação. Fica implícita, portanto, a hipótese das Ideias que se aproximam do modelo parmenidiano e que será tratada em outros diálogos.

No Parmênides, por exemplo, é descrita a crítica feita ao problema da relação das Ideias com os seres sensíveis correspondentes. Na tentativa de solucionar a contradição que invade o discurso desde que ele se esforça por pensar o real, a teoria das Ideias funciona como uma purificação. 

A Ideia é marca característica do pensamento de identidade que se impõe a si mesma e que existe por si mesma enquanto identidade e sobre a qual se poderá fundar o conhecimento dos objetos que participam dela e conferindo estabilidade ao lógos. Platão observa que, mesmo nos seres que mudam o tempo todo (sensível), há a permanência de imobilidade suficiente para que se possa dele ter conhecimento e que tal imobilidade ou estabilidade não deriva do sensível, mas de um outro tipo de realidade, a inteligível.

Para poder pensar as identidades concretas, considera-se a existência das identidades ideais fora da contingência de toda relação: dizer que existe uma Grandeza ou uma Igualdade em si não é dizer outra coisa. 

Assim, o pensamento de identidade se deixa conduzir ao fato de que, para ele, a formulação do princípio de identidade não é necessariamente uma simples tautologia: a pura identidade em si, que um tal princípio exprime, guia, ao contrário, a teoria da reminiscência; na ocasião de inter-relações sensíveis, lembra-se da Ideia como identidade pura em si, numa situação que, por ela mesma, inclui um verdadeiro conteúdo.

As dificuldades que o problema da participação implica iniciam-se na passagem 130e-131c do Parmênides em que Sócrates exibe sua compreensão sobre as Ideias. Para ele, as coisas participam de Ideias que lhe conferem a possibilidade de denominação. 

Mas o velho Parmênides lhe questiona se é a Ideia toda ou somente uma parte dela que participa daquilo que participa, permanecendo una em cada um dos seres múltiplos. Se assim é, então, objeta-lhe o eleata, ela ficaria separada de si mesma, o que para Sócrates é um absurdo.

Tal crítica é apontada por alguns pesquisadores como sendo uma revisão que o próprio Platão faz de sua teoria, assim como um impulso para um novo desenvolvimento nos diálogos posteriores. A caracterização da teoria das Ideias, na primeira parte do Parmênides, permite reconhecer as posições colocadas pelos grandes diálogos. 

O dualismo ontológico é evocado através dos diferentes status daquilo que a República chamava de lugar sensível e lugar inteligível, em relação ao princípio de não contradição. Quando o sensível é o lugar da contradição, podendo a identidade mostrar-se aí ao mesmo tempo una e múltipla, semelhante e dissemelhante, o inteligível é, ao contrário, o lugar da não contradição. O pensamento de identidade que governa o lógos exclui a contradição e o semelhante em si não poderia ser mostrado dissemelhante.

Como, então, conciliar duas ordens de realidades distintas? Se o múltiplo sensível participa da Ideia, esta permanece una ou divide-se em partes distintas? Se ela se divide, não é mais ela mesma; se ela permanece una em cada objeto, ela é separada de si mesma.

Aristóteles lembra que o termo participação (methéxis) é propriamente platônico e que os pitagóricos definiam a existência das coisas pela imitação (mímesis) dos nomes. Esses dois termos apresentam-se como dois modos de representar-se a presença principal, no sensível, de uma ordem de realidade apreendida unicamente pela alma. 

Não poupando nenhuma crítica à sua própria teoria, e preocupado em eliminar antecipadamente as soluções falsas, Platão considera precisamente as duas possibilidades, opondo a elas, de maneira característica, o mesmo argumento derivado de um argumento conhecido sob o nome de “terceiro homem”. 

O raciocínio é o seguinte: se a Ideia é apenas o caráter comum de uma multiplicidade sensível, percebido por uma operação do espírito, é preciso explicar como o reconhecimento desse caráter comum, que reúne a Ideia e as coisas que dela participam, não dependem, por sua vez, de alguma Ideia superior, a única capaz de impor a todos esse mesmo caráter e assim por diante até o infinito.

