As
denúncias de vínculos entre empreiteiras e o ex-diretor da Petrobras
Provas obtidas por ÉPOCA revelam que
dezenas de empreiteiras com contratos na Petrobras pagaram milhões – no Brasil
e na Suíça – a Paulo Roberto Costa e a seu parceiro, o doleiro Alberto Youssef
LIBERTADO Depois de tentar destruir
provas e ser preso, Paulo Roberto Costa foi solto. Isso reduz a velocidade e a
eficácia das investigações
"Nunca quis ser mais um”, disse
o diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, em novembro de
2011, pouco antes de encerrar seus oito anos à frente do cargo e de se
aposentar com 35 anos na estatal.
Foi apeado, em seguida, por decisão da
presidente Dilma Rousseff – para desespero do consórcio entre PP, PMDB e PT,
que o bancava politicamente, com o aval do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. “Nunca desisti dos meus sonhos. Abracei todas as minhas chances”, disse.
Ninguém duvida.
A capacidade de Paulo Roberto em realizar seus sonhos – e de
contribuir para os sonhos dos outros – tornou-se dolorosamente pública com a
Operação Lava Jato, em que ele foi preso. Paulo Roberto é acusado de comandar,
ao lado do doleiro Alberto Youssef, um esquema de corrupção na Petrobras.
Não
era, como revela a íntegra das provas da Lava Jato, obtida por ÉPOCA com
exclusividade há duas semanas, apenas mais um esquema de corrupção na
Petrobras. Era o esquema dos sonhos dele – um pesadelo para os brasileiros. Um
esquema com mais clientes, mais dinheiro e mais ramificações, políticas e
empresariais, do que se supunha até agora.
O imenso acervo das investigações da
Lava Jato contém as provas inéditas que demonstram essa dimensão. A Polícia
Federal encontrou as principais evidências quando fez apreensões num dos
escritórios de Youssef e, especialmente, na casa de Arianna Bachmann, uma das
filhas de Paulo Roberto.
No caso dela, as provas estavam num notebook escondido
no porta-malas do carro. Arianna era a principal funcionária de Paulo Roberto.
Registrava em detalhes os negócios da família. Num dos escritórios de Youssef
em São Paulo, a PF encontrou um arquivo com milhares de papéis. Eles trazem
indícios de dezenas de episódios de corrupção, em muitos Estados e órgãos
públicos.
Eles se espelham perfeitamente com os registros sobre a Petrobras
encontrados no computador de Arianna. Esses arquivos secretos revelam, entre
outras coisas, que:
• Paulo Roberto chegou a ter 81
contratos, todos com fornecedores da Petrobras, quando saiu da estatal e montou
sua empresa de consultoria. Há provas de que ele recebeu milhões de 23
empreiteiras, na maior parte das vezes sem prestar, segundo sugerem os
documentos, qualquer serviço;
• o principal cliente de Paulo
Roberto, segundo as provas da PF, era a empreiteira Camargo Corrêa. Ela
liderava o principal consórcio das obras de R$ 20 bilhões da Refinaria Abreu e
Lima, em Pernambuco. Paulo Roberto comandara essas obras e presidia o Conselho
de Abreu e Lima. Grande parte dos clientes que repassaram dinheiro à empresa
dele trabalhava nessas obras;
• Paulo Roberto recebeu, em dinheiro
vivo segundo a PF, o equivalente a R$ 6,4 milhões de Youssef e R$ 2,4 milhões
do lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, em reais, dólares e
euros. Baiano o ajudava a fechar negócios com as empreiteiras e a manter boas
relações com parlamentares do consórcio que o mantinha na Petrobras; e
• Youssef, o sócio de Paulo Roberto,
mantinha uma subconta na Suíça em nome da principal subcontratada pela Camargo
Corrêa para serviços na Abreu e Lima, a Sanko. Outra subconta de Youssef na
Suíça recebia milhões de subsidiárias internacionais de empreiteiras
brasileiras, entre elas a OAS.
Todas essas provas foram enviadas ao
Supremo Tribunal Federal há dez dias, logo após o ministro Teori Zavascki
suspender as investigações da Lava Jato e mandar soltar Paulo Roberto. Não se
sabe quando os ministros do Supremo decidirão o que fazer com o caso. Quanto
mais tempo demorar, menores as chances de que delegados e procuradores avancem
nas investigações.
Paulo Roberto, é bom lembrar, foi preso porque sua família
foi flagrada tentando destruir provas. Antes que os processos, que corriam no
Paraná, fossem suspensos, Youssef e ele já eram réus, acusados de lavar
dinheiro desviado, segundo denúncia do MPF, do contrato do consórcio da Camargo
Corrêa em Abreu e Lima. Nesta semana, o Congresso finalmente criou uma CPI
mista para investigar a Petrobras. As provas da Lava Jato oferecem aos
parlamentares um bom roteiro de trabalho.
