segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Viva o vandalismo...


A demonização da polícia e a romantização dos arruaceiros

A qualquer deslize, o aparato de segurança é tratado como vilão, enquanto os malfeitores são vitimizados pela mídia
NAS RUAS Protesto contra o Mundial em São Paulo, no  dia 25. Episódios de violência preocupam o governo federal (Foto: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Folhapress) 
NAS RUAS Protesto contra o Mundial em São Paulo, no dia 25, virou baderna e levou a polícia a agir para conter violência.

Em tempos de rolezinhos, black blocs e quetais, é estranho, muito estranho, que a polícia esteja sempre na berlinda. Em vez de a mídia focar a cobertura nos malfeitores e em suas ações, tornou-se algo corriqueiro condenar a atuação da polícia, que age para proteger a população e o patrimônio público e privado.

Quem me conhece sabe que estou longe de ser um defensor da truculência policial. Se alguém procurar, não vai achar nada em minha biografia ou nos artigos e reportagens que escrevi em trinta anos de trabalho como jornalista em que eu faça a apologia do Estado policial ou defenda a violência das forças de segurança.  

Ao contrário. Sempre apoiei – e continuo a apoiar – o respeito aos direitos humanos em qualquer circunstância, inclusive o dos bandidos e o dos presos, e o tratamento igualitário dos cidadãos pela polícia, independentemente de raça, cor e opção sexual de cada um.

Isso não significa que, para mim, a polícia seja um mal por definição, como acreditam muitos radicais e anarquistas da linha de Mikhail Bakunin, o fundador do “anarquismo social”, que estão à solta por aí. 

Eu acredito que a polícia e o aparato repressivo do Estado existem (e devem existir) para oferecer segurança, garantir os direitos dos cidadãos e proteger a propriedade pública e privada, de acordo com a Constituição e as leis ordinárias do país. Sempre que haja qualquer ameaça aos direitos de qualquer cidadão, ainda que seja o mero direito ao silêncio contra um pancadão na madrugada, o Estado e a polícia devem agir prontamente, com a força exigida em cada situação.

Ouso dizer, sob o risco de ser achincalhado pela turba ignara que prolifera nas redes sociais, que, em São Paulo e em outros estados do país, a polícia tem alcançado, de maneira geral, resultados razoáveis. 

Apesar da existência de problemas pontuais, parece inegável que, nos últimos anos, houve um tremendo progresso na repressão ao crime organizado, especialmente em São Paulo e no Rio. Houve também um grande progresso no respeito aos direitos humanos por parte da polícia desde a redemocratização do país, nos anos 1980.

É certo que, no Brasil, a polícia ainda está muito longe da perfeição. Está sujeita a erros individuais ou coletivos da mesma forma que qualquer cidadão ou categoria profissional, como mostra o caso do manifestante que levou um tiro da polícia ao participar de um protesto em São Paulo contra a realização da Copa do Mundo, no dia do aniversário da cidade. 

Embora pareça inverossímil que vários policiais estivessem perseguindo um manifestante que só havia gritado palavras de ordem contra a Copa, também é difícil explicar que, naquele contexto, eles tenham atirado a queima roupa, ainda que o sujeito estivesse com um estilete afiado na mão.

Muitos analistas de gabinete viram na reação dos policiais uma expressão do despreparo da polícia para lidar com grupos de baderneiros e grandes manifestações. Segundo esse pessoal, a polícia paulista estaria anos-luz atrás das polícias de países desenvolvidos. 

Esta visão, porém, não parece fundamentada na realidade.  Mesmo na Europa e nos Estados Unidos, onde a polícia é tida como mais preparada, há casos escabrosos de erros policiais, iguais ou piores do que o cometido pela polícia de São Paulo no final de janeiro.

Na Inglaterra, por exemplo, o brasileiro Jean Charles de Menezes foi morto em 2005 por um erro grosseiro da respeitadíssima Scotland Yard. Na Austrália, a polícia é acusada de ter provocado a morte do brasileiro Roberto Curti, de 21 anos, com choques elétricos, em 2012.  Nos Estados Unidos, o afroamericano Rodney King, foi brutalmente espancado pela polícia em 1991, depois de uma perseguição por roubo. 

Na França, o General De Gaulle, então presidente do país, reagiu com mão pesada contra as manifestações estudantis que transformaram Paris numa praça de guerra, nos idos de 1968.

Erros policiais podem acontecer em qualquer lugar, mas não devem ofuscar os acertos, nem colocar em xeque a ação da polícia como um todo. A violência policial também pode ocorrer em qualquer país e quase sempre é mais que justificada, por mais que isso deixe estarrecidos os críticos da gauche tropical (ou esquerda caviar, como preferem alguns).

Por tudo isso, não parece fazer sentido que, no Brasil, a mídia dê eco aos que acusam a polícia de ser a sempre a grande vilã e trate os baderneiros como vítimas indefesas, romantizando suas ações. Não faz sentido também tratar as afirmações de um ativista aguerrido (para dizer o mínimo) como verdade absoluta, enquanto as explicações da polícia são questionadas de forma implacável. 