O argumento funciona de modo totalmente semelhante se, no lugar de uma methéxis, se considera a relação entre o sensível e o inteligível como uma mímesis: se as Ideias são os paradigmas, modelos que existem desde toda eternidade, e que as coisas são delas simples imagens, copiadas, ainda será preciso explicar como a Ideia e a coisa-imagem podem ser semelhantes entre elas e evocar para isso alguma Ideia superior e que cairá sob as mesmas críticas. 

O próprio Aristóteles, em sua Metafísica, critica Platão por ter concebido realidades inteligíveis separadas dos seres sensíveis (ideai) e por determinar que é pela participação que todas as coisas existem e que se nomeiam segundo as formas (eidesin).

Com efeito, o estagirita faz a distinção entre realidades inteligíveis, denominadas Ideias, e as formas que parecem ser o verdadeiro objeto da participação. Em um artigo que procura mapear a ocorrência dos termos eidos e Idea nos diálogos de Platão, Jean-François Pradou analisa as nuances que uma tal distinção pode provocar na interpretação dos textos de Platão. 

Segundo Pradou, o termo “Forma” referir-se-ia a características intrínsecas ou imanentes aos seres, que determinavam suas qualidades e proporcionariam uma certa resistência ao devir. É o que aparece, com suas figuras, classes, aspectos, etc. Já o termo Ideia seria a realidade inteligível e transcendente, alcançada somente pelo pensamento, que fundamenta as formas enquanto possibilidade de conhecimento, sendo, pois, causa dos seres sensíveis.

Voltando ao argumento do “terceiro homem”, que Platão considera verdadeiro, deve-se mostrar a distância entre Platão e seu discípulo. Não há razão nenhuma para diferenciar sentidos do ser quando se diz, por exemplo, que a grandeza é grande. 

Aristóteles diria que a mesma palavra ser remete a significações distintas, e que não se pode tomar no mesmo nível enunciados tão diferentes como uma simples predicação e uma definição de essência. 

Mas Platão, confiando do lógos assim como ele é regulado pelas normas da conversação dialética, nunca permite a abertura sobre uma reflexão do próprio status da linguagem que uma teoria da predicação pode constituir, e se recusa ainda mais a considerar qualquer possibilidade de polissemia. 

Pode-se levar a análise mais longe e sustentar que, em termos platônicos, o argumento do “terceiro homem” não é um erro, pelo absurdo da regressão ao infinito para onde ele mostra que conduz a contradição de uma identidade pensada fora da relação, mas que é preciso fazer entrar numa relação; a da methéxis, apenas ilustra à sua maneira o que a primeira hipótese do Parmênides mostrará, a saber, a incoerência de um pensamento de identidade estrito que, por força de querer separar o seu objeto da relação, chega a concebê-lo como pura ilimitação e, portanto, definitivamente, como inefável. 

O absurdo da regressão ao infinito, que tem como consequência a ilimitação de uma identidade indizível e, por isso, inexistente, foi muito bem concebida por Platão como um argumento dirigido contra o pensamento de identidade que sustentava a teoria das ideias; pleiteia, a contrario, o restabelecimento da relação, até entre as próprias ideias, pois através dela vêm a limitação e a possibilidade de dizer uma identidade que, determinada, seja realmente identidade enquanto tal.

A participação parece indispensável para salvar nosso pensamento do ser. Sem ela, a teoria das Ideias deve enfrentar um último argumento particularmente terrível. Quando se tiver, de fato, reconhecido a existência de duas ordens, separadas, de realidade, as coisas de cada ordem só poderão ter poder (dýnamis) entre as coisas da mesma ordem, e em nenhum caso sobre as da outra ordem. 

Mais ainda, sendo distintas as duas ordens, não só as coisas de uma não poderão ter influência sobre as coisas da outra, mas, pertencendo a uma ordem, não se poderá conhecer as realidades da outra ordem; o homem não poderá conhecer as coisas divinas e Deus não poderá conhecer as coisas humanas.

A primeira hipótese do Parmênides apresenta-se, de fato, como a demonstração pelo absurdo da impossibilidade, para a filosofia, de limitar-se a um estrito pensamento de identidade, quer dizer, a um pensamento que acreditaria precaver-se da contradição pela fuga para identidades que se poriam a si mesmas e seriam conhecidas por elas mesmas.