Sai o diretor, entra o consultor.
Num dos arquivos do computador de
Arianna, a PF encontrou notas fiscais da Costa Global, empresa de consultoria
da família, emitidas entre outubro de 2012 e fevereiro deste ano. Somam R$ 7,5
milhões, divididos entre duas dezenas de empresas – quase todas empreiteiras. A
maior parte do dinheiro foi paga pela Camargo Corrêa: R$ 3,1 milhões. A Camargo
fazia pagamentos mensais de R$ 100 mil. Em dezembro de 2013, fez o último e
maior depósito: R$ 2,2 milhões. A Camargo diz que contratava a Costa Global
para “fazer estudos”.
Arianna mantinha planilhas
atualizadas com os contratos da Costa Global. Continham nomes de contatos e
valores a receber. Se a Costa Global chegou a ter 81 clientes, por que há notas
fiscais de apenas 23? Como Paulo Roberto recebia pelos demais? Era o que a PF
tentava descobrir.
A investigação traz evidências de que Paulo Roberto, como
qualquer lobista, recebia um percentual do negócio obtido para seus clientes,
conhecido como “taxa de sucesso”, do inglês “success fee”, um eufemismo para
aquilo que todos conhecemos como propina. O caso da Camargo, segundo os
registros da filha de Paulo Roberto, resume bem a situação: “O success fee será
negociado separadamente para cada negócio”.
DO
OUTRO LADO
Depois de contratar empresas para
prestar serviços à Petrobras, Paulo Roberto Costa passou a ser consultor delas.
É o caso da Camargo Corrêa, que comanda a construção da Refinaria Abreu e Lima,
em Pernambuco.
O estranho, segundo os
investigadores, é a existência de contratos que não previam taxa de sucesso.
Sem essa cláusula, o trabalho de lobby não faz sentido. Cruzando os nomes das
empreiteiras que fizeram contratos nesses moldes com as anotações de Paulo Roberto,
a PF chegou à suspeita de que eles se referiam, na verdade, à propina dos
tempos em que ele ainda era diretor da Petrobras.
Há indícios de que se
referiam a acertos de contas. É o caso de contratos com empreiteiras como
Engevix, Iesa, Queiroz Galvão e, num dos casos, também da Camargo. No caso da
Queiroz, uma anotação da agenda de Paulo Roberto menciona o pagamento de R$ 600
mil.
Metade para ele; a outra metade para o “partido”. Em março de 2013, meses
depois dessa anotação, a Queiroz Galvão fechou um contrato de seis meses com a
Costa Global para pagar R$ 100 mil mensalmente – mesmo valor anotado à mão na
agenda de Paulo Roberto.
Num dos escritórios de Youssef em São
Paulo, a PF apreendeu extratos de uma conta controlada por ele no banco
PKB, na Suíça. O PKB é um banco
conhecido por aceitar qualquer tipo de cliente – de traficantes a políticos
condenados por corrupção.
Entre outras transações consideradas suspeitas pela
PF, os extratos revelam que, em 2013, a OAS African Investments, empresa internacional
do grupo OAS, sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas,
transferiu US$ 4,8 milhões para a conta de Youssef no PKB. Foram três depósitos
de US$ 1,6 milhão, entre maio e julho.
Os documentos revelam que Youssef
abrira, por meio de laranjas, uma subconta no mesmo PKB em nome da Sanko,
empresa que mais recebera da Camargo por serviços nas obras da Abreu e Lima.
Essa subconta tinha limite de US$ 1,4 milhão.
Entre janeiro e fevereiro de
2014, ela recebeu cerca de US$ 1,1 milhão. Não há informação sobre quem
depositou o dinheiro. Em seguida, Youssef transferiu grande parte dos recursos
para contas em Hong Kong, também controladas por laranjas.
Foram tantos os
documentos da Sanko apreendidos com Youssef que os investigadores suspeitam que
ele seja o dono da empresa. Entre 2009 e 2013, a Sanko recebeu R$ 113 milhões
do Consórcio CNCC, liderado pela Camargo, por “serviços” em Abreu e Lima. E
repassou R$ 32 milhões a uma empresa de Youssef.
As contabilidades de Youssef e Paulo
Roberto são siamesas. Se Youssef registrava um pagamento a Paulo Roberto, Paulo
Roberto registrava um depósito de Youssef. Em 8 de agosto de 2012, as planilhas
dos dois trazem um pagamento de R$ 450 mil a Paulo Roberto. Dez dias depois,
Paulo Roberto depositou R$ 120 mil, em espécie, na conta do advogado Eduardo
Gouvêa. Gouvêa, dizem os papéis, é parceiro de negócios de Paulo Roberto.
No mesmo período, em 13 de agosto de
2012, Youssef anotou ter recebido R$ 1 milhão associado ao nome “Refap”,
correspondente à décima e à décima primeira prestação de um total de 20
parcelas de R$ 500 mil – ou R$ 10 milhões.