Seria mais ou menos como perguntar ao Fernandinho Beira- Mar, um dos maiores traficantes do país, preso desde 2002, o que ele acha de ficar na solitária, e depois publicar sua resposta em manchete, malhando os policiais que o prenderam por tê-lo algemado em público. 

O triste, hoje, é que há diversos veículos de comunicação com fama de sérios fazendo esse tipo de jornalismo descabido. No final, quem paga o pato é a polícia. Além de ter de lidar com os arruaceiros, ela ainda leva a fama de incompetente e despreparada.

Miopia governamental...



O alegre rolezinho dos hipócritas

A ministra Maria do Rosário deve trocar seus óculos num shopping ocupado pelo rolezinho

Os brasileiros, esses crédulos, achavam que o governo popular parasitário do PT jamais alcançaria os padrões de cara de pau do chavismo. Quando o governo venezuelano explicou que estava faltando papel higiênico no país porque o povo estava comendo mais, os brasileiros pensaram: não, a esse nível de ofensa à inteligência nacional os petistas não vão chegar. Mas o Brasil subestimou a capacidade de empulhação do consórcio Lula-Dilma. E o fenômeno dos rolezinhos veio mostrar que o céu é o limite para a demagogia dos oprimidos profissionais.

A parte não anestesiada do Brasil está brincando de achar que o populismo vampiresco do PT não faz tão mal assim. E dessa forma permite que a presidente da República passe o ano inteiro convocando cadeia obrigatória de rádio e TV. Como no mais tosco chavismo, Dilma governa lendo teleprompter. Fala diretamente ao povo, recitando os contos de fadas que o Estado-Maior do marketing petista redige para ela. Propaganda populista na veia, e gratuita, sem precisar incomodar Marcos Valério nenhum para pagar a conta.

Só mesmo numa república de bananas inteiramente subjugada é possível um escárnio desses. O recurso dos pronunciamentos oficiais do chefe da nação existe para situações especiais, nas quais haja uma comunicação de Estado de alta relevância (ou urgência) a fazer. Dilma aparece na televisão até para se despedir do ano velho e saudar o ano novo – ou melhor, usa esse pretexto para desovar as verdades de laboratório de seus tutores. Mas agora, com a epidemia dos rolezinhos, o canal oficial da demagogia está ligado 24 horas.

Eles não se importam de proclamar na telinha que a economia está indo de vento em popa, com os números da inflação de 2013 estourando a previsão e gargalhando por trás da TV. Mas a carona nos rolezinhos é muito mais simples. Basta escalar meia dúzia de plantonistas da bondade para dizer que as minorias têm direito à inclusão no mundo capitalista – e correr para o abraço. Não se pode esquecer que o esquema petista vive das fábulas dos coitados. Delúbio Soares, hoje condenado e preso por corrupção, disse que o mensalão era “uma conspiração da direita contra o governo popular”.

O rolezinho é um ato de justiça social, assim como o papel higiênico acabou porque os venezuelanos comeram muito. E a desenvoltura dos hipócritas do governo popular no caso das invasões de shoppings está blindada, porque a burguesia covarde e culpada é presa fácil para o sofisma politicamente correto. Os comerciantes dos shoppings, lesados pela queda do consumo e até por furtos dos jovens justiceiros sociais, estão falando fininho. Estão sendo aviltados por uma brutalidade em pele de cordeiro, por uma arruaça fantasiada de expressão democrática, e têm medo de fazer cumprir a lei.

A ministra dos Direitos Humanos, como sempre, apareceu como destaque no desfile da demagogia petista. Maria do Rosário defendeu os rolezinhos nos shoppings e “o direito de ir e vir dessa juventude”.

A ministra está convidada a passear num shopping onde esteja acontecendo o ir e vir de 3 mil integrantes dessa juventude. Para provar que suas convicções não são oportunismo ideológico, Maria do Rosário deverá marcar sua próxima sessão de cinema ou seu próximo lanche com a família num shopping center invadido por milhares de revolucionários do Facebook, protegidos seus. Se precisar trocar as lentes de seus óculos, Maria do Rosário está convidada a se dirigir à ótica num shopping que esteja socialmente ocupado por um rolezinho.

Se a multidão não permitir que a ministra chegue até a ótica, ou se a ótica estiver fechada por causa do risco de assalto, depredação ou pela falta de clientes, a ministra deverá voltar para casa com as lentes velhas mesmo. E feliz da vida, por não ter de enxergar seu próprio cinismo socialista.

Shoppings fechados em São Paulo e no Rio por causa dos rolezinhos são a apoteose da igualdade (na versão dos companheiros): todos igualmente privados do lazer, todos juntos impedidos de consumir cultura, bens e serviços num espaço destinado a isso. É a maravilhosa utopia do nivelamento por baixo. O jeito será importar shoppings cubanos – que vêm sem nada dentro, portanto são perfeitos para rolezinhos.

