Os donos do crime
Quem são e como
se organizam os chefes das facções criminosas que controlam os complexos
penitenciários brasileiros e ameaçam levar uma guerra sangrenta para as ruas do
País.
Eles espalham
terror, impõem sua lei nos presídios e têm poder semelhante aos grandes grupos
de mafiosos. Ao longo dos últimos trinta anos, se tornaram conhecidos e temidos
pela população brasileira.
As facções criminosas Comando Vermelho (CV) e
Primeiro Comando da Capital (PCC) cresceram em importância não só nos estados
onde surgiram, mas em todo o País.
As atividades dos grupos, inicialmente
concentradas nos complexos prisionais, venceram as muralhas das penitenciárias
e ganharam as ruas em ações cinematográficas.
Luiz Fernando da Costa, o
Fernandinho Beira-Mar, à frente do CV, e Marcos Willians Hermes Camacho, o
Marcola, à frente do PCC, se tornaram homens procurados internacionalmente e
ganharam notoriedade continental.
Nem o mais pessimista especialista em
segurança pública poderia prever tamanha expansão desse tipo de organização
criminosa. Expansão esta que só tende a crescer, ancorada na omissão do Estado.
Na semana
passada, o Brasil foi apresentado, de forma traumática, a mais uma
representante desta seara podre da sociedade brasileira . A “Família do Norte”,
conhecida pela sigla FDN, dominou o noticiário nacional e internacional depois
de comandar a execução de 56 presos ligados ao PCC durante rebelião no Complexo
Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, no Amazonas.
Foi o maior massacre dentro de uma prisão desde 1992, quando a Casa
de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, foi invadida durante uma
briga e 111 detentos foram mortos. Em vídeo feito por um detento na parte
interna do Compaj, entre corpos decapitados e muito sangue, vê-se uma bandeira
da organização criminosa. “É FDN que comanda, porra!”, desafia o preso que
empunha a flâmula, sem se preocupar em esconder o rosto.
MISSÃO Bandeira
do PCC pela paz não faz mais sentido; dinheiro é a força que move a facção
A FORÇA DA
FACÇÃO
A FDN surgiu em
2006 da aliança entre dois ex-rivais do mundo do tráfico de Manaus. José
Roberto Fernandes Barbosa, conhecido como “Compensa”, controlava a venda de
drogas na região Oeste da cidade, enquanto Gelson Carnaúba, o “G”, dominava a
região Sul.
Presos, ambos cumpriram pena em presídios federais, onde tiveram
contato com membros do CV e do PCC, e de lá voltaram determinados (ou
orientados), segundo a Polícia Federal, a estruturarem uma operação nos moldes
das facções do eixo Rio-São Paulo. Não demorou para o negócio decolar.
Em pouco tempo,
a dupla dominou quase toda a rota “Solimões”, na região da fronteira entre
Brasil, Peru e Colômbia, e passou a escoar grandes quantidades de cocaína para
vender em Manaus, distribuir pelo Brasil e exportar para a Europa.
Já em 2006,
Barbosa aparece em vídeo durante sua própria festa de aniversário, organizada
para mais de duzentos convidados, em um luxuoso buffet de Manaus. Durante os
parabéns, é visto rodeado por amigos em cerimônia que lembra o beija-mão dos
mafiosos italianos.
Cada convidado que o abraça entrega uma joia de ouro – seja
anel, pulseira, relógio ou colar. Sorridente, o criminoso bate palma e posa
para foto. Também em 2006, Barbosa funda o “Compensão”, time de futebol que
viria a se tornar uma das mais populares equipes amazonenses na categoria
“amador”.
Pesadamente financiado, o time foi campeão duas vezes em sua
categoria e até hoje amedronta adversários, que dizem temer as ameaças que
frequentemente vêm das arquibancadas.
Mesmo com a
detenção de Barbosa, em setembro de 2009, a arrecadação da FDN continuou a
crescer. Os negócios nessa época iam tão bem que os cerca de R$ 1 milhão em
receita mensal passou a bancar não só a operação do grupo, mas também os
honorários de um time de nove advogados dedicados exclusivamente ao bando.
À
época, Barbosa e seus comparsas já respondiam por crimes como evasão de divisas,
tortura, sequestro, lavagem de dinheiro, homicídio, corrupção de autoridades, e
tráfico internacional de drogas e armas. Mas foi a partir do momento em que
Barbosa foi preso que a FDN deslanchou.
Na cadeia, mas com mordomias (leia
quadro), sem muito o que fazer e protegido por seus aliados, o traficante pôde
se dedicar aos negócios. Foi com Barbosa detido que a facção colocou no ar seu
sistema digital de compra e venda de drogas e de monitoramento das ruas do
tráfico.