O princípio de identidade é, com efeito, aplicado aqui até ao absurdo, até esse limite que lhe tinha fixado Antístenes: a impossibilidade de uma coisa dizer outra além dela mesma, isto é, em termos aristotélicos, a impossibilidade da predicação. 

O raciocínio de antístenes baseava-se de maneira estrita sobre o princípio de identidade. Para ele, o único tipo de proposição legítima correspondia ao esquema: Sócrates é Sócrates. Dizer, por exemplo, que Sócrates é homem seria já dizer outra coisa que ele mesmo. O uno que Platão põe na primeira hipótese será analisado segundo um mesmo pensamento de identidade levado aos seus limites. 

A única proposição possível é: o uno é uno. Toda outra forma de atribuição é percebida como contraditória. O um será dito ilimitado, porque aí está a própria forma da indeterminação. Fora da tautologia, pois, fala-se apenas negativamente do um.

Uma passagem característica da crítica do pensamento de identidade ao qual corresponde a primeira hipótese é aquela onde se trata, precisamente, da identidade em si do uno. Diès vê aí uma espécie de truque de mágica verbal pelo qual Parmênides, tendo posto que a identidade não é unidade, substituiria a proposição que se segue naturalmente (a saber, ser idêntico não é ser uno), pela outra sofística (a saber, ser idêntico é não ser uno). 

Mas, de fato, Platão apoia-se simplesmente no fato de que o um e o mesmo diferem, quer dizer, que o mesmo é outro que o uno: são dois princípios distintos. Por conseguinte, quando se diz que o uno é o mesmo, ele torna-se outra coisa, o par do uno e do mesmo e, por conseguinte, é outro que ele mesmo. 

Aqui o princípio de identidade é levado até ao absurdo: nada se pode dizer do outro do um que ele mesmo. Assim, a impossibilidade colocada não se limita, pois, à natureza do um em si mesmo, e sim ao discurso. 

É característico que Platão não diga que, por tornar-se idêntico a si mesmo, o um se tornaria dois; ele diz simplesmente que não seria mais um consigo mesmo. Essa é a cisão da alteridade em si e o verdadeiro problema vai além da natureza do uno: é o problema de um discurso que, ao pôr uma identidade, diz alguma coisa de outra, porque ele se serve de um nome diferente. 

A identidade da qual se fala parece, pelo discurso, outra que ela mesma, pela virtude de uma contradição que Platão ilustra pela oposição do uno e do múltiplo e que repousa na possibilidade de poder enunciar vários nomes a propósito de uma mesma identidade. A não identidade consigo, que Platão afirma aqui do uno, poderia ter deduzido não importa de que outra identidade que não fosse o um.

Essa primeira hipótese conduz, assim, a uma aporia total: o uno não é um e não é; não tem nome, nem definição, não pode haver aí nem sensação, nem opinião, nem ciência. 

É, pois, o próprio tipo de pensamento pelo qual se buscou apreendê-lo que está totalmente posto de novo em questão. Parmênides não diz que do lógos se segue que o uno não é; ele diz, ao contrário, que é impossível que haja assim o uno – intervenção de um princípio de realidade que domina o princípio de identidade e, de resto, constitui uma heresia notável, na boca de Parmênides, em relação ao parmenidismo. Portanto, é preciso mudar o lógos, o que será feito somente no Sofista.

Cultura...

Último volume de coleção de história diz que chagas da ditadura de 1964 são encobertas

Evento não foi só produto da caserna, defende historiador em livro bancado por fundação espanhola

Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S. Paulo
Último volume da coleção História do Brasil Nação, bancada pela Fundación Mapfre e organizada pela historiadora Lilia Moritz Schwarcz, o livro Modernização, Ditadura e Democracia chega em abril às livrarias para apimentar a polêmica sobre o golpe que instaurou há 50 anos uma ditadura no País.

Rejeitando o argumento de que foi uma revolução engendrada exclusivamente na caserna, o coordenador da obra, Daniel Aarão Reis rebate teses históricas e diz que se tratou, antes, de uma aliança "heterogênea e disparatada" entre militares, líderes políticos, empresariais e religiosos.

Cobrindo o período que vai do golpe aos dias de hoje, o livro incorpora as grandes manifestações sociais registradas em todo o País desde junho do ano passado, reprimidas como na época do regime militar.