Mazela social...


Remoção ou expulsão de favelados? Por Renata Neder

Cartaz de documentário sobre a remoção de favelas nas décadas de 60 e 70.

Quem ainda não assistiu ao filme Remoção, de Luiz Antônio Pilar e Anderson Quack, deveria tentar ver, o quanto antes, para entender melhor a relação controversa e histórica entre a sociedade do Rio de Janeiro e as favelas, hoje chamadas eufemisticamente de "comunidades".

Com apoio de entrevistas e documentos da época, o filme retrata o intenso processo de remoção de favelas da Zona Sul do Rio nas décadas de 60 e 70. Ao exibir depoimentos de pessoas removidas, pesquisadores e arquitetos, o documentário revela o aprofundamento da segregação espacial da cidade a partir dessa política de remoções. O documentário tem patrocínio da Petrobras e do Governo do Estado do Rio de Janeiro.

“Não foi uma remoção, foi uma expulsão”. A frase é de um ex-morador do Parque Proletário, na Gávea, removido nos anos 60 e retratado no filme. Mas a mesma frase foi dita por um ex-morador da Restinga, na Zona Oeste, removido em 2011. Décadas separam os dois episódios, mas a forma como a cidade olha e trata as favelas parece não ter mudado tanto assim.

Lucien Parisse escreveu no fim dos anos 60 que “a cidade olha as favelas como uma realidade patológica, uma doença, uma praga, uma calamidade pública”. As políticas para as favelas eram orientadas por essa visão. O morador da favela era o não cidadão, o morador indesejado que deveria ser, portanto, removido.

Deveria ser removido e levado para longe. O filme recupera bem a realidade de quem foi reassentado em conjuntos em áreas bem distantes de local de onde vinham. Apesar de um discurso oficial de que tais conjuntos (como o da Cidade de Deus, Vila Kennedy e Vila Aliança) teriam toda a infraestrutura e acesso a serviços e equipamentos urbanos, a realidade foi bem diferente.

Não havia nada, não havia cidade em volta. Não havia transporte. Pessoas perderam seus empregos, seus laços sociais e sua qualidade de vida.

Ao ver o filme, é impossível não se remeter ao que tem acontecido nos últimos anos na cidade. Famílias continuam a ser removidas de áreas mais centrais e são reassentadas em áreas mais distantes, na Zona Oeste da cidade. Em algumas favelas - como a Rocinha - , a remoção em massa está descartada. Está claro que é muito melhor para as famílias que mudem para outras edificações ou bairros dentro da mesma comunidade.

Muitas remoções dos anos 60 e 70 foram justificadas pelo “risco”.  Favelas foram removidas por estarem em áreas consideradas “não urbanizáveis”. Mas, hoje, estão ocupadas por edifícios destinados à classe alta. Então essa área era não-urbanizável para quem? O argumento técnico, afinal, não era tão técnico assim. Hoje, muitas famílias são removidas por estarem em área dita de risco. Será que daqui a alguns anos veremos essas áreas ocupadas também por empreendimentos para a classe alta?

No filme, as pessoas se queixaram muito da marcação das casas com um X vermelho, indicando a ameaça de remoção. Hoje, os moradores se queixam do SMH (em referência à Secretaria Municipal de Habitação).

Em 2013, circulou por aqui o documentário “Prezado Mandela”, de Dara Kell e Cristopher Nizza, sobre a atuação do movimento de moradia "Abahlali BaseMjondolo" que lutava contra as remoções na África do Sul e contra a chamada Lei da Favela, que dava poder às autoridades locais e aos donos de terras para despejar os moradores. Eles dizem: “No apartheid, separavam os negros dos brancos. A Lei da Favela separa os pobres dos ricos.”

Remoção faz isso mesmo: separa os pobres dos ricos. Segrega no espaço urbano uns e outros. Nos anos 60 e 70, o lema das propagandas do governo era “demolir para construir”. Pois essas demolições serviram para construir uma cidade mais segregada.

Ontem e hoje, as remoções aprofundam as desigualdades urbanas. Ontem e hoje, os moradores das favelas se sentem expulsos. Uma moradora da Cidade Alta resume ao final do filme: “Remoção, em uma palavra? Violência.” Ontem, e hoje.

Hipocondria...


O que está por trás do abuso de analgésicos

As drogas lícitas das estrelas de Hollywood matam 15 mil pessoas por ano nos Estados Unidos. E no Brasil?

O Brasil é um país altamente tolerante com a automedicação. Quem nunca comprou remédio sem receita ou ofereceu um comprimido a um amigo? A dificuldade de acesso a consultas médicas é parte do problema, mas não explica todos os casos. Compartilhar remédio como quem compartilha conselho é um traço cultural.
 
Oferecer comprimidos para a dor de cabeça é um clássico. Quem consome analgésicos em excesso conhece o resultado. Depois de tomar uma determinada dosagem por um certo tempo, ela deixa de fazer efeito. A pessoa parte para uma dose maior que, num certo momento, também deixará de funcionar. É um ciclo que precisa ser evitado.

