No setor externo, um desastre made in Brazil
ROLF KUNTZ -
O Estado de S.Paulo
A presidente
Dilma Rousseff deve terminar o ano com mais um troféu econômico, o pior
resultado das contas externas em mais de uma década - exportações estagnadas,
importações em alta e um enorme buraco na conta corrente do balanço de
pagamentos. Nos 12 meses terminados em setembro o déficit na conta corrente
chegou a US$ 80,51 bilhões, equivalentes a 3,6% do produto interno bruto (PIB),
informou nesta sexta-feira o Banco Central (BC). No relatório recém-divulgado
foram mantidas as projeções para 2013: saldo comercial de US$ 2 bilhões,
déficit em conta corrente de US$ 75 bilhões (3,35% do PIB) e investimento
estrangeiro direto de US$ 60 bilhões. Alguma melhora será necessária, portanto,
para se chegar ao fim de dezembro com o cenário estimado pelo BC. Um quadro
mais positivo, neste e no próximo ano, dependerá principalmente de uma
recuperação da balança comercial e nesse quesito o País continua muito mal.
A exportação
rendeu neste ano US$ 192,59 bilhões até a terceira semana de outubro, 1,1%
menos que no ano passado em igual período. A importação consumiu R$ 193,19
bilhões, 8,7% mais que um ano antes, segundo os dados oficiais. O saldo
acumulado em quase dez meses, US$ 605 milhões, só foi possível graças ao
resultado favorável obtido nas três primeiras semanas do mês, um superávit de
US$ 1 bilhão. Mas esse resultado embute uma exportação meramente contábil de
uma plataforma de petróleo no valor de US$ 1,9 bilhão. Outras plataformas foram
contabilizadas nos meses anteriores, mas foram sempre vendas fictícias,
vinculadas à concessão de benefícios fiscais.
Se esses
números fossem eliminados, o quadro do comércio exterior brasileiro, já muito
feio pelos números oficiais, seria bem menos favorável. Para acertar as contas
seria também preciso, poderiam dizer os mais otimistas, eliminar as importações
de combustíveis efetuadas em 2012 e registradas só neste ano graças a um
arranjo especial da Petrobrás. É verdade, mas é indispensável lembrar uma
diferença entre essas compras e as vendas de plataformas. Estas só ocorreram na
contabilidade, mas as compras de combustíveis foram realizadas e seria
necessário incluí-las nos cálculos em algum momento. Se tivessem entrado nas
contas do ano passado, o superávit comercial teria ficado bem abaixo dos US$
19,41 bilhões divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior.
Se as
projeções do BC estiverem corretas, o Brasil vai faturar neste ano US$ 241
bilhões com as vendas ao exterior. O gasto com produtos estrangeiros chegará a
US$ 239 bilhões. O valor exportado será 0,6% menor que o do ano passado e 5,8%
inferior ao de 2011. A importação terá custado cerca de 7% mais que em 2012 e
5,6% mais que dois anos antes. A deterioração é inegável e a causa mais
importante é o enfraquecimento da indústria brasileira, por falta de
investimentos, aumento de custos e dificuldade crescente para enfrentar uma
disputa mais dura em mercados mais apertados. Isso vale para o mercado
nacional.
As medidas
protecionistas impostas pelo governo foram insuficientes para barrar o ingresso
de produtos estrangeiros. Além do mais, nenhuma barreira tornaria os produtores
brasileiros mais capazes de competir fora das fronteiras, mesmo em áreas antes
consideradas campos de caça tranquilos, como o Mercosul e a maior parte da
vizinhança. Também na região outros produtores têm conseguido ocupar espaços
crescentes sem muita oposição brasileira.
Quando se
aponta a piora do balanço de pagamentos - especialmente da balança comercial -,
ministros costumam citar a acumulação de reservas para mostrar a segurança do
setor externo. Mesmo com intervenções no mercado cambial, como reação às turbulências
do meio do ano, o BC conseguiu, graças a uma estratégia bem desenhada, evitar a
perda de moeda estrangeira e preservar mais de US$ 370 bilhões. Esse é, sem
dúvida, um importante fator de segurança, mas de nenhum modo pode substituir a
eficiência produtiva e os acordos internacionais favoráveis à expansão do
comércio.
A política
brasileira tem falhado nas duas frentes. A deficiência de investimentos, o
desperdício de recursos, o erro na escolha de prioridades (na política
educacional, por exemplo) têm dificultado ganhos gerais de produtividade. Se as
concessões derem certo, a taxa de investimentos chegará a 22,5% do produto
interno bruto até 2018, segundo estimativa do Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). Muitos países latino-americanos já estão acima
desse padrão, enquanto a taxa brasileira continua oscilando entre 18% e 19%.
Como as
condições de produção foram geralmente negligenciadas nos últimos dez anos, a
começar pela infraestrutura, o potencial de crescimento diminuiu, como seria
previsível. Hoje esse problema é assunto da pauta internacional, pouco
importando os desmentidos e esperneios do governo brasileiro.
Na outra
frente, a escolha das parcerias prioritárias, também se acumularam erros
desastrosos. A diplomacia comercial pôs no alto da agenda a aproximação com
mercados pouco importantes, com exceção do chinês. Mas o comércio com a China
virou uma relação semicolonial, com o Brasil praticamente limitado a vender
commodities, em geral de pouca ou nenhuma elaboração, e a importar
manufaturados.
Os
imperialistas, desprezados pela diplomacia de passeata dos governos petistas,
continuam como compradores relevantes de manufaturados - e poderiam comprar
muito mais se tivessem sido assinados acordos de livre-comércio. Mas nem todos
criticam a estratégia comercial brasileira e o desprezo petista aos grandes
mercados. No caso dos chineses e outros exportadores realistas e dinâmicos, a
fantasia terceiro-mundista vivida em Brasília nos últimos dez anos elimina um
possível competidor de peso.