Foi também nesse período que reformulou o processo de seleção de novos
membros. Agora, os integrantes devem passar por uma rigorosa peneira com
participação de filiados de vários escalões.
EX-ALIADOS CV e
PCC já foram parceiros nos negócios e comandaram rebeliões pelo Brasil
PROFISSIONAIS
Atualmente, a
FDN é a terceira maior facção criminosa do País. O grupo nunca escondeu que,
nesse esforço organizacional, suas inspirações foram o Comando Vermelho (CV) e,
fundamentalmente, o Primeiro Comando da Capital (PCC), hoje seu maior rival.
No
Brasil, não há exemplo maior de estruturação e planejamento do crime do que o
PCC. Criado em 1993 no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, a 130km de São
Paulo, o grupo surgiu com estatuto próprio e missão clara: “combater a opressão
dentro do sistema prisional paulista”.
Os anos se passaram e a missão parece se
resumir a ganhar dinheiro. A facção tem hoje mais de 22 mil membros espalhados
por praticamente todos os estados do País (leia quadro).
À frente da potência
que virou o PCC está Marcos Willians Hermes Camacho, o Marcola. Preso por roubo
a bancos desde 1999, ele comanda com mão de ferro a estrutura fortemente
hierarquizada que é a facção.
Com Marcola, o
PCC expandiu e diversificou seus negócios, tidos como muito dependentes do
tráfico de drogas até o final dos anos 1990.
Hoje, sabe-se que possui times de
futebol na Zona Leste de São Paulo. Também é proprietário de companhias de
ônibus, forma advogados e teria feito um prefeito na Grande São Paulo. É dono
de uma refinaria clandestina em Boituva, no interior de São Paulo, que, durante
anos, desviou óleo da Petrobras, o refinou e o revendeu em uma rede de postos
de gasolina, também de propriedade.
E ajuda a operacionalizar a ocupação de
terras na região metropolitana de São Paulo para depois exigir 25% das
habitações construídas nos terrenos invadidos. Os imóveis são mais tarde
entregues às famílias de detentos que estão desamparados.
Hoje, estima-se
que o PCC tenha uma receita anual bruta de cerca de R$ 300 milhões – o
equivalente à operação de uma indústria como a Caloi, que fabrica bicicletas
desde 1948. Muito do dinheiro foi reinvestido na facção. Parte, porém, ficou
para o conforto de Marcola e família.
A mulher do traficante, por exemplo,
costuma ser levada para visitá-lo por um motorista particular a bordo de uma
Toyota SW4, carro que não custa menos de R$ 150 mil. Já Marcola, vaidoso,
esbanja com cremes e procedimentos de beleza. Recentemente, pediu à Justiça autorização
para fazer um tratamento de botox dentro da cadeia. O pedido foi negado.
EXPANSÃO E MEDO
Embora hoje
menos poderoso do que foi nas décadas de 1980 e 1990, o Comando Vermelho (CV)
ainda impõe respeito. Fundado no Rio de Janeiro, o grupo surgiu em 1973 e foi
pioneiro entre as facções criminosas brasileiras.
Sob a liderança de Luiz
Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, o CV dominou mais de 80% do tráfico
da cidade e espalhou terror com roubos a banco e violência. Beira-Mar ganhou
fama no Exterior graças à visibilidade do Rio de Janeiro e tentou dar início a
um processo de diversificação dos negócios do grupo já na década de 1990 –
antes, portanto, do PCC.
A iniciativa, porém, foi interrompida com a prisão,
em 2001, na Colômbia. Desorganizada, a facção perdeu relevância. Hoje, porém,
tenta crescer no País com alianças como a feita com a FDN.
Entre
especialistas de segurança pública, é sabido que organizações criminosas surgem
e crescem onde o Estado não se faz presente. Hoje, as facções cresceram de tal
forma que há quem argumente que já não faz mais sentido falar em “poder
paralelo” quando se está referindo a elas, mas sim em “poder de fato”.
Em São
Paulo, sabe-se que coube ao PCC mediar o acordo que promete acabar com as
brigas entre as torcidas organizadas. Com isso, o grupo espera aumentar o
público nos jogos, lançar um time e faturar com a nova atividade. Ainda na
capital paulista, sabe-se que o PCC também trabalha para acabar com as
cracolândias. Para o grupo, a droga não é comercialmente viável.
O espaço ocupado
por esses bandidos profissionalmente organizados só foi possível porque há um
vácuo na política penitenciária do Estado. E ele permanecerá, e se estenderá,
se não forem tomadas providências pelo poder público.