Drogas ilícitas como cocaína e crack assustam. O abuso de drogas lícitas como os medicamentos é visto como um problema menor. Pode não ser. Analgésicos potentes como os opióides podem matar quando consumidos fora da indicação médica.
Um dos casos mais emblemáticos é o do cantor Michael Jackson, morto em 2009, aos 50 anos. Segundo as investigações, Jackson era dependente de analgésicos – entre eles, os opióides. Volta e meia surge a notícia de alguma celebridade de Hollywood que se deu muito mal por causa do abuso desses remédios. No ano passado, foi a vez do ator Zac Efron.
Os opióides são uma ferramenta importantíssima no arsenal médico. São eles que aliviam dores intensas como aquelas provocadas pelo câncer, pelos politraumatismos e pelas queimaduras graves. O uso deveria ser altamente restrito, mas os controles existentes têm se mostrado falhos.
Há quem compre esses remédios de forma ilegal pela internet. Ou consiga uma receita de forma ilícita. Ou use os comprimidos receitados para um parente. Um mercado negro estimula o uso recreativo.
“Quem procura essas drogas com essa intenção faz isso por causa do efeito euforizante”, diz o neurocirurgião Claudio Fernandes Corrêa, coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, em São Paulo. “Esse efeito é variável. Alguns dizem sentir um prazer físico e mental. Outros têm náuseas e vômitos”, afirma.

É o tipo de diversão que quase sempre acaba mal. Um dos opióides potentes usados de forma abusiva é a oxicodona, vendida com o nome comercial de OxyContin. Na medicina, ela é usada para aliviar dores de intensidade moderada a forte. Por exemplo, nos pós-operatórios, na neuropatia diabética e em algumas dores crônicas.

“O abuso de oxicodona pode matar”, diz Corrêa. “Provoca depressão respiratória e a pessoa morre”. A overdose de medicamentos contra a dor provoca cerca de 15 mil óbitos todos os anos nos Estados Unidos. Não há dados precisos no Brasil, mas os especialistas dizem que o uso recreativo no país é menos comum. “Algo como um caso no Brasil para cada dez casos nos Estados Unidos”, diz Corrêa.

Atualmente, os comprimidos de oxicodona disponíveis no Brasil podem ser quebrados. Isso facilita o uso abusivo. Se for esmagado, o comprimido vira um pó que pode ser inalado. Misturado a um solvente, pode ser injetado na veia.
A boa notícia é que o fabricante pretende lançar em breve uma nova tecnologia que pode reduzir o problema. Assim que a Anvisa liberar o registro da nova formulação (o que pode acontecer ainda neste semestre) os comprimidos em circulação no Brasil serão feitos especialmente para não quebrar.

O princípio ativo continua o mesmo. Ainda que alguém consiga quebrar o comprimido, restarão pedras grandes que não podem ser inaladas. Se alguém colocar um solvente, o produto vira um gel que não pode ser injetado.

“Essa tecnologia não vai encarecer o produto. A oxicodona será vendida pelo mesmo preço”, diz Andréa Naves, diretora médica da Mundipharma Brasil. “A versão anterior vai deixar de ser fabricada”.

Essa mesma tecnologia foi lançada nos Estados Unidos em 2010. Ajudou a reduzir os casos de abuso de oxicodona. Os dependentes parecem ter migrado para outras drogas.

Quem são as pessoas que abusam de drogas lícitas? Por que fazem isso? Por que precisam delas? Essa é a questão central que ainda não foi atacada. Cabe à sociedade olhar para ela e gerar a transfomação necessária.

“Quem abusa de opióides parece buscar uma fuga da realidade”, diz Corrêa. “São pessoas aparentemente sem grandes problemas, às vezes até bem-sucedidas na profissão, mas que precisam desse tipo de fuga”.

É preciso acabar com a ilusão de que pílulas aliviam toda e qualquer dor. Contra as dores da alma, elas nada podem fazer. Alguns incômodos nascem na mente e se manifestam no corpo. Nesses casos, os comprimidos podem ajudar. Mas a causa da dor vai continuar onde sempre esteve.

Corpo e mente funcionam juntos. Eles têm limites. Não passam incólumes em caso de sobrecarga. Quando o fardo fica pesado demais, a gente tropeça e cai. Sábio é quem aproveita a queda para respirar. O chão é o melhor conselheiro. Depois é juntar os cacos e recomeçar. A vida é isso e talvez essa seja a graça dela.

Família feliz...


Ser pai e mãe não é atividade para perfeccionistas

As lições deixadas por famílias de gente especial

Quando alguém elogia minhas filhas e ainda faz um comentário espontâneo dizendo que uma das duas – ou ambas – são a minha cara, ou a do meu marido, é difícil negar que uma lufada de orgulho toma conta de mim. 

