Dieta: como ela age no mundo
A variedade de livros e produtos nas prateleiras se alimenta dos
nossos desejos e falhas. E vem engordando: nos EUA, a indústria das dietas é
maior que a de tênis.
Você pode não prestar atenção no que come, mas há um setor
inteiro da economia que analisa e dialoga com nosso constante desejo e eterna
dificuldade de emagrecer. Não há estimativas do tamanho do mercado de dietas no
Brasil, mas nos EUA, onde 69% da população adulta está acima do peso, ele
movimenta US$ 58 bilhões por ano – US$ 14 bilhões a mais que o mercado de
calçados e só US$ 10 bilhões a menos que o gasto do governo americano com
saúde.
O número leva em conta o faturamento de setores variados, como
mercado editorial, refeições prontas e shakes, todo tipo de comidas e bebidas
diet, light e zero, adoçantes, vídeos de fitness, sites de consultoria
nutricional (afiliados ou não a uma dieta específica), remédios para emagrecer,
spas.
Um passeio por qualquer livraria revela os milagres prometidos
para todos os gostos, propósitos e crenças. Alguns títulos no Brasil são: Viva
Melhor com a Dieta do Tipo Sanguíneo (seu tipo de sangue determina o que você
vai comer), Emagreça Naturalmente com a Dieta da Lua (quando a lua muda, você
só ingere líquidos por 24 horas), A Dieta do Abdome (programa de seis semanas,
foca em 11 alimentos que magicamente tiram gordura só da barriga), A Dieta da
Zona Ayurvédica (baseada em princípios da medicina milenar indiana), A Dieta do
Mel (duas colheres de mel antes de dormir queimam gordura). Se você prestou
atenção até aqui, já sabe que é picaretagem.
A variedade de títulos vem no embalo dos best-sellers do gênero.
Os sete livros do cardiologista americano Robert Atkins emplacaram, desde 1972,
30 milhões de cópias. A edição revisada do primeiro livro encabeçou a lista de
mais vendidos do New York Times por 300 semanas seguidas entre 1999 e 2004. Já
a série da Dieta de South Beach, lançada em 2003, vendeu 22 milhões de cópias.
Uma piadinha do meio diz que a indústria da dieta anda em muito melhor forma
que seus consumidores.
O fato é que nós também fazemos nossa parte nesse jogo de
me-engana-que-eu-gosto. Trocamos o açúcar da caipirinha por adoçante para beber
sem culpa um copão de pinga supercalórica. Pagamos a academia para não ir, mas
sentir que já demos o primeiro passo. Seguimos as dietas das revistas porque
preferimos comprar motivação a encarar um esforço consciente e de longo prazo.
“É mais fácil entrar numa dieta com a esperança de que ela fará você se sentir
melhor do que tentar entender a sua ansiedade”, alerta Carol Munter, autora do
best-seller Overcoming Overeating (“Superando a Supercomilança”, sem edição
brasileira).
Lógica aparente
Mas o que explica o sucesso da literatura de autoajuda
nutricional? Fora alguns absurdos escancarados, o fato é que as dietas de
sucesso vendem ideias que aparentemente fazem sentido. Aparentemente.
A Dieta de Atkins, por exemplo. Seu pulo do gato seria um
processo chamado cetose, que ocorre quando o corpo não tem seu combustível
preferido, a glicose, e é forçado a se manter basicamente convertendo as
reservas de gordura em energia. De brinde, a cetose ainda libera cetonas,
substâncias que tirariam o apetite. Mas estudos já mostraram que essa excreção
de calorias pode ser muito baixa, cerca de 100 por dia. O fato é que a Dieta de
Atkins costuma emagrecer rápido no começo porque boa parte do peso que se perde
é músculo e água – sem falar que o cardápio é monótono. Atkins também se
equivocou ao dizer que carboidratos não dão saciedade, apenas gorduras e
proteínas.
Outra confusão que virou lei é comer de 3 em 3 horas, o que
manteria o organismo gastando energia. Ok, nutricionistas e endocrinologistas
concedem: comer mais vezes pode ajudar a controlar a fome. Mas não acelera o
metabolismo e, a longo prazo, dificilmente emagrece. Aliás, essa prática
incentiva o consumo de snacks calóricos e as compulsões alimentares.
As dietas que liberam os líquidos são igualmente problemáticas.
Sim, mesmo os sucos naturalíssimos, repletos de vitaminas. “Nosso organismo não
tem a mesma capacidade de identificação de saciedade com líquidos e sólidos”,
diz Patrícia Jaime. Compare um suco de maçã e uma maçã, por exemplo. A maçã tem
fibras (o que manda sinais de saciedade) e você a mastiga (o que manda sinais
de saciedade também). No suco, as fibras foram perdidas, ao extrair o sumo da
polpa você tem um concentrado de açúcar de várias maçãs (é mais calórico).
Apesar das calorias, a bebida ainda vai deixar bastante espaço para a comida.
Nas prateleiras
A indústria alimentícia é outro ator central desse jogo. Para a
OMS, há evidências de que o aumento da obesidade é influenciado pelo marketing
agressivo das cadeias de fast food – lembra-se do ambiente obesogênico, contribuindo
sutilmente para engordar?
Outros vilões são os alimentos de alta densidade energética.
Normalmente industrializados, eles concentram muitas calorias em pouco volume e
confundem nosso corpo, que vai engordando sem nos avisar para parar. Quem já
mandou um pacote de biscoitos recheados para dentro sabe bem.
Por outro lado, as prateleiras são inundadas com opções que
protegem contra aumento de peso. Como os alimentos adicionados de fibras e com
selo de “baixo índice glicêmico” piscando no rótulo. Estamos exagerando no
açúcar? Nos dão versão diet. Precisa-se de Ômega-3? Compre margarinas
enriquecidas dele. Muita gordura? Vá de livres de trans. É acender uma vela
para Deus e outra para o Diabo.
Quer exemplos? Dois gigantes do mercado de refeições light, as
multinacionais Jenny Craig e Slim-Fast (o carro-chefe são os shakes, também
vendidos no Brasil), foram comprados pela Nestlé e pela Unilever (dona da marca
Kibon), respectivamente. Já a multinacional Heinz, famosa pelas mostardas de
grife, é também a dona do negócio de refeições prontas dos Vigilantes do Peso.
Por fraqueza sua ou astúcia dela, a indústria da dieta está aí,
firme e forte, enquanto a gente está aqui, inseguro e guloso.
Mitos
1. “Comer de 3 em 3 horas
ajuda”
Ajuda a comer menos nas refeições. Mas daí a acelerar o
metabolismo vai uma distância. Para a OMS, não há evidências de que fracionar
as refeições diminua o risco de engordar. Ao contrário: o hábito faz com que
você perca o controle nas refeições intermediárias.
2. “Remédio para emagrecer
funciona”
Além de efeitos colaterais, como irritação, insônia,
taquicardia, quando você para de tomar o remédio, o apetite aumenta. Outro caso
são os remédios irresponsavelmente prescritos que causam disfunções na tireoide,
glândula que regula o metabolismo.
3. “Carboidrato não sacia”
“Mentira. Todos os alimentos dão saciedade”, diz o
endocrinologista Márcio Mancini. Os carboidratos têm sido vilanizados porque se
conclui que os do tipo simples (pão e arroz branco, batata, açúcar)
desequilibram o organismo. Mas basta consumi-los com moderação.
http://super.abril.com.br/saude/dieta-como-ela-age-no-seu-mundo/