Para discutir a coleção, que começa em 1808, ano da transferência da corte portuguesa, o Caderno 2 entrevistou a historiadora Lilia Schwarcz e o coordenador do quinto volume, que tem entre seus colaboradores o economista Paul Singer.

Lilia Schwarcz escolheu os 27 autores presentes nos volumes. Há um extra, só de fotos, Um Olhar Sobre o Brasil, organizado por Boris Kossoy. Ele traz imagens como a que ilustra esta página, de Evandro Teixeira, feita no Rio, em 1964.

O que aconteceu, de fato, nesse ano, quando o golpe militar levou à Presidência da República o general cearense Castelo Branco? Medo de uma guerra civil? Paranoia anticomunista? As respostas são muitas, mas desencontradas.

A facilidade com que o presidente João Goulart (1919-1976) foi destituído em 1964 e como o governo militar se instalou no poder é uma questão que merece melhor exame, diz o historiador Daniel Aarão Reis, ele mesmo perseguido na época pelo regime, que agora examina em Modernização, Ditadura e Democracia, quinto volume da coleção História do Brasil Nação, bancada pela espanhola Fundación Mapfre e coordenada pela historiadora Lilia Moritz Schwarcz. Na versão oficial da história, "as direitas venceram porque eram mais poderosas e as esquerdas, mais desorganizadas, incapazes de lutar". Aarão Reis, autor de uma biografia (inédita) do líder comunista Luís Carlos Prestes para a Companhia das Letras, diz que não foi bem assim.

O golpe que instaurou a ditadura em 1964, segundo ele, "exprimiu uma heterogênea aliança, reunindo líderes políticos, empresariais e religiosos, civis e militares, elites sociais e segmentos populares". E como essa minoria de golpistas conseguiu paralisar sem luta todo um país? Por que sem um único tiro instauraram a ditadura que durou de 1964 a 1979? Os golpistas, movidos pelo medo de reformas revolucionárias, argumenta o autor, usaram a "defesa da democracia e do cristianismo" como escudo. Contra a baderna e o medo que o Brasil copiasse o modelo comunista cubano, a nação trocou as alpargatas pelos coturnos.

Democracia. Daniel Aarão lembra que "salvar" a democracia, para muitos, "passava pela extirpação do getulismo e a eliminação dos comunistas" (leia entrevista ao lado). Era preciso que o golpe fosse transformado numa "revolução" - e foi justamente o que fez a Junta Militar, em nome do comando da Revolução de 1964, editando o Ato Institucional de número 1, em abril daquele ano, o primeiro de uma série de quatro baixados durante o governo do general Castelo Branco, que permitia cassar mandatos e suspender direitos políticos. O militar cearense, lembra o historiador, cassou mandatos, mas prorrogou o seu até 1967, ano de sua misteriosa morte, criando ainda o Serviço Nacional de Informações (SNI), centro de espionagem que levou à tortura os oponentes do regime.

O quinto volume da coleção foi dividido pelo coordenador em cinco partes, cada uma delas assinada por especialistas em suas respectivas áreas. Paul Singer analisa o período entre o "milagre econômico" do regime militar e a crise financeira mundial de 2008, enquanto Marcelo Ridenti traça um panorama do momento da virada rumo à massificação da cultura. Os outros três pesquisadores são Herbert S. Klein, Francisco Vidal Luna e Francisco Carlos Teixeira da Silva, todos eles com visões bem diferentes das interpretações consagradas a respeito da época.

Foi em 2009 que a fundação espanhola Mapfre encomendou essa coleção sobre a história do Brasil a Lilia Schwarcz, parte de um ambicioso projeto editorial, América Latina na História Contemporânea, publicado em dez países com a participação de 400 especialistas. Ela deveria contemplar a formação da nação brasileira, o que levou a historiadora a escolher o ano de 1808, o da transferência da corte portuguesa para o Brasil, como o marco zero da coleção, que tem, entre seus autores, respeitados nomes. Entre eles estão os historiadores e diplomatas Alberto da Costa e Silva e José Murilo de Carvalho, o jurista Rubens Ricupero, o escritor Jorge Caldeira e a própria organizadora da coleção (no volume que vai da proclamação da República a 1930).