Num exercício solitário e particular, resolvi que toda vez que elas estiverem também nos seus dias ruins, vou procurar naquele comportamento hostil traços meus. Não cheguei ao ponto de sorrir para um estranho e dizer “são a minha cara“ diante de uma dupla emburrada trocando insultos infantis em público. 

Esse exercício de aceitação é uma reconciliação íntima com minha natureza crítica para eu enxergar o outro como ele é e não como eu gostaria que ele fosse (ou se comportasse o tempo todo).

Cientes dos nossos defeitos e da óbvia conclusão de que os filhos não são nossa cópia, talvez estejamos nos preparando melhor para compreendê-los e aceitar os desdobramentos dessa personalidade que desabrocha. A verdade é que não dá para ser um perfeccionista no papel de pai ou mãe, e passei a entender isso melhor depois de ler Longe da Árvore, de Andrew Solomon (Companhia das Letras).

Longe da Árvore é uma fascinante jornada pelas histórias de centenas de famílias cujos filhos não saíram como planejados. São vários os exemplos: síndrome de Down, nanismo, surdez, esquizofrenia, transexuais, prodígios, deficientes, autistas, estupro, crime.

Não que todos tenham um traço comum. Há histórias e histórias, altos e baixos que variam em intensidade. Mesmo que a dedicação dos pais oscile e o grau de exigência dos filhos também,  sobressai a capacidade humana de amar, até quando não há uma troca real satisfatória, caso dos autistas graves.  

Quando deparamos com um roteiro de vida que fugiu à chamada normalidade, o que podemos aprender com isso? As famílias excepcionais nos ensinam que a normalidade é conviver com o diferente porque a diversidade é a regra, não a exceção. E mais: que o conceito de felicidade existe inclusive fora dos estereótipos que nos acorrentam.

“Se você tem um filho com deficiência, será para sempre o pai de um filho com deficiência; é um dos fatos básicos a seu respeito, fundamental para a maneira como as outras pessoas o percebem e decifram. 

Esses pais tendem a ver a aberração como doença até que o hábito e o amor lhes permitam lidar com sua nova realidade estranha – muitas vezes introduzindo a linguagem da identidade. A intimidade com a diferença promove a reconciliação“, diz trecho do livro. Conforme conclusões de Solomon, “as famílias infelizes que rejeitam seus filhos diferentes têm muito em comum, ao passo que as felizes que se esforçam para aceitá-los são felizes de uma infinidade de maneiras“.

É um dado da modernidade: futuros pais têm cada vez mais meios para selecionar os filhos que desejam ter. À parte julgamentos morais, éticos e espirituais sobre essa busca pelo filho perfeito, sem defeitos, com bons antecedentes e livres de doenças (não vou enveredar por aqui nesta coluna), as famílias que encaram o desafio são nosso farol num mundo que ainda precisa aprender a lidar com as diferenças.

Há os que desistem no meio do caminho, verdade. Entregam seus filhos especiais para outros criarem. Limitações existem e entendê-las sem julgamento  nos ajuda a lutar por um Estado que ofereça suporte a quem precisa, quesito no qual nosso país falha bastante.

Várias sentenças geniais ficaram reverberando na minha cabeça ao longo do livro, mas quando entra na parte mais confessional, o autor me vem com essa: paternidade (e maternidade, grifo meu) não é atividade para perfeccionistas. Perfeita por todos os motivos do mundo. Ninguém sabe de antemão que filho terá, saia ele de uma concepção programada, acidentada ou de um processo de adoção. 

E ainda que venha sem deficiências ou incompetências graves, será um outro buscando uma identidade que não a sua. A lição, de compreender o outro em toda sua essência, vale para todos nós.

Costumo dizer que o mal da humanidade é não saber interpretar, não conseguir se expressar, ou as duas coisas ao mesmo tempo. A relação parental está repleta desses pequenos conflitos que mudam de intensidade ao longo dos anos, como tudo na vida. 

E talvez boa parte da responsabilidade esteja nas nossas expectativas. Para cada grande projeto, pode acrescentar aí o dobro de ansiedade e uma boa dose de medo. Somos capazes de amar e aceitar nossos filhos sem esperar nada em troca como se houvesse um impedimento real intransponível? Essa é a grande barreira que essas famílias especiais encontram pela frente mas que, quase sempre, conseguem ultrapassar.

Para quem não tem filhos ainda, pode ser que tantas histórias sobre as dificuldades e os profundos desafios de ser pai e mãe de gente especial soem desencorajadoras.  Não é por aí. Entre os altos e baixos que marcam a vida dessas famílias, está a lição maior sobre a capacidade humana de amar qualquer pessoa, independente de como ela seja. 

Conforme descreve o autor, “a predisposição para o amor dos pais prevalece na mais penosa das circunstâncias. Há mais imaginação no mundo do que se poderia pensar“.

Como mãe de duas meninas normais, eu me perguntava a cada página se aquelas conclusões não se aplicariam a mim. Creio que sim. Entendo que, ao me tornar mãe, passei a observar o humano sob uma nova dimensão. Eu não sei se estou acertando nas minhas atitudes diárias. 

