Escolhas erradas na saúde
O Estado de
S.Paulo
Quando se
observa o conjunto das ações do governo na área da saúde, não há como fugir à
penosa impressão de que ele se tem limitado a medidas pontuais, em torno das
quais faz muito alarido, deixando de lado os verdadeiros problemas. Enquanto
cuida do programa Mais Médicos e de medidas destinadas a melhorar o desempenho
dos planos de saúde, por exemplo, ele descuida do Sistema Único de Saúde (SUS),
que, no entanto, deveria ser o principal alvo de suas atenções. O governo
revela, assim, uma visão de curto prazo, medíocre, que compromete o futuro de
um setor-chave da administração pública.
A última
novidade é a ideia - ainda em estudo, segundo o presidente da Agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS), André Longo - de abrir uma linha de crédito do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para as empresas
de planos de saúde investirem na ampliação de sua rede hospitalar. O pedido
partiu das empresas, que dizem não ter como bancar sozinhas esse investimento.
Em setembro,
o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando
Pimentel, disse que se estudava o oferecimento, pelo BNDES, de uma linha de
crédito desse tipo às cooperativas de médicos, que agora se pretende estender a
todas as empresas do setor. Tal como já então propunha Pimentel, as operadoras
deverão dar "como garantia as reservas técnicas que detêm junto à
ANS".
Para Longo, a
medida se justifica porque o crescimento da rede hospitalar privada não
acompanhou o aumento do número de clientes dos planos - principalmente os
coletivos, oferecidos pelas empresas -, que hoje chega a 49 milhões. Isso é
fato. Mas é preciso acrescentar que tal aconteceu porque as empresas venderam o
que não podiam entregar. Elas sabiam muito bem que sua rede de hospitais,
laboratórios e médicos não tinha condições de suportar o aumento de clientes.
Isso só seria
possível se elas investissem na ampliação da rede, principalmente a hospitalar,
o que não fizeram, como dizem, por não terem recursos suficientes. Querem fazer
isso agora com o crédito a juros favorecidos - em última instância, bancados
pelo contribuinte - do BNDES. Se dinheiro público será aplicado em hospitais,
ele deve ir para a rede pública. Ela está disso muito necessitada, pois perdeu
quase 13 mil leitos entre janeiro de 2010 e julho deste ano, de acordo com
levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM)com base em dados do
Ministério da Saúde. Este, sim, é um dos grandes problemas da saúde no Brasil.
Pouco antes
de propor esse financiamento, a ANS tinha tomado uma medida - a inclusão de
dezenas de novos procedimentos e medicamentos na lista daqueles que os planos
de saúde são obrigados a oferecer - que traz inegáveis benefícios para os
clientes da rede de saúde privada, mas, ao mesmo tempo, ajuda a mostrar os seus
limites. A partir de janeiro, os clientes dos planos terão direito a mais 50
procedimentos, em cirurgias, exames, tratamentos e consultas, e a 37
medicamentos orais para câncer.
Muitos
ficaram de fora, porque a medicina progride rapidamente, mas se torna também
cada vez mais cara. Se todos ou a grande maioria dos novos tratamentos e
remédios fossem incluídos na lista da ANS - e a tendência natural tanto das
associações médicas como dos pacientes é querer que assim fosse -, isso
acarretaria custos enormes, que tornariam os planos de saúde proibitivos para
as camadas de baixa renda. Mesmo a classe média teria dificuldade de honrar
esse compromisso.
A dura
realidade é que há uma forte tendência de a médio e a longo prazos os planos de
saúde se tornarem restritos a uma parcela pequena da população. Este é mais um
elemento que mostra a necessidade urgente de se investir maciçamente no SUS,
para que ele possa cumprir aqui o seu papel de sistema público e universal de
saúde, atendendo a grande maioria da população. Essa é a sua vocação original.
Deixar um quarto da população (49 milhões) por conta dos planos e ainda
oferecer-lhes crédito do BNDES é uma aposta errada - para não dizer
irresponsável - que custará muito caro ao Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário