Remoção
ou expulsão de favelados? Por Renata Neder
Cartaz de documentário sobre a remoção de
favelas nas décadas de 60 e 70.
Quem ainda não assistiu ao filme Remoção, de
Luiz Antônio Pilar e Anderson Quack, deveria tentar ver, o quanto antes, para
entender melhor a relação controversa e histórica entre a sociedade do Rio de
Janeiro e as favelas, hoje chamadas eufemisticamente de
"comunidades".
Com apoio de entrevistas e documentos da
época, o filme retrata o intenso processo de remoção de favelas da Zona Sul do
Rio nas décadas de 60 e 70. Ao exibir depoimentos de pessoas removidas,
pesquisadores e arquitetos, o documentário revela o aprofundamento da
segregação espacial da cidade a partir dessa política de remoções. O
documentário tem patrocínio da Petrobras e do Governo do Estado do Rio de
Janeiro.
“Não foi uma remoção, foi uma expulsão”. A
frase é de um ex-morador do Parque Proletário, na Gávea, removido nos anos 60 e
retratado no filme. Mas a mesma frase foi dita por um ex-morador da Restinga,
na Zona Oeste, removido em 2011. Décadas separam os dois episódios, mas a forma
como a cidade olha e trata as favelas parece não ter mudado tanto assim.
Lucien Parisse escreveu no fim dos anos 60
que “a cidade olha as favelas como uma realidade patológica, uma doença, uma
praga, uma calamidade pública”. As políticas para as favelas eram orientadas
por essa visão. O morador da favela era o não cidadão, o morador indesejado que
deveria ser, portanto, removido.
Deveria ser removido e levado para longe. O
filme recupera bem a realidade de quem foi reassentado em conjuntos em áreas
bem distantes de local de onde vinham. Apesar de um discurso oficial de que
tais conjuntos (como o da Cidade de Deus, Vila Kennedy e Vila Aliança) teriam
toda a infraestrutura e acesso a serviços e equipamentos urbanos, a realidade
foi bem diferente.
Não havia nada, não havia cidade em volta.
Não havia transporte. Pessoas perderam seus empregos, seus laços sociais e sua
qualidade de vida.
Ao ver o filme, é impossível não se remeter
ao que tem acontecido nos últimos anos na cidade. Famílias continuam a ser
removidas de áreas mais centrais e são reassentadas em áreas mais distantes, na
Zona Oeste da cidade. Em algumas favelas - como a Rocinha - , a remoção em
massa está descartada. Está claro que é muito melhor para as famílias que mudem
para outras edificações ou bairros dentro da mesma comunidade.
Muitas remoções dos anos 60 e 70 foram
justificadas pelo “risco”. Favelas foram
removidas por estarem em áreas consideradas “não urbanizáveis”. Mas, hoje,
estão ocupadas por edifícios destinados à classe alta. Então essa área era
não-urbanizável para quem? O argumento técnico, afinal, não era tão técnico
assim. Hoje, muitas famílias são removidas por estarem em área dita de risco.
Será que daqui a alguns anos veremos essas áreas ocupadas também por
empreendimentos para a classe alta?
No filme, as pessoas se queixaram muito da
marcação das casas com um X vermelho, indicando a ameaça de remoção. Hoje, os
moradores se queixam do SMH (em referência à Secretaria Municipal de
Habitação).
Em 2013, circulou por aqui o documentário
“Prezado Mandela”, de Dara Kell e Cristopher Nizza, sobre a atuação do
movimento de moradia "Abahlali BaseMjondolo" que lutava contra as
remoções na África do Sul e contra a chamada Lei da Favela, que dava poder às
autoridades locais e aos donos de terras para despejar os moradores. Eles
dizem: “No apartheid, separavam os negros dos brancos. A Lei da Favela separa
os pobres dos ricos.”
Remoção faz isso mesmo: separa os pobres dos
ricos. Segrega no espaço urbano uns e outros. Nos anos 60 e 70, o lema das
propagandas do governo era “demolir para construir”. Pois essas demolições
serviram para construir uma cidade mais segregada.
Ontem e hoje, as remoções aprofundam as
desigualdades urbanas. Ontem e hoje, os moradores das favelas se sentem
expulsos. Uma moradora da Cidade Alta resume ao final do filme: “Remoção, em uma
palavra? Violência.” Ontem, e hoje.
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