Estamos todos sujeitos a revisão. Surgirão estudos um dia, quem sabe, condenando as pessoas que deixaram seus filhos raspar bolo cru da tigela e aí eu saberei que errei.  Brincadeiras à parte, se não estivermos cometendo nenhum desatino, sugiro que façamos o maior proveito possível do tempo presente sobretudo no esforço de aceitá-los, com suas idiossincrasias.

Ao lidar com uma criança, você saberá o quanto de paciência realmente tem. Conhecerá de uma hora para outra seu real poder de improvisação, os limites da sua criatividade e até da sua fé. Perceberá o próprio desconhecimento sobre a vida diante de perguntas que misturam sagacidade e inocência. 

Ao mesclar o pouco que sabem com o muito que desejam fazer, as crianças nos indicam todo um futuro pela frente e, de quebra, nos eternizam em traços, trejeitos e defeitos. Mas é no presente que elas nos transformam. 

É agora que nos sentimos tão vulneráveis quanto fortes e, diante dessa exacerbação de nossa ambivalência humana,  encontramos espaço para melhorar. Taí o as crianças fazem por nós.

Deixo para o fim uma frase de Andrew Solomon, uma sugestão para repensarmos, de preferência todos os dias, nosso papel de pai e mãe.

“Olhar no fundo dos olhos de seu filho e ver nele algo de você mesmo e algo totalmente estranho, e então desenvolver uma ligação fervorosa com cada aspecto dele, é alcançar a desenvoltura da paternidade altruísta.“

Só o começo...



Ferréz: "O rolezinho foi só o primeiro ato"
O escritor, que vive na periferia paulistana, fala sobre música alta de madrugada, abordagem policial e o convívio com bandidos. Sua opinião: a revolta na periferia vai piorar

"O último amigo meu que era personagem deste livro morreu no ano passado”, diz Ferréz, da forma mais natural do mundo. Ele aponta sobre a mesa para uma cópia de Manual prático do ódio, livro de 2003 relançado agora pela Editora Planeta. 

Nele, conta a história de uma quadrilha de bandidos do Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo, onde Ferréz – aliás, Reginaldo Ferreira da Silva – nasceu em 1975, filho de pai motorista e mãe empregada doméstica. Há 17 anos, ele vem contando em prosa e verso, ao longo de seis livros, como vive, pensa e sente o povo da periferia. 

Na semana passada, ainda sob efeito da morte do cinegrafista Santiago Andrade, ele falou a ÉPOCA sobre crime, trabalho, esperança e revolta nos limites da cidade. A seguir, um resumo da conversa.

A VOZ DA PERIFERIA Ferréz na rua principal do Capão Redondo.  “Aqui, eu sou útil”.

ÉPOCA – O livro Manual prático do ódio, publicado em 2003, sugere que as pessoas da periferia estão presas entre miséria e violência. A vida melhorou nestes 11 anos?

Ferréz – Ficou mais apertada. São mais impostos, as contas aumentaram. As pessoas pagam R$ 100 de conta de luz dentro da favela. Se queixam do sufoco financeiro. Fora isso, o bairro cresceu muito, teve um inchaço urbano. Sinto que as pessoas estão mais aflitas e têm menos tempo que antes. Não sei se a vida melhorou.

ÉPOCA – A situação de pleno emprego e crescimento da renda nos últimos anos não chegou ao bairro?

Ferréz – As filas para arrumar emprego continuam. Tem subemprego, mas o moleque percebe que não chegará longe com ele. Ele pensa: vou completar 30 anos e continuar trabalhando na padaria? Vou fazer 30 anos trabalhando no McDonalds. O moleque da periferia quer poder sonhar.

ÉPOCA – O crime continua sendo uma opção glamourosa?

Ferréz – O crime continua sendo uma opção cultural. O moleque entra no crime porque ouve o vizinho dele falando, o cunhado dele falando. Ele vai assimilando tudo aquilo. É uma cultura que prepara para o ato criminal.

ÉPOCA – E a cultura do trabalho, do cara que acorda cedo porque acredita que vencerá na vida?

Ferréz – Isso é o que mais tem. Se você vier na periferia às 4h30 da manhã, os ônibus estarão lotados. Ladrão não acorda a essa hora. Há um enorme contingente de pessoas que sai de madrugada da periferia para servir o lanche da elite, para cuidar da segurança da elite. Elas voltam para casa e muitas vezes não têm comida nem segurança para elas mesmas. A sorte do Brasil é que as pessoas da periferia são honestas.

ÉPOCA – O senhor tem dito que estão mudando os valores. Que valores?

Ferréz – O cara que trabalha agora é visto como uma espécie de otário. Isso vem de toda parte. Da mídia, da propaganda. Lembro uma propaganda de carro que dizia que aquele modelo era só para pessoas especiais. Os moleques da periferia querem ser especiais também. O crime é a saída mais próxima.

ÉPOCA – Como é o convívio entre o trabalhador que acorda às 4h30 da manhã e a malandragem?