A coleção da Fundación Mapfre feita nos outros países latinos é ilustrada, mas só a edição brasileira tem um livro separado - e luxuoso - com a iconografia do período, entre 1808 e a primeira eleição de Lula. Um Olhar Sobre o Brasil - A Fotografia na Construção da Imagem da Nação, coordenado pelo fotógrafo Boris Kossoy, traz registros antológicos de grandes profissionais da área, de Augusto Stahl a Sebastião Salgado, contando com 350 documentos, sendo o mais antigo de 1850.

Imagens. Lilia Schwarcz, grande entusiasta da análise histórica a partir da iconografia, fez questão de um volume à parte (e não um anexo) justamente por entender que pinturas e fotos são tão importantes para o estudo da História como as cartas e outros documentos escritos. "Tenho defendido que as imagens conduzem à reflexão, não são simples ilustrações", diz, condenando a relação de subalternidade da imagem ao texto nos livros de história.

Seu modelo, evidentemente, é o austríaco Ernst Hans Josef Gombrich (1909-2011), o historiador de arte que operou dentro de um território não demarcado, estabelecendo um rico diálogo entre arte, ciência, filosofia e psicologia. Gombrich defendia que as imagens geram imagens e que esse fluxo de relações conduz a uma cultura visual intimamente ligada à memória - ou à história, no caso.

Exemplos vigorosos da seleção de imagens do quinto volume são duas fotos históricas: a da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, realizada em 2 de abril de 1964, no Rio, e o comício das reformas de base do dia 13 de março daquele ano, congregando as forças de esquerda sob a liderança de Goulart. Lá está visível o embrião do golpe que instaurou uma ditadura de 15 anos - contra a historiografia oficial, o autor diz que ela acabou em 1979 com a revogação dos atos institucionais.

As fotos também mostram a transformação de um país agrário numa nação urbana, aberta para o mundo e dirigida por uma mulher, depois de presidida por um sociólogo e um operário, algo impensável em 1964. Aarão Reis admite que houve mudanças, "mas tiveram, e têm ainda um alto custo", como o "trauma dos milhões arrancados de seus lugares de origem e obrigados a migrar" e a tortura, "que continua sendo praticada por agentes do Estado". E conclui: "Enganam-se os que pensam que a onda (de manifestações) de 2013 acabou. Penso que ela tende a retornar mais cedo do que tarde".

Entendendo...

SOCIOLOGIA
Três ladrões de ovelha: Mentira repetida vira

Lá para as bandas do sertão da Paraíba, enfiados na caatinga, três cangaceiros descansavam, quando avistaram na estrada, ao longe, um homem que carregava uma ovelhinha nos ombros. Fazia dois dias que os três não comiam e, apesar de filhotinha, a ovelha daria uma bela refeição.

Mas os fora da lei também têm o seu orgulho e atacar um pobre diabo como aquele que ia pela estrada era até uma vergonha para três cangaceiros famosos e destemidos como eles. Foi quando o primeiro teve uma boa ideia, contou aos outros e eles resolveram pô-la em prática.

O primeiro cangaceiro foi até a estrada, disse bom-dia ao homem que lá vinha e perguntou:

– Onde é que vosmecê comprou esse cachorro tão bonito?

– Isso não é um cachorro, não. É uma ovelha, que eu comprei na feira – o homem explicou.

O cangaceiro teimou que era um cachorro, mas não disse mais nada e se despediu. Mais adiante, o segundo cangaceiro pareceu na estrada e foi logo elogiando o cachorrinho que o homem carregava nos ombros. Não adiantou o homem explicar que se tratava de uma ovelha, pois o cangaceiro continuou a insistir em chamá-la de cachorro.

Depois foi a vez do terceiro ladrão aparecer na estrada e fazer o mesmo jogo.

– Que cachorrinho bonito! Vosmecê não quer vender?

E os dois discutiram – é ovelha, é cachorro – até que o cangaceiro foi-se embora. A essa altura, o homem, muito aperreado, olhou devagarzinho a ovelha e acabou se convencendo de que ela era mesmo um cachorro. Largou-a ali mesmo na estrada e seguiu seu caminho, furioso consigo mesmo pela compra idiota que havia feito.

Os três cangaceiros, então, recolheram a ovelha na estrada e almoçaram muito bem naquele dia.

Curiosidade...

