Mulher Moderna
No princípio era um paraíso. Um exímio artista e muito criativo,
um anacoreta sem um pedacinho. Depois veio uma mulher formada a partir desse
pedacinho. Formas suaves e arrendadas, beleza incontestável, o par ideal para a
masculinidade de seu companheiro. Mesma essência, diferente função. Mesma
tarefa de dominar o restante da criação e cuidar dela como administradores
sábios e bondosos, mas de diferentes visões. Aliados, amigos, amantes. Estava
completa a obra perfeita do Criador.
Mas algo aconteceu, algo mudou essa perfeita sinergia. Os homens
esqueceram que a mulher fora tirada de uma costela, não dos pés para serem
pisadas. As mulheres de mesmo modo, esqueceram que sua origem não era da
cabeça, de uma parte de cima, onde lhes daria uma idéia de superioridade.
Para Sócrates, a mulher era um ser estúpido e enfadonho. Buda
não permitia nem que seus seguidores olhassem para as mulheres. No mundo
pré-cristão, as mulheres quase sempre não passavam de servas mudas, cuja vida
só conhecia o trabalho extenuante. Não é a toa que uma oração judaica dizia:
“Agradeço-te, ó Deus, por não me teres feito mulher”.
Mas, convenhamos, isso tudo é dor de cotovelos. Pascal afirmava
que a grandeza do homem está em saber que um dia morrerá. Pois eu descobri que
a grandeza humana está em se permitir sentir o sopro da vida. E este é um gesto
feminino.
Fomos ensinados a ser duros, viris, machos. Não nos prepararam
para o choro e a insegurança como fatores de crescimento e humanização.
Convenceram-nos que tais sintomas caracterizavam a fraqueza, num mundo em que
ser fraco não constitui qualidade, mas defeito.
Não é raro, depararmos com notícias de mulheres que se
submeteram à cirurgias arriscadas e tratamentos igualmente perigosos em busca
de um ideal de beleza. Essa hoje tão popular modalidade médica já produziu
muitas aberrações. Isso, por que o universo masculino, sempre baseado nas
crenças sobre o amor e a morte, fez do corpo feminino o campo de batalha entre
Eros e Tanatos, entre desejo e destruição. Passiva e cativa, como no
romantismo, ou dominante e devoradora como foram tempos depois para os artistas
simbolistas e decadentes, que passaram de sádicos a masoquistas. A mulher
européia não conseguia superar o estado de “boneca”.
Sabe-se que dessas feridas do imaginário masculino, o corpo
feminino ainda não se recobrou, e no campo do erotismo, vive a jogar nessa
posição psicanalítica de objeto de desejo. Freud explicou o desejo erótico a
partir da pulsão da morte. O desejo era sempre enigmático, algo que através do
fetichismo tentamos velar. Décadas depois, Lacan acrescentou a isso, que o
fetichismo produz uma imagem que excita, ao mesmo tempo em que esconde a causa
do desejo. E a causa guardaria relação com as crenças do próprio corpo.
O que quero dizer com tudo isso, é que a mulher dita moderna,
perdeu sua identidade. Ela não mais é um ser que nasce e se desenvolve, mas sim
um ser criado segundo seus “próprios” ideais, ideais esses, obtidos na mídia e
na sociedade de consumo. As novas tecnologias transformaram a forma de construir
à realidade de cada um. Não se tem mais acesso direto à própria imagem, pois as
identidades são construídas a partir da mídia, e toda a relação do “espectador”
com a obra ocorre através de uma interface (um meio tecnológico), e pasmo
concluo: o acesso à própria imagem é sempre mediatizado.
Tenho amigas que falam três, quatro idiomas, mas são incapazes
de conversar com os próprios filhos. Muitas que na ânsia de uma suposta
igualdade entre os sexos, masculinizaram-se. Acharam que para trabalhar com os
homens ou no lugar dos homens, precisavam ser como homens, mas não perceberam
que o que as dava vantagem eram justamente suas diferenças.
O mundo nos mostra hoje que a feminilidade é a saída generosa
para a crise que o poder masculino construiu. E que destrói o planeta e seus
habitantes.
Cito abaixo o trecho de um texto que recebi por e-mail,
atribuído a Rita Lee, mas que na verdade fora escrito por uma cearense chamada
Heloneida Studart, este texto diz claramente o que espero para as mulheres no
futuro, depois que essa onda de “mulher moderna” passar.
(...) Acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade. Até
porque são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder
fálico, tão bem representado por pistolas, revólveres, punhais. Ninguém diz, de
uma mulher, que ela é espada. Ninguém lhe dá, na primeira infância, um fuzil de
plástico, como fazem com os meninos, para fortalecer sua virilidade. As
mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derramá-lo na menstruação
ou no parto. Odeiam as guerras, dos exércitos regulares ou das gangues urbanas,
porque lhes tiram os filhos. É preciso voltar os olhos para a população
feminina como grande articuladora da paz.
Você mulher, ainda se encaixa nesse perfil?