Ilíada de Homero e sua problemática teórica
A Ilíada, obra
atribuída a Homero, conta a história da Guerra de Troia, que teve como figuras
importantes os apaixonados Páris e Helena e o guerreiro Aquiles.
Com uma flecha no
calcanhar direito, Aquiles cumpriu o destino que os deuses lhe reservaram.
A Ilíada é o texto da
literatura universal que narra a famosíssima “Guerra de Troia” (Ílion = Troia).
Embora bastante conhecido, muitas questões existem em torno da composição,
historicidade e até mesmo da relação de tal texto com Homero. Há quem diga que o
autor nem existiu, mas que, após séculos de narrativas isoladas, os cantos que
compõem o texto tenham sido reunidos sob o nome de Homero, apenas para conferir
uma identidade ou autenticidade que privilegia o princípio de autoridade. Ainda
se duvida que a guerra tenha acontecido, mas a narrativa tem um fundo
histórico, já que é possível a reconstrução de disputas territoriais que
visavam à expansão dos gregos para áreas que possuíam jazidas de estanho.
Afora esses dados, a
Ilíada tem uma intenção clara e definida: espelhar o modelo de homem a ser
imitado pelo povo grego, além de fundar a coesão desse mesmo povo. O ideal de
Belo e Bom guerreiro, encarnado no personagem Aquiles, evidencia a necessidade
de infundir na mentalidade coletiva dos Aqueus (um dos povos que formam a
cultura grega) um comportamento a ser imitado, um modelo de homem a ser
seguido. Também a intenção desse artigo é tratar a obra sob o aspecto
mitológico e não histórico. Vejamos como se desenvolve a fábula e o seu
significado.
A guerra teve como
motivo o rapto de Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, por Páris
Alexandre, príncipe de Troia. Esse rapto foi causado na verdade por influência
da deusa Afrodite. Em uma disputa entre as deusas Hera, Atenas e Afrodite, para
saber qual era a mais bela, Páris foi o juiz e escolheu Afrodite. Por ser a
deusa do amor, ela ofereceu como retribuição o amor da mulher mais bela da
Grécia: Helena. Em visita aos chefes espartanos, os troianos foram recebidos
com muita hospitalidade. Mas a paixão fulminante que afetou Páris e Helena fez
com que fugissem para Troia onde poderiam viver esse amor.
No entanto, essa ação
traria desgraça e a queda de Troia, como já previa Cassandra, irmã de Páris e
Heitor, todos filhos do grande rei troiano Príamo. Já no nascimento de Páris,
uma previsão de que ele traria o fim de Troia fez com que seu pai o mandasse
matar, mas, por uma série de desventuras, ele sobreviveu e voltou ao palácio
real. Entretanto, o rapto de Helena fez com que o rei Menelau reclamasse sua
esposa aos troianos, o que não ocorreu. Com a ofensa, Esparta buscou o apoio do
restante da confederação de cidades-Estados gregas, lideradas pelo rei de
Micenas, Agamemnon, que tinha ambições em relação ao território troiano.
Aliando seus interesses, reuniram uma marinha incrivelmente numerosa para a
guerra. Mas o grande diferencial era a participação do herói Aquiles.
Aquiles era filho de
uma deusa, Tétis, com um mortal. Ao nascer, sua mãe, prevendo o futuro do
filho, lançou-o às águas do mar Estige, que o tornaria imortal, segurando-o
apenas pelo calcanhar, onde, veremos, ficou vulnerável. Já adulto, foi-lhe
revelado que deveria escolher participar da guerra e morrer ou não ir à Troia e
ter uma vida tranquila e longa. Sua aspiração era a de que seu nome como guerreiro
ecoasse pela eternidade, mesmo que sua vida, dessa forma, fosse curta.
Aquiles também reunia
em si as características do herói, como força, habilidade, velocidade. Em
batalha era imbatível. Representava para os argivos (os soldados Aqueus) uma
inspiração no campo de batalha.
Decidido a ir para a
batalha, Aquiles juntou-se ao cerco de Troia. Ele tinha como discípulo o
guerreiro Pátroclo, que combateu ao seu lado na guerra. No pano de fundo da
guerra, os deuses favoreciam ora os gregos, ora os troianos. Vários nomes são
destaque na batalha: Nestor, Odisseu, Ajax, Heitor.
O comandante Agamemnon
capturou a bela Criseida, filha de Crisis e Pitonisa, do templo de Apolo.
Aquiles se rebelou com essa prisão, pois estava encantado pela virgem. Com
isso, decidiu se afastar da guerra, gerando milhares de baixas aos Aqueus.
Afastado, ele permitiu que Pátroclo usasse sua armadura. No campo de batalha, o
grande Heitor, príncipe de Troia, enfrentou-o e matou-o, acreditando se tratar
de Aquiles. Sabendo disso, Aquiles procurou Heitor para um duelo no qual
derrota a grande esperança dos troianos. O sábio rei Príamo lhe reclamou o
corpo para os funerais num gesto bastante corajoso. Mas, ainda desmotivado pelo
episódio de Criseida, Aquiles não voltou à batalha. Assim, os gregos sofreram
revezes, já que não conseguiam penetrar na fortaleza de Troia em razão dos seus
altos muros.
A batalha já durava 10
anos e, querendo voltar para casa, os soldados, já desanimados, sentiam o
estigma da derrota. Até que o astuto Odisseu teve uma brilhante ideia: além de
persuadir Aquiles a voltar para a batalha, ele propôs usar a madeira das naus
para construir um cavalo gigantesco que seria oferecido aos troianos como
presente dos deuses após a guerra. O Cavalo de Troia, que os troianos levaram
para dentro de sua cidade, guardava no seu interior um batalhão de argivos que
invadiram a cidade e abriram os portões para que a tropa grega pudesse adentrar
e, com isso, derrotar os inimigos.
Nesse episódio final,
os aqueus massacraram os troianos, incendiando a cidade, enquanto Menelau
procurava incansavelmente por Helena, que fugira. Páris foi ferido e morto.
Aquiles foi atingido no calcanhar direito (o vulnerável calcanhar de Aquiles)
por uma flecha desferida por Filolectes e, assim, cumpriu o destino que os
deuses lhe reservaram. Troia foi destruída, Agamemnon apossou-se da terra e,
depois de muito tempo de procura, Menelau encontrou Helena, que, já tendo se
casado uma outra vez, voltou para Esparta. Assim, os soldados puderam, depois
da pilhagem, voltar a seus reinos.
É assim que entendemos
a moral do mito: Helena (do grego ELLAS = Grécia) parece justamente contar a
história do surgimento e da formação do povo grego. E a imagem que se quer
transmitir é a do belo e do bom guerreiro, tal como Aquiles, que preferiu
morrer e ser lembrado para sempre por causa de seus feitos, a viver uma vida
longa e medíocre na paz dos campos de pastoreio.