Por que piscamos?
Piscar lubrifica e limpa a córnea

Quantas vezes você já fez essa pergunta e nunca recebeu uma resposta satisfatória? Também já deve ter se perguntado, por que os olhos ardem quando permanecemos certo tempo sem piscar?

Muitos dizem que piscar é um charme humano, que obtém muito sucesso durante uma paquera, mas a real finalidade da piscada não é essa. Na região ocular existe uma glândula responsável pela produção de lágrimas, denominada glândula lacrimal, a lágrima produzida por ela é responsável por irrigar os olhos, um tipo de líquido lubrificante. 

Piscamos inúmeras vezes ao longo do dia para espalhar essa lágrima por toda a superfície ocular, essa secreção permite uma limpeza natural da córnea. Além do mais, às vezes piscamos como reflexo para evitar a ação de agentes externos como, por exemplo, a poeira, impedindo que essa entre em contato direto com a córnea. Quando passamos um tempo sem piscar os olhos começam a arder, pois os mesmos necessitam de lubrificação constante, por isso é tão importante piscar.

Piscamos graças a um conjunto de nervos conectados aos olhos. Há dois tipos de estímulos; o visual e o sensitivo, que chegam ao nervo óptico, esse envia uma mensagem ao núcleo óculo-motor, situado atrás do globo, que aciona os músculos e fazem as pálpebras se fecharem. Permanecer muito tempo sem piscar pode gerar diversos problemas, entre eles a diplopia, ou seja, “Síndrome do Olho Seco”.

Se por ventura sentir alguma alteração na região ocular procure seu oftalmologista, para evitar problemas futuros.

Piada..

Um advogado e sua sogra estão em um edifício em chamas. Você só tem tempo pra salvar um dos dois. O que você faz? Você vai almoçar ou vai ao cinema?

Devanear...

Leia um trecho erótico do livro "80 dias - A cor da Paixão"
Você nunca mais irá se achar feia após a academia depois disso...

Simón era bem mais voltado para a família do que eu. Brigava com os irmãos como cães e gatos, e com os pais também de vez em quando, mas falava com todos pelo menos uma vez por semana. Minha família e eu tínhamos um relacionamento bem feliz, mas eu conseguia passar facilmente seis meses sem ter notícias deles.

Ergui o olhar e o beijei. Ele tinha lábios carnudos e, na maior parte dos dias, barba por fazer. Simón reagiu ao toque dos meus lábios, me beijou com firmeza e me puxou delicadamente para o quarto, passando as mãos por baixo da minha camiseta e puxando o fecho do meu sutiã esportivo.

Ele havia aprendido uma das minhas peculiaridades: não tinha nada que eu quisesse mais quando estava aborrecida — desde que não fosse com ele — do que sexo. Eu sabia que era uma forma estranha e específica de consolo, só minha e talvez de uma pequena minoria da população feminina. O sexo colocava meus pés no chão como mais nada conseguia fazer, e era a única coisa na Terra, atrás talvez apenas de tocar meu violino, que me fazia sentir em paz.

Simón puxou minha calça de corrida para baixo e deslizou o dedo para dentro de mim. Uma onda familiar de prazer subiu pela minha coluna em reação ao toque dele.

— Eu devia tomar banho — protestei. — Estou toda suada.

— Não, não devia — disse com firmeza, me empurrando para a cama.

— Você sabe que gosto de você assim.

Era verdade, e ele tentava enfatizar isso com frequência. Simón gostava de mim como eu era, estivesse como estivesse, algo que sempre deixava claro ao me acordar com a cabeça entre as minhas pernas ou partindo para cima de mim quando eu terminava de me exercitar. Ele era um homem apaixonado que amava fazer amor e fazia tudo que podia para me agradar. Porém, tínhamos gostos diferentes na cama.

Ambos preferíamos não estar no comando.

Simón não era um homem dominador, e eu sentia falta desse traço de força, da firmeza do toque de Dominik e de outros homens como ele. Eu queria ser amarrada à cama e deixar que outra pessoa fizesse o que quisesse comigo. Simón tentou, mas nunca conseguiu aceitar a ideia de que podia genuinamente me machucar. Ele dizia que, mesmo de brincadeira, não podia amarrar uma mulher nem bater nela, e isso descartava spanking, uma das coisas de que eu mais gostava.

