segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Mazela social...


Remoção ou expulsão de favelados? Por Renata Neder

Cartaz de documentário sobre a remoção de favelas nas décadas de 60 e 70.

Quem ainda não assistiu ao filme Remoção, de Luiz Antônio Pilar e Anderson Quack, deveria tentar ver, o quanto antes, para entender melhor a relação controversa e histórica entre a sociedade do Rio de Janeiro e as favelas, hoje chamadas eufemisticamente de "comunidades".

Com apoio de entrevistas e documentos da época, o filme retrata o intenso processo de remoção de favelas da Zona Sul do Rio nas décadas de 60 e 70. Ao exibir depoimentos de pessoas removidas, pesquisadores e arquitetos, o documentário revela o aprofundamento da segregação espacial da cidade a partir dessa política de remoções. O documentário tem patrocínio da Petrobras e do Governo do Estado do Rio de Janeiro.

“Não foi uma remoção, foi uma expulsão”. A frase é de um ex-morador do Parque Proletário, na Gávea, removido nos anos 60 e retratado no filme. Mas a mesma frase foi dita por um ex-morador da Restinga, na Zona Oeste, removido em 2011. Décadas separam os dois episódios, mas a forma como a cidade olha e trata as favelas parece não ter mudado tanto assim.

Lucien Parisse escreveu no fim dos anos 60 que “a cidade olha as favelas como uma realidade patológica, uma doença, uma praga, uma calamidade pública”. As políticas para as favelas eram orientadas por essa visão. O morador da favela era o não cidadão, o morador indesejado que deveria ser, portanto, removido.

Deveria ser removido e levado para longe. O filme recupera bem a realidade de quem foi reassentado em conjuntos em áreas bem distantes de local de onde vinham. Apesar de um discurso oficial de que tais conjuntos (como o da Cidade de Deus, Vila Kennedy e Vila Aliança) teriam toda a infraestrutura e acesso a serviços e equipamentos urbanos, a realidade foi bem diferente.

Não havia nada, não havia cidade em volta. Não havia transporte. Pessoas perderam seus empregos, seus laços sociais e sua qualidade de vida.

Ao ver o filme, é impossível não se remeter ao que tem acontecido nos últimos anos na cidade. Famílias continuam a ser removidas de áreas mais centrais e são reassentadas em áreas mais distantes, na Zona Oeste da cidade. Em algumas favelas - como a Rocinha - , a remoção em massa está descartada. Está claro que é muito melhor para as famílias que mudem para outras edificações ou bairros dentro da mesma comunidade.

Muitas remoções dos anos 60 e 70 foram justificadas pelo “risco”.  Favelas foram removidas por estarem em áreas consideradas “não urbanizáveis”. Mas, hoje, estão ocupadas por edifícios destinados à classe alta. Então essa área era não-urbanizável para quem? O argumento técnico, afinal, não era tão técnico assim. Hoje, muitas famílias são removidas por estarem em área dita de risco. Será que daqui a alguns anos veremos essas áreas ocupadas também por empreendimentos para a classe alta?

No filme, as pessoas se queixaram muito da marcação das casas com um X vermelho, indicando a ameaça de remoção. Hoje, os moradores se queixam do SMH (em referência à Secretaria Municipal de Habitação).

Em 2013, circulou por aqui o documentário “Prezado Mandela”, de Dara Kell e Cristopher Nizza, sobre a atuação do movimento de moradia "Abahlali BaseMjondolo" que lutava contra as remoções na África do Sul e contra a chamada Lei da Favela, que dava poder às autoridades locais e aos donos de terras para despejar os moradores. Eles dizem: “No apartheid, separavam os negros dos brancos. A Lei da Favela separa os pobres dos ricos.”

Remoção faz isso mesmo: separa os pobres dos ricos. Segrega no espaço urbano uns e outros. Nos anos 60 e 70, o lema das propagandas do governo era “demolir para construir”. Pois essas demolições serviram para construir uma cidade mais segregada.

Ontem e hoje, as remoções aprofundam as desigualdades urbanas. Ontem e hoje, os moradores das favelas se sentem expulsos. Uma moradora da Cidade Alta resume ao final do filme: “Remoção, em uma palavra? Violência.” Ontem, e hoje.

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