Ferréz – De uns tempos para cá, ficou mais complicado. Os trabalhadores querem dormir cedo e não conseguem, porque os moleques fazem barulho de madrugada. Eles agora têm moto, põem som no carro e ficam passando na rua com música alta, de noite. Para quem trabalha, ficou mais difícil morar na periferia.

ÉPOCA – Antes era diferente?

Ferréz – Antigamente, se o vizinho pusesse o som alto, meu pai ia lá, reclamava, e ele baixava o som. Hoje, a rua inteira liga o som alto de madrugada, e o cara que trabalha não consegue dormir. A tal da nova classe média teve acesso a comprar coisas. Mas, se você põe dinheiro na mão do cara e não dá cultura, ele vai exagerar o que já fazia. Não foi dada a base cultural.

ÉPOCA – Como é o convívio com a polícia, que também é composta de gente pobre?

Ferréz – O policial é pobre, mas não age como. Ele mora perto, mas tem o treinamento da corporação, com outro tipo de ideologia. A polícia aborda as pessoas aqui de um modo como nunca abordará no centro da cidade. Aqui, eles pedem até a nota fiscal do celular. O moleque tem de ter a nota, senão vira suspeito. Se ele está de madrugada na rua, tem de se explicar. É um interrogatório permanente. Quando você acaba de ser abordado, está em pânico. Uma vez, reclamei com um policial, e ele me perguntou se eu queria ser abordado com rosas. Na verdade, só queria ser tratado da forma como eles tratam as pessoas no centro.

ÉPOCA – Como os rolezinhos entram nisso tudo?

Ferréz – O rolezinho vem de uma massa gigante de jovens que não têm o que fazer. Não adianta o governador abrir os lugares públicos para os jovens. Eles não conseguem entrar. Os seguranças impedem, não querem os moleques fazendo nada lá dentro.
Jovem é jovem, em qualquer lugar do mundo. Nos Jardins ou aqui, o cara é rebelde, quer causar. O rolezinho foi só o primeiro ato, terá muito mais. O país enfrenta uma multidão de gente que quer se inserir, mas uma parte do país não quer que eles se insiram. Reclamam no aeroporto porque tem pobre pegando avião. Reclamam em Paraty porque tem pobre na feira do livro. Mas, espera: não somos a nova classe média? A gente também quer participar.

ÉPOCA – Por que essa rejeição acontece?

Ferréz – Porque o país foi montado pensando na Europa e nos Estados Unidos. O rico quer o modelo europeu de viver, o modelo americano. Ele quer ter casas abertas, com carro estacionado, não quer ter barulho. Mas a gente da periferia não faz silêncio, a gente anda com um monte de amigos. O país terá de lidar com isso, porque não vai parar. Não adianta criar regras para impedir o rolezinho, porque surgirão outras coisas. Haverá conflito enquanto as pessoas não aprenderem a conviver.

ÉPOCA – Aqui no bairro há sinais de revolta política?

Ferréz – Muitos. Antigamente, eu era o cara que reclamava sozinho. Agora nem falo mais. O motorista de táxi reclama dos impostos e dos corredores de ônibus, o cobrador reclama do salário. Todo mundo está insatisfeito. Houve passeatas por aqui e nos bairros em volta, organizadas por moradores. Quando acontece queima de ônibus, são os moradores mesmos. Não é coisa de bandido. Os moradores estão revoltados, e o ônibus é o único contato que eles têm com o Estado.

ÉPOCA – Qual sua opinião sobre a morte do cinegrafista Santiago Andrade?

Ferréz – Achei uma pena, nada vale uma vida humana. Mas também acho que nunca se mudou nada sem sangue nas ruas. Não se muda nada só conversando, infelizmente. Seria perfeito se fosse assim. Mas acho que morrerá mais gente.

ÉPOCA – Mas não dá para fazer manifestações sem violência?

Ferréz – Não dá para ter manifestações que não tenham casos específicos de violência. Não existe manifestação sem comoção e sem catarse. Isso não tira a legitimidade do movimento, da mudança que o país vive. E não adianta criminalizar, porque só colocará mais caras de máscara na rua, mais gente mal-intencionada. Se o manifestante for visto como criminoso, agirá como criminoso.

ÉPOCA – Mas, como lidar com o cara que sai quebrando tudo?

Ferréz – A solução do Brasil é sempre importar de fora. Por que não se faz o mesmo agora? A gente não vê a polícia dos Estados Unidos só quebrando e prendendo. Medidas sociais são tomadas para amenizar o problema. Aqui, não. Não tem debate, não tem diálogo. É só pôr a polícia na rua. A Polícia Militar virou a grande mãe. Qualquer coisa que acontece no país, chama a PM. A elite governante tem de aprender que não basta chamar a polícia. Ela tem de conversar.

ÉPOCA – Seu caso não mostra que existe uma saída individual da pobreza?