Ele era um bom homem. Eu sabia que me colocar por cima era bem mais o estilo dele do que o contrário, mas estava fazendo assim porque sabia que eu preferia. O fato de eu ter passado nosso relacionamento inteiro com uma sensação irritante de insatisfação era fonte constante de culpa, como um ferimento que não fechava, uma coceira que eu não conseguia coçar.

Eu queria, mais do que qualquer coisa, ser o tipo de mulher que ficaria feliz com todas as coisas comuns. Eu tinha até mais do que as coisas comuns. Não apenas um bom homem, mas um homem maravilhoso. Nós dois tínhamos bons amigos, ótima saúde e carreiras de sucesso. Mas, ainda assim, uma voz sussurrava no meu ouvido que a vida que eu estava vivendo não era a vida que eu queria nem uma vida certa para mim.

Simón queria se casar e ter filhos, e eu não. Era a única coisa sobre a qual realmente discordávamos e nunca conseguíamos resolver, e eu tinha uma sensação dilacerante de horror cada vez que eu o via olhando para uma vitrine de joalheria e para os anéis de noivado, ou sorrindo para um bebê na rua. 

Todas as coisas que o teriam deixado feliz e satisfeito para sempre eram coisas que me apavoravam e, na calada da noite, quando eu não estava distraída pelo trabalho nem por compromissos sociais nem correndo no frio, sentia como se alguém tivesse prendido um peso no meu pescoço, ou pendurado uma auréola acima de mim que era tão pesada que eu não conseguia segurá-la no ar. Às vezes, sentia como se fosse ser esmagada sob o peso da minha própria vida.

Duas semanas se passaram, e meus sonhos estavam cheios de água agitada e do som da voz de Dominik.

Eu acordava de manhã, assustada, como se tivesse sido arrancada do sono por um leão.

Apesar dos meus medos e das minhas preocupações, o tempo passou, como sempre passava. Eu corria todos os dias, ensaiava, ia a eventos noturnos com outros casais, a maioria do cenário musical. Mas me sentia sem propósito, como um navio sem leme, como se minha vida estivesse gradualmente se dissolvendo no nada, um momento de cada vez.

Número dois...



"Aí não, amor!"
No país do sexo anal, a vida pode ser difícil para as mulheres

Um jornalista americano escreveu na revista Vanity Fair que a grande palavra da cultura alemã é “merda”. Segundo ele, os excrementos humanos e suas variações ocupam um lugar de destaque na língua e no pensamento alemães. Como eu não entendo mais que 12 palavras em alemão, não posso realmente julgar a afirmação, mas ela me fez pensar sobre qual seria a palavra mais reveladora, mais carregada de sentidos e mais frequente do português falado no Brasil - e aí não tenho dúvida que de que temos algo em comum com os alemães. Se eles se lambuzam com a palavra “merda”, nós, brasileiros, somos apaixonados pela palavra “cu”.

Ela aparece em todas as conversas e permeia todas as relações, invariavelmente de um jeito vulgar, mas que todos praticam. A gente diz que o Brasil é um cu, fala que fulano mora no cu do mundo, lembra que o cu não tem a ver com as calças. E esse é apenas o substantivo, o advérbio, o cu como sinônimo de coisa ruim. O outro uso da palavra, ainda mais revelador, é como metáfora da penetração. Se o cara fechou você no trânsito, você manda ele tomar... 

Porque dói. Se o chefe é injusto, obviamente está pondo ... Porque humilha. Quando você se deu mal, claro, levou ... Porque fere. E se alguém está passando dos limites, você pergunta: na bundinha não vai nada? Porque se trata de um abuso. Duvido que haja outro país em que a mesma palavra – e a metáfora da penetração – sejam usadas com tanta frequência e com tamanha intensidade emocional. Sobretudo na linguagem masculina. São os homens que mais põem e levam, o tempo inteiro.

Não precisa ser o Contardo Caligaris para perceber que este é um país de sodomitas, ao menos retoricamente. Os homens brasileiros são obcecados por sexo anal, e por isso o assunto transborda de forma tão exuberante na linguagem diária.  Os marmanjos pensam e falam insistentemente sobre o assunto, mesmo quando não praticam. O resultado dessa predileção real ou imaginária é que o tema invade a rotina das mulheres. Em boa parte dos lares brasileiros sexo anal é motivo de debate acirrado. Às vezes, é o grande impasse sexual do relacionamento. O homem quer, a mulher resiste. E a conversa continua.

