Seu trabalho tem futuro?
Após substituir o trabalho braçal, na Revolução Industrial, as máquinas
começam a substituir o trabalho intelectual nos escritórios
O russo Gary Kasparov não foi apenas o maior jogador de xadrez de seu
tempo. Quando aceitou jogar contra o supercomputador Deep Blue, em 1997, era
considerado o maior enxadrista de todos os tempos. “Não acho apropriado
discutir o que eu faria em caso de derrota”, disse, antes do duelo. “Nunca
perdi.”
Em outra ocasião, foi ainda mais confiante: “Nunca vou perder para uma
máquina”. Depois de oito dias e seis partidas, o que parecia improvável
aconteceu. A máquina venceu o homem num duelo de capacidade intelectual. A vida
profissional de Kasparov foi diretamente afetada a partir daquele dia 11 de
maio. A vida dos demais profissionais, não.
Supercomputadores eram para poucos.
O Deep Blue pesava 1,4 tonelada, só sabia jogar xadrez e custou, em valores
atuais, o equivalente a US$ 15 milhões. Computadores já haviam chegado a
fábricas e escritórios, mas com capacidade e resultados tímidos. Ainda
prevalecia a frase cunhada em 1987 por Robert Solow, ganhador do Prêmio Nobel
de Economia por seus estudos sobre crescimento: “Dá para ver a era dos
computadores em todo lugar, menos nas estatísticas de produtividade”. Hoje, 16
anos após a derrota de Kasparov, o cenário mudou.
O poder de processamento de
um supercomputador dos anos 1990 está agora disponível em computadores
pequenos, baratos, versáteis e interconectados, como os smartphones.
Incrivelmente capazes de armazenar e interpretar informações, essas novas
máquinas estão revolucionando o ambiente de trabalho – e isso afeta diretamente
seu emprego. “Cerca de 47% das profissões correm risco”, disse a ÉPOCA Carl
Frey, doutor em economia da Universidade de Oxford, autor do estudo O futuro do
emprego.
Frey e Michael Osborne, professor de ciência de engenharia de Oxford,
avaliaram tarefas cotidianas de mais de 700 ocupações, para identificar o que
uma máquina poderá fazer melhor que os humanos nas próximas duas décadas.
Chegaram a um índice que varia entre 0 (nenhum risco de substituição) e 100%
(risco total).
As profissões mais ameaçadas estão nas áreas de logística,
escritório e produção, aquelas que envolvem tarefas intelectualmente
repetitivas. Embora o estudo seja baseado no mercado de trabalho dos Estados
Unidos, suas conclusões são aplicáveis mundialmente. “Trocar profissionais por
máquinas no Brasil é, em tese, menos atraente do que nos Estados Unidos, porque
os salários são mais baixos”, diz Frey. “Mas o custo da automação está caindo
tão rapidamente que a tendência deverá se manifestar nos dois países quase ao
mesmo tempo.”
Exercícios de futurologia sobre a evolução da tecnologia existem há
décadas – e, há décadas, eles costumam errar o alvo. Historicamente, os
profetas pecam pelo otimismo. Agora, a realidade parece ter chegado antes do
previsto. Em 2004, os economistas Frank Levy, do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), e Richard Murnane, da Universidade Harvard, disseram no
livro A nova divisão do trabalho que os robôs continuariam incapazes de
realizar tarefas complexas, como dirigir.
A previsão dos dois especialistas foi
superada em 2005, quando Stanley, um carro sem motorista da Universidade
Stanford, venceu um desafio proposto pela Agência de Projetos Avançados de
Defesa dos Estados Unidos (Darpa). Desde 2009, o Google desenvolve a tecnologia
do Stanley em estradas abertas ao trânsito. Os robôs já rodaram mais de 500.000
quilômetros, sem acidentes. O custo do sistema de radares a laser, usado pelos
carros, caiu de US$ 35 milhões para US$ 80 mil. Considerados, no livro de 2004,
insubstituíveis em longo prazo, motoristas de ônibus escolares têm 89% de
chance de ser substituídos por uma máquina, segundo a previsão atual.
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