A guerra que se anuncia a
partir do ataque da semana passada não será curta. “A reação do PCC já
começou”, diz o padre Valdir Silveira, coordenador nacional da Pastoral
Carcerária da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “Recebi
ligações de familiares de presos que alertaram para o que está por vir”,
afirma. Enquanto nada for feito, Beira-Mar, Marcola e Compensão continuarão
apavorando o Brasil.
Quem é quem
Marcola – Marcos
Willians Herbas Camacho
Líder do
Primeiro Comando da Capital (PCC), Marcola, 48 anos, nasceu na Vila Yolanda, em
Osasco (SP). Órfão de mãe, não conheceu o pai e já roubava aos 9 anos, no Centro
de São Paulo. Sua primeira condenação foi em 1987 por assalto à mão armada. Só
foi preso em 1999 por participar de dois roubos a banco e cumpre pena em
presídio de segurança máxima em Presidente Venceslau
Fernandinho
Beira-Mar – Luiz Fernando da Costa
Nascido em Duque
de Caxias (RJ), Fernandinho Beira-Mar, 49, foi criado na favela Beira-Mar e é
líder do Comando Vermelho (CV). Aos 20 anos, foi preso por furtar armas do
Exército. Cumpriu pena, voltou à favela e tornou-se líder do tráfico. Para
fugir da polícia, já se refugiou no Paraguai e se aliou às FARC. Foi preso em
2001 e cumpre pena de 200 anos em Porto Velho (RO) e
Zé Roberto da
Compensa – José Roberto Fernandes Barbosa
Compensa, 44
anos, fundou a facção Família do Norte (FDN), de Manaus. Aos 12 anos iniciou a
vida no crime e já foi preso quatro vezes. Compensa é o elo dos traficantes do
Peru e da Colômbia com o Brasil. Já esteve preso em Porto Velho (RO) e
Catanduvas (PR). Durante uma fuga, em 2013, matou dois comparsas que se aliaram
ao PCC. Cumpre pena em Catanduvas (SC).
A trajetória das
facções
Saiba quando
surgiram, quantos membros possuem e quanto arrecadam anualmente as maiores
facções do País
Primeiro Comando
da Capital (PCC)
• 1993 é o ano
em que a organização criminosa surgiu, no Centro de Reabilitação Penitenciária
de Taubaté, no Vale do Paraíba
• 7 mil é a
quantidade de integrantes do PCC em São Paulo
• 20 a 22 mil
são os membros do grupo fora de São Paulo
• R$ 300 milhões
é quanto o PCC arrecada anualmente
Comando Vermelho
(CV)
• 1979 foi ao
ano em que o CV foi criado, na prisão Cândido Mendes, na Ilha Grande, em Angra
dos Reis (RJ)
• 3 a 8 mil é a
quantidade de integrantes no Rio de Janeiro
• 16 mil são os
membros do grupo fora do estado fluminense
• R$ 57,6
milhões* é quanto o CV arrecada anualmente
Família do Norte
(FDN)
• 2006 foi ao
ano em que Gelson Carnaúba, o Mano G, e Zé Roberto Compensa, voltaram para
Manaus após passarem um tempo cumprindo pena em presídios federais e decidiram
criar a FDN para conter o PCC
• 200 mil é a
quantidade de membros cadastrados em um sistema informatizado e com senhas
• R$ 6-12
milhões é quanto arrecada anualmente
Marcola,
Beira-Mar e Compensa têm vida diferente da de outros homens presos
LUXO Cela no
Compeja era para visitas íntimas
Os líderes das
três maiores facções do País são tratados de forma diferente nos presídios. E
não é com mais rigidez, como se espera. Pelo contrário. Marcola, do PCC, pode
receber, em visitas, creme hidratante, condicionador e outros produtos
para cuidados pessoais.
Normalmente, esses itens só podem ser entregues pelo
correio e são revistados. Até o final do ano passado, Marcola tinha um
dermatologista com quem fazia consultas. O médico chegou a pedir autorização
para a aplicação de botox. O pedido foi negado.
O chefe do PCC também pode
receber visitas íntimas, vive em uma cela espaçosa sozinho e pode até pedir
pizza. Em maio de 2015, Fernandinho Beira-Mar viajou de helicóptero de Porto
Velho (RO) ao Rio de Janeiro para acompanhar um processo.
Os gastos com o
transporte e com os honorários ficaram em, pelo menos, R$ 120 mil. Ele recebe
produtos para cuidados pessoais, visitas íntimas e até o ansiolítico Rivotril,
para insônia. Zé Roberto Compensa também tem suas mordomias.
De dentro da cela,
tocou o time de futebol da FDN, tem direito a visitas íntimas, ônibus especial
para transporte próprio e de parentes, tolerância acima da média na cadeia,
além de vigilância praticamente inexistente.
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