Em privado, muitas mulheres reclamam dessa insistência masculina. Elas às vezes cedem, com grande desconforto, para que o sujeito não vá realizar a mesma fantasia com outra mulher. 

Sexo anal muitas vezes é um sacrifício, um gesto de amor que o parceiro nem sempre percebe como tal. As mulheres muitas vezes se embriagam para permitir que aconteça. Usam anestésico para reduzir as sensações ruins. Veem cursos na internet para aprender o jeito menos dolorido de se deixar penetrar. Isso tudo antes. 

Depois que acontece, elas reclamam de outras coisas. A primeira é a dor, presente durante e depois do sexo. A outra é que o parceiro, tendo vencido essa fronteira, acha que a passagem ficou livre. Em vez de diminuir, a concessão aumenta a pressão por dar o cu. Outra vez.

Mas essa é apenas parte da história. A outra envolve as mulheres que gostam de sexo anal. Há muitas delas, verdadeiras entusiastas. Por razões que podem ser psicológicas ou físicas – o reto tem mais terminações nervosas que a vagina – elas atingem orgasmos mais intensos ou têm sensações emocionais mais completas quando penetradas por trás. 

O ato envolve alguns cuidados do parceiro, geralmente implica em algum tipo de dor para elas, mas, ainda assim, ou por isso mesmo, elas curtem. Por fetiche, por doação, por anatomia – quem saberá?

Hoje em dia, com a difusão de um certo feminismo rasteiro, existe preconceito em relação a mulheres que gostam de sexo anal. 

Uma moça que eu conheço foi discutir as possíveis consequências da penetração anal com a ginecologista e ouviu um sermão. 

“Você não precisa se submeter a isso”, disse a médica. “Eu não me submeto. Eu gosto”, respondeu a moça. “Mas penetração anal machuca, não é para gostar”, retrucou a médica. A moça, que é boa de briga, mas já se sentia um pouco humilhada, encerrou a conversa sugerindo à médica que a anatomia “e a cabeça” delas eram diferentes. Talvez fosse o caso de mandar a médica moralista tomar naquele lugar.

No fundo tudo se resume a anatomia e cabeça.

Algumas mulheres não têm a anatomia necessária. Gostam de sexo, transam com desenvoltura e têm prazer em experimentar novidades. Mas, por mais que tentem, a penetração anal resulta para elas num ato triste e doloroso, que leva à beira do mal estar e não do êxtase. 

Nessas circunstâncias, o parceiro precisa abrir mão e entender que só há prazer quando dois estão curtindo. Mesmo porque, em alguns casos o problema anatômico é dele. Entre as vantagens de ser bem dotado não se inclui a de achar parceiras ansiosas para o sexo anal. Esse é um terreno em que os menores têm mais chance.

A questão dos sentimentos – o que passa pela cabeça das mulheres – é ainda mais complicada. No mar revolto e impenetrável de onde emerge o prazer não há respostas claras. Li há tempo sobre uma mulher que se excitava intensamente só de ouvir uma voz masculina que viesse por trás dela – esse era o preâmbulo suficiente para uma perfeita relação anal. Outras mulheres, igualmente saudáveis, não podem nem ouvir falar de dar o cu. A simples menção do ato lhes desperta repulsa e temor. Quem está certa e quem está errada? Ninguém.

Houve um tempo em que a dificuldade das mulheres em se deixar penetrar dessa forma era considerada um defeito. Fulana é ruim de cama, nem gosta de sexo anal, os homens diziam. Os mesmos homens que diante de um delicado dedo no seu ânus seriam capazes de reagir aos bofetões. Acho que esse tempo está acabando, porém. 

Continuamos, como uma grande nação emergente, obcecados pelo cu, mas aos poucos percebemos que isso pode ser apenas uma metáfora. Se a sua fêmea relutante não tiver medo de ser violada a cada noite, se ela souber que tudo vai ficar no terreno da fantasia, talvez ela aceite brincar e falar sobre o assunto. A imaginação não tem esfíncter e pode ser muito excitante. Por ela passam, sem dor, coisas que na vida carnal fariam chorar e desistir.

Mais uma etapa superada...