Duas semanas antes, a Petrobras
oficializara a compra da Refinaria Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul,
conhecida como Refap. Até então, a Refap era uma sociedade entre a Petrobras e
a espanhola Repsol.
Em dezembro de 2010, quando Paulo Roberto ainda era diretor
de Abastecimento, a Petrobras comprara a parte da Repsol por US$ 850 milhões.
“Para a Petrobras, isso é importante porque não tínhamos possibilidade de ter
uma sinergia completa entre a Refap e o sistema Petrobras, porque, sendo um
consórcio, tinha uma posição diferente dentro da estrutura gerencial da
empresa.
Voltando a ser 100% da Petrobras, isso se refletirá em benefícios
grandes para nós, em termos de atendimento do mercado e de colocação de
petróleo nacional”, disse Paulo Roberto na ocasião. As duas parcelas de R$ 500
mil da “Refap” foram registradas como “entradas” de Youssef na planilha de
Paulo Roberto. A PF suspeita que se trate de propina.
O advogado Gouvêa afirmou que recebeu
o depósito de R$ 120 mil em dinheiro porque vendeu um barco, “por acaso”, a
Paulo Roberto Costa. “Ele me confirmou o depósito na conta, e emiti o documento
de venda dessa embarcação. Nem imaginava que tinha sido feito em dinheiro”, diz
Gouvêa. Reuniões com Gouvêa são mencionadas na agenda de Paulo Roberto.
Ele
afirma que é amigo de Humberto Mesquita, ou Beto, genro que cuida da
contabilidade de Paulo Roberto. “Conheço eles desde 1997, fui ao casamento dele
(Humberto) com a filha do Paulo Roberto”, diz Gouvêa. “A gente fazia muita
reunião, e às vezes Paulo Roberto estava presente. Humberto me pedia auxílio na
área da advocacia.
Mas era um auxílio assim, vamos dizer, de amigo. Porque
nunca efetivamente cobrei nada pelos serviços que prestei a ele. Nunca tive uma
relação contratual.” Gouvêa afirma não ter “relação próxima” com o lobista
Fernando Baiano: “Fernando Baiano... Conheço de nome”.
A conexão com FB
As negativas das empreiteiras são
abundantes. Muitas admitem ter firmado contratos com Paulo Roberto. Dentre
elas, todas afirmam que nada deu certo, e o respectivo contrato foi logo
desfeito. A acreditar no que dizem, Paulo Roberto era um fracasso como lobista,
embora recebesse milhões pelos contratos.
Em nota, a Camargo Corrêa afirma que
a Costa Global foi contratada para “desenvolver estudos nas áreas de óleo e
gás, dentro da mais absoluta legalidade”. Não quis informar valores nem datas
de pagamentos.
O consórcio CNCC, controlado pela Camargo e responsável pelas obras
em Abreu e Lima, afirma que “não tem e jamais teve qualquer relação com essas
pessoas ou empresas citadas”.
A Sanko-Sider diz, também em nota,
que “não tem nem nunca teve conta no exterior”. Admite ter contratado a Costa
Global “para a prestação de serviços de consultoria relacionados à venda de
projetos”, embora não informe quanto pagou a Paulo Roberto.
“O contrato foi
rompido de forma amigável após curto período, tendo em vista a inexistência de
resultados”, diz a Sanko. “Os contratos das empresas do grupo Sanko são
estritamente legais e comerciais.”
A Iesa admite ter pagado R$ 300 mil à
Costa Global. “Foram realizadas diversas reuniões com a Costa Global e com
empresa de engenharia conceitual, e identificados potenciais parceiros
fornecedores de tecnologia para o fornecimento de minirrefinarias modulares”,
diz a Iesa, sem mencionar se os negócios deram certo.
A GDK é a única
empreiteira que confirma ter contratado Paulo Roberto para obter negócios e ter
se disposto a pagar taxas de sucesso. Forneceu detalhes dos pagamentos à Costa
Global.
Diz que nenhum negócio prosperou e, diante disso, resolveu cancelar o
contrato. “A GDK solicita que seja mencionada sua perplexidade com a associação
do seu nome à referida Operação Lava Jato”, afirma. E nega qualquer irregularidade.
A Engevix afirma apenas que teve
contrato com a Costa Global, sem dar maiores explicações. O lobista Fernando
Baiano e as empreiteiras Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão – as duas cujos
diretores, segundo os papéis da PF, mantinham relações próximas com Baiano –
preferiram não se manifestar.
O advogado de Youssef, Antonio Figueiredo, afirma
que seu cliente não tem qualquer vínculo com empreiteiras, não recebeu dinheiro
delas e não tem contas no exterior. O advogado de Paulo Roberto não respondeu
ao pedido de entrevista de ÉPOCA até a publicação desta reportagem.