Armas de fogo matam
116 por dia no Brasil, diz estudo
Polícia e IML no
local onde membros da torcida corinthiana Pavilhão 9 foram mortos, em abril;
maioria das vítimas de armas de fogo no Brasil são jovens
Uma média de 116
pessoas morreram por dia no Brasil em 2012 por disparos de armas de fogo,
aponta o levantamento Mapa da Violência 2015, divulgado nesta quarta-feira. O
número é o mais alto já observado pelo estudo, cuja série histórica começou em
1980.
É o equivalente a
impressionantes 4,8 mortes por hora, índice parecido ou superior ao registrado
em países em guerra.
"É como se
ocorresse um massacre do Carandiru por dia (quando 111 presos foram mortos no
presídio paulistano em 2 de outubro de 1992)", diz à BBC Brasil o
sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor da pesquisa e coordenador de estudos
da violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO).
"E isso ocorre
na calada da noite, sem que haja mobilização ou escândalo. Há, na verdade,
mobilização no sentido contrário, de pôr mais armas na mão da população."
Em números totais,
foram 42.416 pessoas mortas por armas de fogo em 2012 (dado mais atual
disponível pelo Ministério da Saúde), e a maioria das vítimas são jovens de 15
a 29 anos.
Quase 95% dessas
mortes são homicídios (o restante são acidentes com armas, suicídios ou sem
causa determinada).
'Tradição de
impunidade'
Na introdução, o
estudo - cujo título é Mortes Matadas por Armas de Fogo - diz que não há uma
causa única por trás dos altos índices de violência do país.
"A tradição de
impunidade, a lentidão dos processos judiciais e o despreparo do aparato de
investigação policial são fatores que se somam para sinalizar à sociedade que a
violência é tolerável em determinadas condições, de acordo com quem a pratica,
contra quem, de que forma e em que lugar", diz a pesquisa.
O estudo culpa
também a "farta disponibilidade de armas" e a "a decisão de
utilizar essas armas para resolver todos os tipos de conflitos interpessoais,
na maior parte dos casos, banais e circunstanciais".
Essas mortes por
armas de fogo não ocorrem de forma uniforme pelo país. Na região Sudeste, por
exemplo, o índice de mortes caiu quase 40% entre 2002 e 2012 - por causa de
expressivos declínios nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro -, mas subiu
fortemente em todas as demais regiões do país.
No Norte, o aumento
foi de 135% no mesmo período.
Proporcionalmente à
população, o Estado com a maior taxa de mortes por armas de fogo é Alagoas,
onde foram registrados 1.740 óbitos em 2012.
Em 2012, 42,4 mil
pessoas foram mortas no país vítimas de armas de fogo
O Mapa também
identificou focos de violência que têm crescido pelo país: municípios do
interior onde a economia cresceu, mas a presença do Estado permaneceu
deficiente; municípios de fronteira, que são rota de organizações
transnacionais de contrabando e tráfico de drogas; o arco do desmatamento da
Amazônia, infestado por práticas de trabalho escravo, madeireiras ilegais,
grilagem e extermínio de índios; e grotões do país onde ainda vigora o
clientelismo político.
"A violência
migrou à locais menos protegidos", diz Jacobo. "Com as mudanças no
desenvolvimento econômico do país, houve uma 'interiorização' e um espalhamento
dos homicídios."
160 mil mortes
evitadas
Segundo o estudo, o
crescimento da violência armada teria sido ainda mais acentuado se não fosse o
controle de armas no país, imposto desde 2003 pelo Estatuto do Desarmamento.
O Mapa da Violência
estima que 160.036 pessoas (sendo 70% delas jovens) foram poupadas de mortes
por armas de fogo entre 2004 e 2012 graças à lei, que restringe o porte de
armas a quem tem mais de 25 anos, passe por testes de aptidão e não responda a
inquéritos policiais, entre outras exigências.
O cálculo é feito a
partir de projeções de quantas mortes eram esperadas (segundo análises
estatísticas) para cada ano e quantas mortes de fato ocorreram.
O Estatuto do
Desarmamento, porém, é alvo de polêmica. A Câmara dos Deputados debate, em uma
comissão especial, um projeto de lei (3722/12) que propõe a revogação do estatuto
e facilita a aquisição de armas no país.
A justificativa é de
que, mesmo com o estatuto, "o país alcançou a maior marca de homicídios de
sua história", segundo afirmou, de acordo a Agência Câmara, o deputado
Alberto Fraga (DEM-DF), coronel de reserva da PM.
Já críticos alegam
que a mudança na lei visa beneficiar o lobby da indústria armamentista.
"As estatísticas mostram que se você arma mais a população, você vai ter
mais armas na mão da criminalidade", argumentou o deputado Ivan Valente
(PSOL-SP).
O Mapa da Violência
defende que o desarmamento é "requisito indispensável", mas
insuficiente para conter a violência no país.
Campanha de
desarmamento do governo em 2011; 'Mapa da Violência' estima que 160 mil vidas
foram poupadas graças ao controle de armas no país
"Ninguém
afirmou que o estatuto era a solução; ele foi apenas um primeiro passo",
afirma Jacobo Waiselfisz. "Os passos seguintes seriam mudanças que não se
cumpriram, como reformas do Código Penal, do sistema penitenciário e policial."
Jacobo cobra,
também, mais campanhas de desarmamento da população, que considera
"esporádicas".
Há, no momento, uma
dessas campanhas em andamento em São Paulo, até o final do mês, organizada pelo
Instituto Sou da Paz. Quem entregar armas receberá indenizações de R$ 150 a R$
450, dependendo do armamento.
Aumento das mortes
Em todo o período
analisado pelo Mapa da Violência, de 1980 a 2012, o Brasil registrou 880.386
mil mortes por armas de fogo, número superior à população de São Bernardo do
Campo (Grande SP).
"O total de
mortos por armas de fogo em 1980 foi de 8.710 pessoas, o que significa que
houve um aumento de 387% até 2012", diz o estudo. "A população
brasileira, nesse mesmo período, cresceu cerca de 61%."
E um dos fatores
mais preocupantes é que essas mortes ocorrem sobretudo entre os mais jovens.
"O jovem negro e pobre é a principal vítima", diz Jacobo. "Há
estudos que apontam que os custos de saúde, economia e pelas vidas perdidas
cheguem a 5% a 10% do PIB do país."
Outro estudo
recente, o Monitor de Homicídios, do Instituto Igarapé, calcula que uma em cada
dez pessoas assassinadas anualmente no mundo seja brasileira.
E, enquanto a
América Latina abriga apenas 8% da população mundial, concentra 33% dos
homicídios registrados no planeta.
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