sábado, 4 de janeiro de 2014

Sem rumo...


Dias de ninguém
O período entre o Natal e o Ano Novo é o melhor do ano porque nada parece acontecer, nem mesmo os acontecimentos

Eu me sinto feliz logo que termina o Natal e o Ano Novo está a cinco dias de acontecer. Parece que o mundo suspende a descrença e os homens passam a experimentar um intervalo quando tudo parece possível, salvo os fatos. Nada parece acontecer, nem mesmo os acontecimentos. Há um clima de contagem regressiva até a virada do ano que pelo menos eu gostaria de assistir em câmera muito lenta para que nunca chegasse ao final. Como Aquiles que jamais alcançará a tartaruga, já que ele se desloca em um espaço divisível ao infinito, mantendo-se em eterna desvantagem em relação ao trajeto da tartaruga. Gosto de ser Aquiles e o calendário, a tartaruga no mundo em que linguagem, a realidade e a lógica se embaralham. Alguns chamam esse estado de devaneio, ou fantasia.

É o momento em que vale apena habitar os dias de ninguém, os meus favoritos. Vivo mais neles do que em outros dias do ano, pois consigo respirar e resolver problemas que foram prorrogados até o limite. Até problemas não parecem um problema. É como se, em 60 horas, a eternidade se apresentasse e eu pudesse senti-la sem ter de me angustiar ou morrer para isso.  

No entanto, infelizmente, fatos continuam a ocorrer nesse período. Jornalistas vivem de notícias, mas torcem para que elas não aconteçam entre as festas de fim de ano. Muitas catástrofes costumam acontecer, independentemente da vontade dos homens de notícia. Agora é a estação das chuvas no Sudeste do Brasil e morros e casas despencam e rios inundam os vales, deixando milhares de flagelados. Foi em 26 de dezembro de 2004 que o tsunami atingiu a Indonésia, matando 230 mil pessoas. Como se fôssemos acordados com gritos de terror no meio de um sono bom, um sono sem sonhos. Nâo, isso não pode ter acontecido...


Mas nem tudo são tragédias. Poucas horas atrás o cantor canadense Justin Bieber divulgou na sua conta do Twitter que vai se aposentar. Aos 20 aos. Presentes de Natal são sempre bem-vindos, mesmo que de última hora, como este de Bieber. A retirada de cena de Bieber abrilhantará a cena musical por muitos anos. Tomara que ele cumpra a promessa. Quantos jovens não seriam poupados de acampar por meses nos estádios para esperar para que ele interrompa seu show de dublagem no meio? 

Não sou um belieber para acreditar nele. Mesmo assim, se outras jovens celebridades do mesmo naipe seguissem o Twitter de Bieber e o levassem ao pé da letra como inspiração, talvez o mundo se enchesse de alegria. Seria maravilhoso assistir à suspensão perpétua de Selena Gomez, Demi Lovato, One Direction (esses New Kids on the Block da Cool Britannia), Lindsay Lohan e mesmo o bando de criancinhas que enxameiam os canais de televisão e os jovens escritores que acham que escrevem bem. A interrupção precoce dessas carreiras enriqueceria o planeta e colaboraria com a restauração de um pouco de ar puro no meio ambiente. Mas talvez Bieber tenha produzido apenas uma ocorrência nula, um factoide.

Devo ter cuidado para não resmungar como em outros dias do ano, se quiser manter a alegria que este interregno me traz. O ano já acabou, embora restem algumas horas que podem ser aproveitadas com grande intensidade. Até mesmo a igreja católica aboliu o limbo, o espaço simbólico onde moravam as almas boas que, segundo os antigos sábios da patrística, não alcançaram o advento do cristianismo. Com a licença de Santo Tomás de Aquino, quero crer que o limbo existe na Terra e se estende do fim do Natal ao dia 31. O limbo e a suspensão do tempo não são mera convenção, porque todo mundo sente coletivamente a passagem do tempo quando ela é ritualizada por bilhões. O resultado é uma violenta liberação de energia que chega ao paroxismo no Réveillon. A mesma regra vale para quando bilhões, antes de explodir, combinam dar um tempo na história para desfrutar do limbo. O melhor das festas é esquecer que elas existem. Ou nem isso.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/luis-antonio-giron/noticia/2013/12/dias-de-bninguemb.html

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