Ferréz – Mostra, mas uma vez eu disse isso para um americano, e ele respondeu: “Nem todo mundo é excepcional”. A pessoa consegue sair quando ela é excepcional. Eu me considero assim, porque sempre tive uma visão diferenciada. Tentava vender essa visão para meus amigos, e eles não compravam.

ÉPOCA – Não seria natural mudar para outro bairro a esta altura de sua vida?

Ferréz – No bar aqui ao lado, trabalha um churrasqueiro que sempre me cumprimenta de forma muito afetuosa. Ele me mostrou uma vez para a filha dele e disse: “Ele é escritor, veja se você estuda para ficar igual a ele”. Aqui me sinto importante, sou um exemplo. Quando vou fazer palestras, os pais dizem para os filhos: “Ele conseguiu ser escritor e é daqui, não precisou mudar”. Isso é importante para mim. Mudar de lugar é fácil; mudar o lugar dá mais trabalho. Só saio daqui o dia em que o lugar mudar para melhor, quando não precisar mais de mim. Ainda acho que sou útil aqui.

Incógnita...


Seu trabalho tem futuro?
Após substituir o trabalho braçal, na Revolução Industrial, as máquinas começam a substituir o trabalho intelectual nos escritórios


O russo Gary Kasparov não foi apenas o maior jogador de xadrez de seu tempo. Quando aceitou jogar contra o supercomputador Deep Blue, em 1997, era considerado o maior enxadrista de todos os tempos. “Não acho apropriado discutir o que eu faria em caso de derrota”, disse, antes do duelo. “Nunca perdi.” 

Em outra ocasião, foi ainda mais confiante: “Nunca vou perder para uma máquina”. Depois de oito dias e seis partidas, o que parecia improvável aconteceu. A máquina venceu o homem num duelo de capacidade intelectual. A vida profissional de Kasparov foi diretamente afetada a partir daquele dia 11 de maio. A vida dos demais profissionais, não. 

Supercomputadores eram para poucos. O Deep Blue pesava 1,4 tonelada, só sabia jogar xadrez e custou, em valores atuais, o equivalente a US$ 15 milhões. Computadores já haviam chegado a fábricas e escritórios, mas com capacidade e resultados tímidos. Ainda prevalecia a frase cunhada em 1987 por Robert Solow, ganhador do Prêmio Nobel de Economia por seus estudos sobre crescimento: “Dá para ver a era dos computadores em todo lugar, menos nas estatísticas de produtividade”. Hoje, 16 anos após a derrota de Kasparov, o cenário mudou. 

O poder de processamento de um supercomputador dos anos 1990 está agora disponível em computadores pequenos, baratos, versáteis e interconectados, como os smartphones. Incrivelmente capazes de armazenar e interpretar informações, essas novas máquinas estão revolucionando o ambiente de trabalho – e isso afeta diretamente seu emprego. “Cerca de 47% das profissões correm risco”, disse a ÉPOCA Carl Frey, doutor em economia da Universidade de Oxford, autor do estudo O futuro do emprego.

Frey e Michael Osborne, professor de ciência de engenharia de Oxford, avaliaram tarefas cotidianas de mais de 700 ocupações, para identificar o que uma máquina poderá fazer melhor que os humanos nas próximas duas décadas. Chegaram a um índice que varia entre 0 (nenhum risco de substituição) e 100% (risco total). 

As profissões mais ameaçadas estão nas áreas de logística, escritório e produção, aquelas que envolvem tarefas intelectualmente repetitivas. Embora o estudo seja baseado no mercado de trabalho dos Estados Unidos, suas conclusões são aplicáveis mundialmente. “Trocar profissionais por máquinas no Brasil é, em tese, menos atraente do que nos Estados Unidos, porque os salários são mais baixos”, diz Frey. “Mas o custo da automação está caindo tão rapidamente que a tendência deverá se manifestar nos dois países quase ao mesmo tempo.”

Exercícios de futurologia sobre a evolução da tecnologia existem há décadas – e, há décadas, eles costumam errar o alvo. Historicamente, os profetas pecam pelo otimismo. Agora, a realidade parece ter chegado antes do previsto. Em 2004, os economistas Frank Levy, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e Richard Murnane, da Universidade Harvard, disseram no livro A nova divisão do trabalho que os robôs continuariam incapazes de realizar tarefas complexas, como dirigir. 

A previsão dos dois especialistas foi superada em 2005, quando Stanley, um carro sem motorista da Universidade Stanford, venceu um desafio proposto pela Agência de Projetos Avançados de Defesa dos Estados Unidos (Darpa). Desde 2009, o Google desenvolve a tecnologia do Stanley em estradas abertas ao trânsito. Os robôs já rodaram mais de 500.000 quilômetros, sem acidentes. O custo do sistema de radares a laser, usado pelos carros, caiu de US$ 35 milhões para US$ 80 mil. Considerados, no livro de 2004, insubstituíveis em longo prazo, motoristas de ônibus escolares têm 89% de chance de ser substituídos por uma máquina, segundo a previsão atual.

Mais uma etapa superada...